PARECERES TECNICOS

sexta-feira, julho 15, 2005

SIMULAÇÃO - ESCRITURAS PUBLICAS DE PARTILHAS






Acordão de 03-03-2005

TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

SUMÁRIO
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I. Integra matéria de facto, do foro exclusivo das instâncias, a indagação, a pesquisa e o apuramento da intenção dos contraentes ou outorgantes em determinado negócio jurídico, bem como a questão de saber se o declaratário conhecia a vontade real do declarante e qual a vontade deste. II. Para a existência de simulação, exige a lei três requisitos: divergência entre a vontade real e a vontade declarada; intuito de enganar ou iludir terceiros («animus decipiendi»), eacordo simulatório («pactum simulationis»).III. O negócio simulado (simulação absoluta) é nulo, operando a declaração de nulidade eficácia retroactiva (eficácia "ex-tunc").IV. Tal vício acarreta, por seu turno, a nulidade dos negócios jurídicos celebrados a jusante e relativos aos mesmos bens.


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Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. "A" e mulher B instauraram na Comarca de Setúbal acção ordinária contra os Réus C, D e mulher E, F e mulher G, H e mulher I, solicitando:
- fossem declaradas nulas e de nenhum efeito as escrituras públicas de partilhas referidas nos artigos 119, 129, 132 e 144 da p.i., bem como essas próprias escrituras e se mandassem cancelar todos e quaisquer registos que houvessem sido efectuados com base nas mesmas, designadamente as transmissões a favor da Ré C e as posteriores sobre os mesmos bens;
- fossem declaradas nulas e de nenhum efeito as doações tituladas pelas escrituras referidas nos artigos 269 a 312 da p.i. e bem assim essas próprias escrituras e se mandassem cancelar quaisquer registos que houvessem sido feitos ou viessem a ser feitos a favor dos donatários com base nessas escrituras e os registos posteriores sobre os mesmos bens;
- se assim não for entendido, se declarasse que J adquiriu por usucapião todos os bens referidos no art. 129, 139 e 149 da p.i., registando-se todos esses bens em nome dele ou dos seus herdeiros referidos no art. 29 da p.i., sem determinação de parte ou direito, e cancelando-se todos os registos de aquisição referidos nos pedidos anteriores.
Alegaram, em síntese que, quer o divórcio por mútuo consentimento decretado entre o pai do Autor, J e a Ré C por sentença de 13-12-84, transitada em julgado em 7-1-85, quer a celebração das escrituras de partilhas e de doação, datadas de 14-7-86, foram realizados de comum acordo entre o falecido J e a Ré C, apenas com o intuito de que o ora Autor A, também filho do dito J, nada recebesse por morte de seu pai, sendo certo que os ora RR filhos daqueles e demais família tinham conhecimento da celebração de tal divórcio e escrituras com essa intenção, sendo que tais escrituras de partilha e de doação, por simuladas, são nulas e de nenhum efeito.
2. Contestaram os RR, arguindo a ilegitimidade passiva das Rés E, G e I e impugnando a acção, alegando, em síntese, e além do mais, que:
- a Ré C sempre declarou o que a sua vontade determinou, isto é, declarou, consciente do seu acto, que queria divorciar-se e efectuou as partilhas com o seu ex-marido de forma a serem-lhe adjudicados todos os bens imóveis, até por alguns terem provindo da sua herança, tendo pago as devidas tornas;
- a Ré C nada tem a ver com o A., sendo certo que os seus (dela) filhos ficariam suficientemente salvaguardados com a sua meação e legítima, não sendo necessário simular quaisquer contratos;
- o A., na ânsia de agora reconhecer o pai, para receber a herança, pensa que tudo o que está construído nos referidos prédios lhe pertencia mas não uma vez que seus filhos já neles construíram e reconstruíram diversas obras, abriram furos de captação de água, no que despenderam diversos milhares de contos;
- a Ré C e o seu ex-marido estiveram de acordo em divorciar-se e, após o divórcio, naturalmente, acordaram efectuar a partilha dos bens do ex-casal e fizeram-no;
- na posse legítima e legal dos bens, a Ré C entendeu doá-los na quase totalidade aos seus filhos, direito este que ninguém pode pôr em causa;
- é falso que após o divórcio e as partilhas a Ré C tivesse continuado a viver em comunhão de mesa e habitação com o ex-marido;
- os filhos do casal nenhuma intervenção tiveram nos ditos divórcio e partilhas;
- após o divórcio e as partilhas, o falecido J nada mais teve a ver com os imóveis partilhados, não detendo a posse e fruição dos mesmos, nem se intitulava o respectivo dono.
