PARECERES TECNICOS

quarta-feira, fevereiro 23, 2005

Justificação notarial para estabelecimento do trato sucessivo, com base em usucapião

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In Boletim dos Registos e Notariado – caderno II – Nov.10/2004

Proc. nº R.P. 59/2003 DSJ-CT – Justificação notarial para
estabelecimento do trato sucessivo, com base em usucapião,
relativamente a prédio omisso na conservatória.
– Recusa do registo de aquisição, fundamentada
na descrição do prédio justificado e em lapso
ocorrido quanto à sua inscrição matricial. –
Relevância da comunicação à Conservatória
deste facto, e do despacho a ordenar a anulação
da inscrição na matriz, por parte do serviço de
Finanças competente.


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Registo a qualificar: Aquisição a favor do
recorrente do prédio urbano, inscrito na respectiva
matriz, em nome do justificante, sob o artigo 1957,
composto por uma parcela de terreno com a área
de 2400m2, em terreno não urbanizado, na
freguesia de …, concelho de …, não descrito na
conservatória.
O pedido de registo foi instruído por certidão
da escritura de justificação lavrada no … Cartório
Notarial de … e caderneta predial urbana do citado
artigo.
Resulta da escritura que o prédio veio à
posse do recorrente e esposa, casados em
comunhão geral de bens, por compra verbal a RT e
marido CM, e que, não dispondo de título formal
que lhes permita o respectivo registo, todavia já o
possuem, como dividido e demarcado,
anteriormente ao Dec.-Lei n.º 289/73, de 6/6,
verificando-se todos os factos materiais – que são
alegados e especificados – caracterizadores da
posse conducente à usucapião.
Da caderneta urbana apresentada decorre que
o prédio foi inscrito na matriz urbana no ano de
2002 e, quanto à sua proveniência, se encontrava
omisso.
O registo foi recusado, por despacho datado
de 22/01/03, cujos termos assentam
fundamentalmente no seguinte: o prédio, segundo
informação dos serviços de Finanças, só por lapso
foi inscrito na matriz, uma vez que não há
legislação que permita a inscrição matricial de
parcela de terra em terreno não urbanizado; o
prédio faz parte do descrito sob o n.º 00345, da
freguesia de …, com 3,42825 ha, do qual o
justificante é comproprietário, bem como, além de
outros, AMRM, confinante do prédio justificado.
A fundamentação legal da recusa reside nos:
“... art.s 49.º parágrafo 3.º do Código do Imposto
sobre as Sucessões e Doações1; e Código da
Contribuição Autárquica e art.s 68.º, 69.º n.º 2 do
Código do Registo Predial.”.
No recurso hierárquico interposto deste
despacho de recusa, que foi objecto da Ap.
18/140203, alega o recorrente que, até àquela data,
não havia sido notificado pela Repartição de
Finanças do concelho de … de qualquer anomalia
relativa à inscrição do seu prédio na matriz.
Estranha que a mesma conservatória emita uma
certidão com o prédio identificado como parcela
de terreno para construção, mas se recuse a fazer o
registo com base nessa certidão emitida pelos
respectivos serviços. Conclui pela afirmação de
que o prédio em causa nada tem a ver com a
descrição invocada no despacho de recusa “... o
que teria sido declarado na escritura de harmonia
com o art.º 112/3 do CRP se a certidão emitida
pela Conservatória que serviu de base à referida
escritura de justificação se tivesse feito alguma
referência relativamente à relação do prédio
justificado com o prédio descrito sob o n.º... ,
mencionado pela... Conservadora no seu...
despacho.”.
Sustentando a recusa, em 27/02/03, defende
a recorrida que, não obstante o facto sujeito a
registo ter sido titulado por uma certidão negativa,
a constatação, no momento da apreciação do
pedido de registo, de que o prédio, afinal, já se
encontrava descrito, ao tempo da passagem da
certidão, implica que o conservador qualifique esse
registo, de acordo com a situação jurídica do
prédio reflectida nas tábuas2. Afirma que o
recorrente não ignora que o prédio cujo registo
requer faz parte de um prédio descrito, pelo que a
satisfação da sua pretensão conduziria à
duplicação de descrições, com todos os
inconvenientes que daí advêm para o comércio
jurídico imobiliário. E conclui que a recusa do
registo “... veio ao encontro da pretensão da
Repartição de Finanças de … que em má hora
emitiu a caderneta predial que facultou ao
recorrente a possibilidade de realizar a escritura
– bem longe por sinal – da sede do concelho.”.
A invocada pretensão da Repartição de
Finanças de … mostra-se patenteada em dois
ofícios daquele Serviço, juntos aos autos, um
endereçado à Conservatória e outro ao recorrente,
com nota de conhecimento à Conservatória,
