PARECERES TECNICOS

sexta-feira, setembro 16, 2005

RESPONSABILIDADE DO REPRESENTANTE FISCAL(SOLICITADOR) PERANTE A ADMINISTRAÇÃO FISCAL

PARECER

Emitido a pedido do Conselho Regional do Norte por Dr. JOÃO PACHECO DE AMORIM,Advogado e Mestre em Direito Público.


questão:

”O Representante Fiscal (Solicitador) de não residente é ou não responsável perante a Administração Fiscal pelo pagamento das contribuições e Impostos daquele?

Ou,

O Representante Fiscal (Solicitador), é ou não solidariamente responsável com o não residente pelo pagamento das Contribuições e Impostos?”



§1
1 A questão que nos é colocada chama à colação a matéria relativa à responsabilidade tributária, por dívidas de outrem.
Sobre esse assunto rege sobretudo o disposto nos artigos 22. ° E seguintes da Lei Geral Tributária (LGT).
Com relevo para o caso em apreço, dispõe o n.º 3 do artigo 22. da LGT que a responsabilidade tributária por dividas de outrem é, salvo determinação em contrário, apenas subsidiária
Quer isto dizer que, por via de regra, a responsabilidade (de terceiros) por dividas tributárias do sujeito passivo originário apenas pode operar verificada a inexistência ou insuficiências de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores, desde que cumprido todo um processo legalmente previsto (1 )

É esse o caso das situações previstas nos artigos 24. ° (responsabilidade dos membros de corpos sociais e responsáveis técnicos), 25. ° (responsabilidade do titular de estabelecimento individuai de responsabilidade limitada) e 28. ° (responsabilidade em caso de substituição tributária) da LGT.
Voltando ao Nº 3 cio artigo 22. ° da LGT, prevê esta norma a possibilidade de a responsabilidade tributária por dívidas de outrem ser solidária, caso em que o credor do imposto pode exigir o cumprimento integral da dívida tributária tanto ao devedor como ao responsável ou responsáveis (2).
Para que a responsabilidade (por dividas de outrem) seja solidária é, porém, necessário que exista norma legal que determine esse tipo de responsabilidade. Ora, ainda que a título excepcional, esse tipo de responsabilidade está previsto especificamente em quatro situações, a saber (3):
a) Quando os pressupostos do facto tributário se verifiquem em relação a mais de uma pessoa, caso em que, salvo disposição em contrário, todas são solidariamente responsáveis pelo cumprimento da divida tributária (artigo 21°, Nº 1, da LGT);
b) No caso de liquidação de sociedades de responsabilidade ilimitada ou de outras entidades sujeitas ao mesmo regime de responsabilidade em que os sócios ou membros são solidariamente responsáveis com aquelas e entre si pelos impostos
em dívida (artigo 21. °, 2, da LGT);


c) Na hipótese do artigo 27. ° da LGT, em que se dispõe no Nº 1 que ‘os gestores de bens ou direitos de não residentes sem estabelecimento estável em território português são solidariamente responsáveis em relação a estes e entre si por todas as contribuições e impostos dos não residentes relativos ao exercido do seu cargo”;

d) Na hipótese do artigo 213° do Código Aduaneiro Comunitário, que prescreve “quando existam vários devedores por essa mesma dívida aduaneira, estes ficam obrigados ao pagamento dessa dívida a título solidário”.

2. Para responder à pergunta que nos foi colocada vamos ter em atenção o artigo 27. ° da LGT, que, como vimos, prevê a responsabilidade solidária dos gestores de bens ou direitos de não residentes por dívidas destes últimos.
o problema que aqui se põe, fundamental para responder à questão colocada, é a de saber se, para efeitos do disposto no artigo citado, o representante fiscal de não residente se identifica com o gestor de bens ou direitos de não residentes.
Para se avançar com uma resposta importa, antes de mais, comparar os dois conceitos em presença, sendo, para isso, necessário, numa primeira fase, determinar o seu sentido e alcance, o que faremos, iniciando, em primeiro lugar, pelo conceito de gestor de bens ou direitos de não residentes, transitando depois para o de representante fiscal.
Pois bem, quanto ao primeiro conceito, o n.º 2 do artigo 27. ° da LGT encarrega-se de o definir como todas aquelas pessoas singulares ou colectivas que assumam ou sejam incumbidas, por qualquer meio, da direcção de negócios de entidade não residente em território português, agindo no interesse e por conta dessa entidade.
A Lei, além de adoptar um conceito amplo de gestor, não exige uma representação formal do não residente, sendo suficiente o mandato sem representação ou a mera gestão de negócios do não residente, sempre que esta envolva os bens ou direitos que originam a tributação.
Ao contrário do que acontece quanto ao conceito de gestor fiscal, o citado artigo 27. ° da LGT não consagra qualquer noção de representante fiscal. Não obstante isso, cumpre sublinhar que se trata de um conceito conhecido da legislação tributária nacional (cfr. artigo 19. °, n.º 4 da LGT, artigo 13O° do CIRS, artigo 118° do CIRC, artigo 29° do CIVA), sendo definido por DIOGO LEITE DE CAMPOS/BENJAMIM SILVA RODRIGUE5/JORGE LOPES DE SOUSA como a ‘pessoa a quem o não residente concedeu o mandato para levar a cabo a gestão fiscal dos seus negócios em Portugal” (4).
Ainda a este respeito, ANTÓNIO LIMA GUERREIRO escreve que a função do representante fiscal do não residente é a garantia do cumprimento das suas obrigações acessórias e assegurar um ponto de contacto para efeitos de eventuais notificações a efectuar pela Administração Tributária ao não residente (5).
Partindo destas noções, e uma vez que a representação não compreende necessariamente a gestão dos bens ou direitos do não residente, pode-se dizer que o gestor (dos bens dos não residentes) distingue-se do representante fiscal. De notar, em reforço do que se disse, que a distinção entre estas duas figuras, resultante do diferente conteúdo funcional de cada uma delas, é expressamente reconhecida pelo n.º 3 do artigo 27° da LGT, ao estabelecer que, nas situações em que o representante fiscal é pessoa diferente do gestor, aquele deve obter a identificação do gestor e apresentá-lo à administração fiscal sempre que solicitado.