Concluíram no sentido da procedência da excepção de ilegitimidade, bem como pela improcedência dos pedidos formulados pelos AA.
3. Replicaram os AA afirmando a legitimidade das RR E, G e I, pois que casadas em regime de comunhão de adquiridos e, nessa medida os RR, maridos das mesmas, não poderiam alienar os imóveis sem o seu consentimento.
Requereram ainda se ampliasse a causa de pedir e o pedido constante em ordem a abranger a escritura referida no art.º 15º da réplica e consequente registo a favor do donatário, o Réu H, e o que mais aí se solicita, designadamente o cancelamento do registo feito com base nessa escritura de doação, bem como dos posteriores sobre esse mesmo bem.
4. Por sentença de 29-4-03, o Mmo Juiz da Vara de Competência Mista de Setúbal julgou a acção procedente e, em consequência:
- declarou nulas as escrituras públicas de partilhas celebradas em 14-7-86, 20-11-92, 28-8- 96 entre J e a Ré C, ordenando o cancelamento dos registas prediais efectuados com base nas mesmas, designadamente as transmissões a favor da Ré C,;
- declarou nulas as escrituras públicas celebradas em 6-8-99 entre a Ré C e os RR. H, F e D, respectivamente, bem como a celebrada em 28-12-99 entre a Ré C e o Réu H, ordenando, em consequência, o cancelamento dos registos prediais efectuados com base nas mesmas a favor dos RR. donatários.
5. Inconformados com essa decisão, dela vieram apelar os RR D e mulher e H e mulher, mas o Tribunal da Relação de Évora, por acórdão de 3-6-04, negou provimento ao recurso.
6. De novo irresignados, agora com tal aresto, dele vieram os RR C e Outros recorrer de revista para este Supremo Tribunal, em cuja alegação formularam as seguintes conclusões:
1ª - Ao dar como provado que: Foi com o intuito de evitar que o A. pudesse vir a herdar os bens pertencentes a seu pai quando este falecesse, que o falecido J e C acordaram divorciar-se por mútuo consentimento e, mesmo depois do divórcio e das partilhas, o falecido J continuou a viver com a Ré C na mesma casa, comendo à mesma mesa e dormindo na mesma cama, até pouco tempo antes do falecimento daquele, não se conhecendo entre ambos quaisquer desentendimentos, comportando-se ambos como pessoas casadas entre si e que se dão bem, o tribunal só podia declarar que o divórcio por mútuo consentimento foi simulado e portanto nulo;
2ª- A nulidade é invocável a todo o tempo e portanto tem de declarar- se que o falecido J e a Ré C eram casados (art° 286° do C. Civil e 240° do C. Civil);
3ª- O cônjuge sobrevivo tem direito nos termos do n° 1 do artigo 2.139° do C. Civil, a uma quarta parte da herança deixada pelo "de cujus " e é a legítima do cônjuge, que reverterá a favor dos herdeiros da Ré;
4ª- A Ré C e o falecido J, quiseram celebrar o negócio jurídico de partilha dos bens comuns do casal e aderindo á tese do acórdão, com intuito de prejudicar terceiro, mas não houve vício de declaração de vontade, pois a vontade real do J era adjudicar como adjudicou os bens á C, recebendo tornas;
5 ª- A haver simulação, ela existe apenas quanto ao divórcio, porque quanto ás partilhas, ambos os outorgantes queriam o que declararam, isto é adjudicar os bens á C;
6ª- O negócio simulado é por definição falso e não querido nos seus efeitos. Ora, a Ré C e o falecido J, queriam os seus efeitos, isto é, quando outorgaram e assinaram as escrituras de partilha, queriam efectivamente que todos os bens ficassem a pertencerá Ré C, não podendo por isso falar-se em negócio simulado;
7ª- Poder-se-á quando muito falar-se num negócio dissimulado, isto é, os outorgantes quiseram doar os terrenos aos filhos do casal e não o fizeram directamente, para evitar que o A. recebesse a sua parte, mas através do divórcio simulado, mantendo-se válida a doação.