datados de 15/01/03 e 17/02/03, respectivamente,
de todo o modo, ambos posteriores à data a que se
reporta o registo em apreço: 13 de Novembro de
2002.
No primeiro daqueles ofícios pretendia-se
saber se o prédio inscrito na matriz predial urbana
da freguesia de …, sob o artigo 1957, em nome de
MTM, já se encontrava registado, e solicitava-se
que, em caso negativo, não se procedesse ao
registo até posterior informação daquele Serviço.
No segundo, veiculava-se um despacho do
respectivo Chefe de Finanças, no qual se
determinava – face à constatação de que a parcela
em causa ainda não estava registada na
Conservatória – que fosse anulada a referida
inscrição matricial3 e se verificasse a que prédio
rústico pertencia aquela porção de terreno com a
área de 2400 m2.
A posição do Conselho vai expressa na
seguinte
Deliberação
I – A escritura de justificação notarial para
estabelecimento do trato sucessivo tem lugar
relativamente a prédios não descritos ou
descritos mas sobre os quais não incida
inscrição de aquisição, de domínio ou de mera
posse, e é instruída por certidão comprovativa
da omissão dos prédios no registo ou, estando
descritos, certidão de teor da respectiva
descrição e de todas as inscrições em vigor e
certidão de teor da inscrição matricial
correspondente (arts. 89.º e 98.º, n.º 1, alíneas a)
e b) do Cód. do Notariado).
II – A inscrição na matriz do prédio objecto da
escritura é pressuposto essencial da sua
admissibilidade, na medida em que constitui
presunção da existência material do prédio
justificando, enquanto que a titularidade do
assento matricial não se apresenta como
condição ou requisito de legitimidade para
outorgar esse título, na qualidade de justificante
(art.º 92.º, n.ºs 1 e 2, respectivamente, cit.
Cód.).4
III – A escritura de justificação lavrada nos
termos prescritos nas duas conclusões
precedentes e da qual conste a alegação e a
especificação dos factos materiais que
consubstanciam a posse conducente à usucapião
não padece, em princípio, de qualquer vício que
corporize algum dos fundamentos legais de
recusa elencados no art.º 69.º do Código do
Registo Predial.
IV – A função qualificadora do Conservador
tem de se desenvolver no estrito cumprimento
do princípio da legalidade (art.º 68.º do Código
do Registo Predial), o que lhe veda a utilização
para o efeito, de documentos não apresentados
para a instrução do respectivo pedido de registo
– designadamente, os obtidos, em data posterior
à da apresentação, por intermédio de outros
serviços.
V – O despacho de anulação da inscrição
matricial de um prédio, por parte da
Administração Fiscal5, deverá ter tradução nas
tábuas, ao nível da descrição predial.
VI – Pode o conservador, no desempenho da
sua função qualificadora, ao apreciar a
viabilidade do pedido de registo, detectar
conexões entre o prédio titulado como omisso –
face à certidão negativa da conservatória que
instruiu a escritura – e um prédio já descrito no
momento da passagem dessa certidão, o que o
condiciona a qualificar o registo face à situação
jurídica desse prédio espelhada nas tábuas.
VII – Na sequência do exposto na conclusão
anterior, existindo motivos – designadamente, a
existência de uma inscrição de aquisição em que
são comproprietários o justificante e o
confinante do prédio objecto da justificação –
que legitimem o estado de dúvida sobre se o
prédio objecto da justificação está integrado
num outro prédio descrito, o registo do facto
aquisitivo (usucapião) deverá ser efectuado
provisoriamente por dúvidas.
VIII – Já a identificação do prédio como uma
parcela de terreno inscrita na matriz urbana,
associada ao facto da respectiva inscrição
matricial se reportar ao ano de 2002, capaz de
suscitar, na questão “sub judice” a necessidade
de comprovação do licenciamento das
operações de loteamento urbano6, se mostra
arredada pela alegação, inserta na escritura, de
que a posse sobre o prédio “já dividido e
demarcado”, remonta a data anterior ao Dec.-
Lei 289/73, de 6/6.
Pelo que é entendimento do Conselho que o
recurso merece provimento parcial, devendo o
registo ser efectuado provisoriamente por dúvidas.
Esta deliberação foi aprovada em sessão do
Conselho Técnico da Direcção-Geral dos Registos
e do Notariado de 30 de Novembro de 2004, com
declaração de voto do vogal Lic José Joaquim
Carvalho Botelho.
Maria Eugénia Cruz Pires dos Reis Moreira,
relatora.
Esta deliberação foi homologada por
despacho do Director-Geral de 03.12.2004.
Declaração de voto
Subscrevo a Deliberação, exceptuando a
conclusão II.
José Joaquim Carvalho Botelho




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Compilação e edição AM

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