Tendo em conta esta distinção, pode, portanto, acontecer que o não residente tenha confiado a administração dos seus bens e a sua representação fiscal a duas pessoas distintas, Nesta hipótese, estando em causa duas pessoas diferentes, o representante fiscal (designadamente, um solicitador) não poderá ser responsabilizado nos termos do artigo 27,0 da LGT.
Todavia, numa outra hipótese, pode o não residente ter confiado aquelas duas tarefas (administração dos bens, de um lado, e representação fiscal, do outro Lado) á mesma pessoa, por exemplo a um solicitador. Nesse caso, a pessoa indicada pelo não residente poderá ser responsável solidariamente, rios termos do artigo 27. ° da LGTJ não por causa da representação fiscal assumida, mas pela gestão dos bens e direitos do não residente.
Indo ao encontro da questão que nos foi colocado, a aplicação desta norma põe um problema, de ordem prático, e que consiste em saber quando é que um solicitador, designado como representante fiscal, desempenha também funções de gestor fiscal caso em que poderá ser considerado responsável por dividas tributárias do não residente, resultante da aplicação do artigo 27. ° da LGT.
Trata-se de um problema e de uma questão cuja resposta só se pode dar após análise do caso concreto, ou seja, tendo em conta a amplitude dos poderes que foram conferidos ao solicitador e os concretos actos que por este são (foram) praticados. No fundo, é uma resposta que só se pode dar depois de saber se o solicitador foi apenas representante fiscal ou também gestor fiscal.

CONCLUSÕES:

a) Por regra, a responsabilidade de terceiros por dívidas de outrem é apenas subsidiária, apenas operando uma vez verificada a inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores e respeitado todo um processo legalmente previsto;

b) Todavia, nos casos que a lei determine, a responsabilidade de terceiros por dividas de outrem poderá ser solidária, casos em que o credor do imposto pode exigir o cumprimento integral da divida tributária tanto ao devedor como ao responsável ou responsáveis;

c) Justamente um dos casos em que a lei prevê a responsabilidade solidária é o do artigo 27. ° da LGT, nos termos do qual “os gestores de bens ou direitos de não residentes sem estabelecimento estável em território português são solidariamente responsáveis em relação a estes e entre si por todas as contribuições e impostos dos não residentes relativos ao exercício do seu cargo”;

d) Dado que a representação não compreende necessariamente a gestão dos bens ou direitos do não residente, pode-se dizer que, pelo menos para efeitos do disposto no artigo 27° da LGT, o gestor (dos bens dos não residentes) distingue-se do representante fiscal.
e) Partindo desta distinção, pode-se configurar duas hipóteses distintas:

1) Numa primeira hipótese, o não residente tenha confiado a administração dos seus bens e a sua representação fiscal a duas pessoas distintas. Neste caso, estando em causa duas pessoas diferentes, o representante fiscal (que poderá ser um solicitador) no poderá ser responsabilizado no quadro do artigo 27, ° da LGT.
2) Numa segunda hipótese, o não residente confiou a administração dos seus bens e
a sua representação fiscal à mesma pessoa (que poderá ser um solicitador). Nesta
situação, a pessoa indicada pelo não residente poderá ser responsabilizado, nos
termos do artigo 27. ° da LGT, pela actividade de gestão que levou a cabo.
f) Antes de terminar, importa notar que a aplicação da norma põe um problema, de aplicação prática, e que consiste em saber quando é que uma determinada pessoa (por exemplo, um solicitador), designado como representante fiscal, desempenha também funções de gestor fiscal. Como dissemos anteriormente, é este um problema que só se pode resolver caso a caso, mediante uma análise do caso concreto.
Porto, 9 de Setembro de 2005
Salvo melhor opinião, é este o parecer de
João Pacheco de Amorim




1- Desde logo, e como decorre do nº. 1 do artigo 23. ° da LGT, a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal (instaurado contra o devedor originário). Essa reversão por sua vez, é precedida de audição do responsável subsidiário (revertido) e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação (ri.0 4 do artigo 23° da LGT).

2- Diferentemente do que acontece da responsabilidade subsidiária, a efectivação da responsabilidade solidária não carece da verificação de qualquer formalismo de cariz processual (como1 por exemplo, a reversão, audiência prévia), nem mesmo da prévia excussão dos bens do devedor principal.

3- Nesta parte seguimos de perto CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 2,a Edição, refundida e aumentada, Almedina, Coimbra, 2003, pp. 266.

4- Lei Geral Tributária — Comentada e Anafada, Vislis Editores, 3a edição, Setembro de 2003, pp. 157.

5- Lei Geral Tributária — Anotada, Editora Reis dos Livros, pp. 152. Neste sentido, v. Ponto ‘1 da Circular n.º 14/93, de 31 de Maio, da DGCII