8ª - Por outro lado, a R. C,, com o falecimento do J, teria sempre direito a ¾ da herança, por força da sua meação, legítima e do testamento em que o J a instituiu herdeira;
9ª - Pelo que, mesmo que fosse entendido que haveria negócio simulado na outorga das escrituras de partilhas, corresponderia a este negócio uma doação em vida do J á C dispondo da quota indisponível, pelo que nesta parte, e só nesta, teria lugar á redução do negócio nulo parcialmente, nos termos do artigo 292° do C Civil;
10ª - O falecido J instituiu seus herdeiros a Ré C e os seus filhos, RR nesta acção por testamento outorgado em 1-6-67 no Cartório Notarial da Moita. Com a outorga deste testamento a Ré C teria direito a 3/4, três quartos da herança, considerando a sua meação, a quota disponível do falecido, e como herdeira legitimária, e cada um dos filhos do falecido J, teria direito a 1/16 avos;
11ª - Dos bens partilhados pelo falecido J e a Ré C há um prédio rústico, sito na Lagoinha ou Vale de Alecrim, inscrito na matriz sob o artigo 49°da Secção "T" e melhor identificado a fls. 5 da certidão predial, junta como documento 11, com a p. i., donde se alcança que este prédio não foi doado e continua a pertencer á Ré C, como aliás o A. confessa no artigo 12°da sua douta, réplica;
12°- Este prédio é de valor superior á legítima do A., pelo que, a confirmar-se o acórdão do Tribunal da Relação, sempre o A. poderia reclamar os seus direitos, sem necessidade de declarar a nulidade das escrituras públicas de partilha e de doação, devendo haver lugar à conversão dos negócios nos termos do artigo 293 ° do C. Civil ;
13ª - Pois, se a Ré e o falecido J tivessem previsto a invalidade dos negócios celebrados, teriam feito doações aos filhos do casal por conta da legítima de cada um deles;
14ª- Há impossibilidade legal de cumprimento do acórdão, pois na douta sentença diz-se: declara-se nulas as escrituras públicas de partilhas celebradas em 14/07/86, 20/11/92 28/06/96, entre J e C e ordena-se o cancelamento dos registos prediais que foram efectuados com base nos mesmos, designadamente as transmissões a favor da Ré C, e ainda se declaram nulas as escrituras públicas de doações celebradas em 6.8.99, entre a Ré C e os Réus H, F e D respectivamente e a celebrada em 18.12.99 entre a Ré K e o Réu H, bem como se ordena o cancelamento dos registos prediais que foram efectuados com base nas mesmas a favor dos RR donatários;
15ª - As escrituras não podem ser declaradas nulas, porque nas mesmas foram cumpridos todos os requisitos legais, nomeadamente os do artigo 46° do Código do Notariado, sendo que as nulidades dos actos notariais são as previstas no artigo 70 e 71 do Código do Notariado;
16ª- A sentença e o douto acórdão violaram os artigos 240º,241º, 286º 292º, 293º 2139 do Código Civil e art°s 46º,70º e 71º do Código do Notariado, devendo por isso ser revogados,
17ª- Deve ser mantido aos recorrentes o apoio judiciário concedido.
