PARECERES TECNICOS

segunda-feira, fevereiro 21, 2005

REGISTO DE ACÇÃO

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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Relator:LOPES PINTO


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça -


"A" e mulher B, C e mulher D, e E e mulher F propuseram acção de reivindicação contra G, H e mulher I a fim de, reconhecido o seu direito de propriedade sobre os prédios rústicos identificados no art. 1º nº 2 a 4 da petição inicial, serem condenados os réus a lhos restituírem livre de pessoas e bens, declarando-se nula a sua venda pelo 1º ao 2º réu celebrada em 95.09.05, titulada por escritura pública, e ordenando-se o cancelamento dos registos prediais feitos com base nesta, e ainda condenados os réus no pagamento de indemnização, a liquidar em execução de sentença, pelos prejuízos decorrentes da ocupação dos prédios.

Contestando, o 1º réu excepcionou a aquisição por usucapião e impugnou, concluindo pela improcedência da acção.

Contestando, os 2º réus impugnaram (por os prédios que possuem serem distintos dos reivindicados) e reconvieram a fim de se reconhecer o seu direito de propriedade sobre os prédios rústicos identificados sob o art. 5º da contestação ou, em alternativa, no caso de a acção proceder, se condenar os autores a lhes pagarem, a título de indemnização por benfeitorias, a soma de 8.325.340$00 acrescidos de juros de mora desde a notificação da reconvenção.

Prosseguindo até final, seus regulares termos e com gravação da prova, procederam, em parte, a acção - só quanto ao prédio inscrito na matriz sob o art. 26-E da freguesia da Pedreira, Tomar - e a reconvenção - só quanto aos prédios inscritos na matriz daquela freguesia sob os arts. 40-E e 10-E, e, no mais, improcederam uma e outra por sentença que a Relação, sob apelação do autores e dos 2º réus, confirmou salvo quanto à restituição do prédio inscrito sob o art. 26-E por continuar na posse dos autores.

De novo inconformados e repetindo precisamente o que para a Relação alegaram, os 2º réus pediram revista a fim de ser revogado o acórdão substituindo-se-o por outro a julgar improcedente a acção e procedente a reconvenção para o que reeditam as seguintes questões - nulidade do acórdão por condenar em objecto diverso do pedido, caducidade do registo da acção, constituto possessório, alteração da decisão de facto, reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio matriciado sob o art. 26-E e inoponibilidade da nulidade das vendas judiciais.

Contraalegando, defenderam os autores a confirmação do julgado.
Colhidos os vistos.

Decidindo: -

1.- A circunstância de ser legítimo ao Supremo Tribunal de Justiça censurar o uso pela Relação dos poderes que lhe são conferidos pelo art. 712 CPC não autoriza que a natureza de tribunal de revista daquele seja subvertida em 3ª instância.

Verificar se a Relação procedeu e subsumiu correctamente o caso numa das hipóteses aí previstas é distinto de pedir ao STJ que procede ao reexame da prova aqui gravada. Apenas em casos extremos, casos de erro de direito concretamente definidos na lei (CPC- 722,2), é possível ao STJ alterar a decisão de facto.

A Relação, reanalisando a prova, não modificou a decisão de facto. Ao STJ não cabe a censura pelo não-uso dos poderes de alteração nem ocorre situação de erro de direito na apreciação das provas e fixação dos factos materiais da causa.
Ao abrigo dos arts. 713-6 e 726 CPC remete-se a descrição da matéria de facto para o acórdão recorrido.

2.- Porque o acórdão, com as correcções que introduziu à sentença, conheceu de todas as questões suscitadas pelos recorrentes e o fez em termos que juridicamente merecem a concordância do STJ seria suficiente remeter para a sua fundamentação o negar-se a revista (CPC- 713,5 ex vi do art. 726), o que se fará sem prejuízo de algumas e singelas observações.

3.- O registo da acção é provisório por natureza, convertendo-se em definitivo à vista da certidão da sentença transitada em julgado (CRPr- 3, 92-1 a) e 101-2 b)). Se o tiver sido ainda por dúvidas e estas não tiverem sido removidas, aquela inscrição mantém-se e cumpre a sua função a qual não se liga ao mérito da acção.

O registo predial publicita a situação jurídica do facto registado através do que permite a terceiros actuar em conformidade com a confiança que o conteúdo do registo transmite.

O efeito do registo da acção é o de apenas fazer retroagir os efeitos da sentença à data do registo, este manifesta-se, como refere J, em termos puramente processuais, sem bulir com a validade nem com a ineficácia dos direitos substantivos a ele sujeitos (neste sentido, cfr. o disposto no art. 271-3 CPC sobre a inoponibilidade da sentença quando tenha sido omitido o registo da acção).
A sua caducidade (CRPr- 92,3) não produz quaisquer efeitos nas relações em litígio entre as partes.

4.- A aquisição (originária) do direito de propriedade por usucapião prevalece sobre a presunção derivada do registo e produz efeitos contra terceiros independentemente de registo pelo que este lavrado em desconformidade com aquela não é oponível pelo beneficiário da aquisição derivada não válida (in casu, a venda de coisa alheia pelo 1º ao 2º réu é nula entre eles e ineficaz versus autores) - CRP - 5,2 a) e 7 e CC- 892.

Se a usucapião vale por si (não sendo prejudicada pelas vicissitudes registrais), se o registo é afectado pela invalidade do negócio jurídico (inválido inter partes e ineficaz versus autores) que àquele foi levado, se a nossa ordem jurídica está, neste campo, assente não no registo mas na usucapião, o cancelamento dos registos após o reconhecimento desta e contradizendo-a mais não é que a sua simples consequência.

No caso de usucapião, o momento da aquisição do direito de propriedade é o do início da posse (CC- 1.317 c)), a qual, segundo as instâncias perdurava desde há mais de 40 anos. O registo de actos inválidos (inválidos inter partes e ineficazes versus autores) celebrados posteriormente, ainda que vendas judiciais, não prevalece sobre a usucapião e é indirectamente atingido pela invalidade daqueles.

5.- Pelo constituto possessório adquire-se a posse sem necessidade de haver por parte do titular do direito real um acto material ou simbólico que a revele (CC- 1.264,1). Este, o alienante, que antes tinha em relação à coisa uma causa possessionis passou a detê-la por uma causa detentionis e o adquirente passou a ser o possuidor.
Também há constituto possessório quando o possuidor transfere a sua posse estando a coisa detida por terceiro (CC- 1.264,2).

Quando em 1990, em venda extrajudicial por negociação particular, o 1º réu comprou o direito à meação de L, na qual se dizia englobado o prédio matriciado sob o art. 26-E, nem aquele era titular do direito de propriedade sobre ele nem se provou que fosse seu possuidor, e, mais que isso e simultaneamente essencial, já o prédio fora originariamente adquirido pelos autores.

Pretender se considere o tribunal e o depositário judicial dos bens possuidores destes é, no mínimo, configurar a função e o papel do tribunal ao longo do processo executivo e quer a penhora quer a venda nesse processo ao arrepio da lei, da jurisprudência e da doutrina.

Como pelo constituto possessório se adquire a posse e não o direito de propriedade (CC- 1.263 c) e 1.317), quando em 95.09.15 o 1º réu o vendeu ao 2º apenas estava a alienar coisa alheia e possuída pelos seus verdadeiros proprietários.


Termos em que se nega a revista.
Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 1 de Fevereiro de 2005
Lopes Pinto
Pinto Monteiro
Lemos Triunfante

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