7. Contra-alegaram os AA sustentando a correcção do julgado pelas instâncias.
8. Colhidos os vistos legais, e nada obstando, cumpre apreciar.
9. Em matéria de facto relevante, remete-se para o elenco já fixado pela Relação ao abrigo do disposto no nº 6 do artº 713º do CPC, aplicável "ex-vi" do artº 726º, ambos do mesmo diploma.
Assim:
1º- Em 30-9-99 faleceu J, pai do A., nascido a 26-3-43 e dos R.R. D, nascido a 17-3-50, F, nascido a 3-7-58 e H, nascido a 19-8-65;
2º- J era divorciado da Ré C, não deixou testamento e, à data da sua morte, deixou como únicos herdeiros os seus quatro filhos: O Autor A e os R.R. D, F e H;
3º- O Autor A é filho de J e de M, com quem não chegou a casar,
4º- Em 4-1-48 J casou, no regime de comunhão geral de bens, com a Ré C;
5º- Desse casamento celebrado entre J e a Ré C nasceram os R.R. D, F e H;
6º- Há dezenas de anos que o falecido J e o A., não mantinham contactos entre si, nomeadamente não se falando, nem se visitando, nem tendo entre ambos relações de afecto;
7º- A Ré C e o A. nunca se falavam ou visitavam, ou pelo menos, há dezenas de anos que tal não acontecia ou acontece;
8º- O A. e os R.R., há muitos anos que não se falam ou se contactam, e quando falaram alguma vez foi sempre de forma, esporádica e ocasional, não havendo entre eles qualquer relação de afecto;
9º- O casamento celebrado entre o pai do A., J e a Ré C, foi dissolvido por divórcio por mútuo consentimento, decretado por sentença, proferida pelo T. Judicial de Setúbal de 13-12-84, transitada em julgado em 7-1-85;
10º- Em 14-7-86, foi celebrado no 251 Cartório Notarial de Setúbal, escritura pública de partilha extrajudicial dos bens comuns, a fls. 22 e segs., em que intervieram o falecido J e a Ré C, como 14 e 251 outorgantes respectivamente;
11º- Na referida escritura pública de partilhas, declarou-se serem adjudicados à Ré C, todos os bens imóveis pertencentes ao casal, todos eles situados no Concelho de Palmela e nesse documento discriminados:
12º- Por escritura pública celebrada no dia 20-11-92, no mesmo Cartório Notarial, o falecido J e a Ré C, procederam à rectificação da escritura de partilhas supra referida em 10 e 11, no sentido de que as verbas nos 4 e 5 constituíam um único prédio, e não dois prédios distintos, mantendo no resto a partilha tal como inicialmente havia sido efectuada, sendo a seguir tal prédio registado a favor de C pela inscrição G-2;
13º- Por escritura pública de 28-5-96, no 22 Cartório Notarial de Setúbal, o falecido J e a Ré C, declararam de novo proceder à partilha do prédio misto sito em Venda do Alcaide, freguesia de Pinhal Novo, inscrito na matriz rústica sob o Arte 2434, Secção G e a parte urbana então omissa na matriz mas pedida a sua inscrição em 6-11-95, descrito na C.R.P. de Palmela sob o N2 02925/211195 da freguesia de Palmela, tendo este prédio sido adjudicado à Ré C e a seguir registado a seu favor pela inscrição G-2 (tratando-se, pois do mesmo prédio já referido sob a verba N2 7 da escritura de 14-7-86);
14º- Em ambas as escrituras foi declarado que a Ré C deu tornas ao falecido J, respectivamente no valor de 240.480$00 e 200.000$00;
15º- Posteriormente, a Ré C acordou com os seus filhos, D e F e H, em doar-lhes alguns dos bens imóveis supra referidos;
16º- Assim, em 6-8-99, foi celebrado no 2º Cartório Notarial de Évora, escritura pública de doação, de fls. 85 a fls. 86 do Livro 60-F, em que intervieram a Ré C e o R. H, como 14 e 2e outorgantes, respectivamente, pela qual a primeira doou ao segundo o imóvel supra descrito soba - verba N4 1, em 11., tendo sido registado a favor do donatário pela inscrição G-3;
17º- Na mesma data, 6-8-99, no mesmo Cartório, foi celebrado escritura pública de doação, de fls. 89 a 90 do livro 60-F, em que intervieram a Ré C e o Réu F, como 1º e 2º Outorgantes, respectivamente, pela qual a primeira doou ao segundo o imóvel supra descrito sob a verba N4 6, em 11., tendo sido registado a favor do donatário pela inscrição G-2;
18º- E ainda em 6-8-99, no mesmo Cartório, foi celebrado escritura pública de doação, de fls. 87 a fls. 88 vº do Livro 60-F, em que intervieram a Ré C e o Réu D, como 19 e 29 outorgantes, respectivamente, pela qual a primeira doou ao segundo os imóveis supra descritos sob as verbas ngs 4 e 5, em 11., e igualmente supra referida em 12., tendo sido registado a favor do donatário pela inscrição G-3;
19º- Em 28-12-99, foi celebrado, no cartório Notarial de Reguengos de Monsaraz, escritura pública de doação, de fls. 51 a 52 do Livro 54 D, em que intervieram a Ré C e o Réu H como 12 e 29 outorgantes, respectivamente, pela qual a primeira doou ao segundo o imóvel supra descrito sob a verba ng 2, em 11., tendo sido registado a favor do donatário pela inscrição G-2;
20º- Foi com o intuito de evitar que o A. pudesse vir a herdar os bens pertencentes a seu pai, quando este falecesse, que o falecido J e a Ré C, acordaram em divorciar-se por mútuo consentimento e, posteriormente, celebrar escritura de partilhas, em que todos os bens do casal ficariam a pertencer à segunda;
21º- O acordo referido na resposta dada ao quesito anterior foi estabelecido com conhecimento dos Réus D, F e H;
22º- Ao celebrarem as escrituras de partilhas supra referidas em 10. a 13., o falecido J e a Ré C, não pretendiam aquilo que declararam;
23º- Mas apenas excluir o A. do direito de vir a herdar os bens pertencentes a seu pai;
24º- As aludidas escrituras de partilhas, foram celebradas com o intuito dos bens partilhados ficarem a pertencer, posterior e exclusivamente, aos Réus D, F e H, com exclusão do A;
25º- Os prédios partilhados entre o falecido J e a Ré C, eram e são no valor de muitas dezenas de milhares de contos;
26º- Mesmo depois do divórcio e das partilhas, o falecido J continuou a viver com a Ré C, na mesma casa;
27º Comendo à mesma mesa e dormindo na mesma cama, até pouco tempo antes do falecimento daquele;
28º- Não se conhecendo entre ambos quaisquer desentendimentos;
29º- Comportando-se ambos como pessoas casadas entre si e que se dão bem;
30º- O falecido J, mesmo após as escrituras de partilhas a que se alude em 10 a 13, continuou a habitar as casas e até data indeterminada mas anterior a 1990, continuou a cuidar da manutenção dos terrenos referidos em 11 da mesma matéria assente, como único dono dos mesmos, cultivando a terra, plantando árvores e colhendo os frutos;
31º- Em nome próprio e no seu próprio interesse;
32º- E sem oposição de quem quer que fosse, nomeadamente de qualquer dos Réus;
33º- O falecido J e o Réu F viviam no mesmo "monte", o qual tinha, pelo menos, duas casas de habitação, vivendo numa o falecido J e a Ré C e noutra o Réu F;
34º- Quanto ao prédio descrito na CRP de Palmela sob o n.02925/211195, a Ré C entregou-o ao Réu D para que este o explorasse;
35º- O Réu D mandou arranjar a casa, mandando-a rebocar e pintar as paredes exteriores e colocar portas;
36º- Por não ter possibilidades de cultivar a terra, o Réu D em 1990, cedeu-a ao irmão H para este a cultivar,
37º- O que este fez de parceria com um indivíduo de nome L, conhecido por..., os quais a cultivavam, e dividiam as despesas e a produção em partes iguais;
38º- Após a realização das obras na casa, o Réu D cultivou o terreno durante um ano, findo o qual, por falta de tempo e não ser rentável, cedeu-o para cultivar ao referido «...» situação que hoje se mantém;
39º- Quanto ao prédio descrito na CRP de Palmela sob o N4 2139/111088, é nele que existe o «monte» (a que se alude no ponto 33) e o mesmo tinha, pelo menos duas casas de habitação;
40º- Vivendo o Réu F da exploração deste prédio, cultivando e vendendo os produtos que ali obtém;
41º- Fazendo ali a criação de animais, galinhas, bois para engorda e ovelhas;
42º- No ano de 1993, o Réu F mandou abrir neste prédio um furo de água e instalou uma bomba, no que gastou 1.653.104$00;
43º- Reconstruiu uma casa das que constituem o "monte" e;
44º- Construiu um armazém;
45º- O Réu H cedeu o prédio descrito na CRP de Palmela sob o n.2 2138/111088 a um tal N para nele fazer pastoreio de ovelhas, o que hoje se mantém;
46º- O Réu H construiu uma moradia unifamiliar no prédio descrito na CRP de Palmela sob o n º5078/160594;
47. Construiu um muro à volta da propriedade e;
48. Tendo também feito a abertura de um furo para captação de água.
Direito aplicável.
10. Nunca é demais insistir que o STJ, na sua qualidade de tribunal de revista, só conhece, em princípio, de matéria de direito, limitando-se a aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido - artºs 26º da LOTJ99 aprovada pela L 3/99 de 13/1 e 722º, nºs 1 e 2 e 729º nº 1 do CPC.
Integra matéria de facto, do foro exclusivo das instâncias, a indagação, a pesquisa e o apuramento da intenção dos contraentes ou outorgantes em determinado negócio jurídico, bem como a questão de saber se o declaratário conhecia a vontade real do declarante e qual a vontade deste (artº 236º, nº 2) - conf. Ac STJ de 11-12-03, in Proc 2992/03 - 2ª Sec).
Para a existência de simulação, exige a lei três requisitos: divergência entre a vontade real e a vontade declarada;intuito de enganar ou iludir terceiros («animus decipiendi»), e acordo simulatório («pactum simulationis») - conf. artº 240º, nº 1, do C. Civil.
Ora, resulta do elenco da matéria de facto assente (pontos 20º a 24º) que os negócios jurídicos de partilhas extrajudiciais a que se reportam pontos 10º a 13º, outorgados entre o falecido J e Ré C, tiveram apenas o intuito de iludir e, ao fim e ao cabo, prejudicar ("animus nocendi") um terceiro, na circunstância o Autor A, (filho daquele e nascido fora do casamento com a Ré C), procurando ambos, dessa forma, afastá-lo do direito à herança dos bens pertencentes ao respectivo progenitor.
O negócio simulado (simulação absoluta) é nulo - artº 240º - operando a declaração de nulidade eficácia retroactiva (eficácia "ex-tunc") - conf. artº 289º, nº 1, ambos do C. Civil.
Na hipótese vertente, tal vício acarreta, por seu turno, a "nulidade dos negócios jurídicos celebrados a jusante" - para utilizar a terminologia adoptada pela Relação, rectius os negócios jurídicos de doação celebrados entre A. Ré C e os demais RR seus filhos, D, F e H e a que se alude nos pontos 16 a 19 da matéria de facto assente, tanto mais que estes, enquanto donatários, tinham conhecimento "ab initio" do acordo simulatório previamente estabelecido entre respectivos progenitores, com o intuito de prejudicar seu irmão consanguíneo (artº 291º nº 1 "a contrario" e n.º 3 do C. Civil).
No sentido de que, uma vez declarada a nulidade do negócio simulado, todos os negócios subsequentes e consequentes (do mesmo emergentes) cessarão a sua eficácia por mor do vício que inquinou o primeiro - conf o Ac do STJ de 25-3-03, in CJSTJ, 2003, Tomo I, pág 133).
De resto, o Autor A, filho do falecido J, à data da abertura da sucessão deste, ou seja, da sua morte (art. 2031º do C. Civil), era também seu herdeiro legitimário (artº 2157º do mesmo Código), qualidade esta que lhe conferia toda a legitimidade para arguir, como arguiu, a nulidade de tais negócios ao abrigo do disposto no art. 242º, nº 2, ainda do citado Código, podendo fazê-lo não só em vida como depois do decesso do autor da herança.
Os RR haviam suscitado perante as instâncias uma outra questão atinente à simulação pactuada entre o falecido J e a Ré C tendo por escopo o seu próprio divórcio por mútuo consentimento como preliminar da celebração das supra mencionadas partilhas de bens comuns.
Só que, como bem entendeu a Relação, trata-se de questão perfeitamente irrelevante face ao "thema decidendum", já que poderia existir acordo simulatório quanto à realização do divórcio e não existir simulação na partilha de bens comuns e vice-versa.
E, com efeito, dos factos provados emerge que, após o divórcio, J e C viveram em união de facto e se deram bem, e não propriamente que o seu divórcio houvesse sido simulado.
Simulado foi - sem qualquer dúvida, o ulterior e consequente negócio de partilhas, ele sim objecto da controvérsia jurídico-substantiva.
Suscitam agora os recorrentes "ex-novo" a questão da "conversão" dos negócios de partilhas e doação, olvidando não só que toda a defesa deve ser feita na contestação (artº 489, nº 1, do CPC), como ainda que os recursos se não destinam a criar decisões sobre matéria nova, mas sim a sindicar as decisões ex-professo já emitidas pelos tribunais de hierarquia inferior sobre questões submetidas já ex-ante ao respectivo escrutínio.
Contrapõem, outrossim, que o prédio que a recorrente C não doou é de valor superior à legítima, não tendo, por isso, os recorridos necessidade de pedir a nulidade das escrituras de partilhas e doações;todavia, para além de - como a Relação considerou - se não saber qual o valor real desse prédio e de cada um dos outros, e o valor total de todos, à data do óbito, tal alegação é de todo alheia à querela dos autos, pois que para pedir a nulidade por simulação bastaria ao recorrido possuir o "status" de herdeiro legitimário e o negócio ter sido celebrado com a intenção de o enganar / prejudicar terceiros: ademais, tal representaria igualmente uma questão nunca antes suscitada, pelo que vedada se encontraria agora a sua discussão em sede de recurso de revista.
Em causa na acção encontram-se não propriamente as nulidades ou as irregularidades formais de actos notariais, mas sim a validade/nulidade dos negócios jurídicos por esses actos titulados.
E isto sendo sabido que os negócios de celebração de partilhas e as doações de bens imóveis só por escritura pública podem ser celebrados constituindo assim verdadeiras formalidades "ad substantiam" - artº 80º, nºs 1 e nº 2 alínea j) do CNOT95.
O que não significa que se confundam frequentemente forma e o conteúdo nesse tipo de negócios formais, envolvendo bens imóveis.
Deste modo, quando no Tribunal da 1ª Instância se declararam "nulas as escrituras de partilhas e as de doação" foi no óbvio sentido de se declararem nulos os próprios negócios jurídicos de partilhas e de doações formalizados através de tais escrituras.
Trata-se de uma imprecisão terminológica, que por ser vulgar, não deixa de ser censurável, mas que de forma alguma contende com o fundo ou substância do decidido pelas instâncias.
11. Decisão;
Em face do exposto, decidem:
- negar a revista;
- confirmar, em consequência, o acórdão recorrido.
Custas pelos RR recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário já concedido.
Lisboa, 3 de Março de 2005.


Ferreira de Almeida, Abílio Vasconcelos, Duarte Soares.

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COMPILADO E DITADO POR AM