PARECERES TECNICOS

quarta-feira, fevereiro 23, 2005

Proc. nº R.P. 349/2003 DSJ-CT – Registo de decisão judicial – duplicação parcial de descrições.

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In Boletim dos Registos e Notariado – caderno II – Nov.10/2004

Proc. nº R.P. 349/2003 DSJ-CT – Registo de decisão judicial – duplicação parcial de descrições.

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1. DFC e mulher, MCF, representados pela
Dra SR, Advogada, vêm interpôr recurso
hierárquico da decisão da … Conservatória do
Registo Predial de … em qualificar como
provisório por dúvidas o registo pedido sob a
ap.06/29102003, e incidente sobre o prédio 868 da
freguesia de … .
2. O registo em questão, requisitado como
“registo de sentença”, foi, efectivamente, lavrado
como provisório por dúvidas, tendo a senhora
Conservadora recorrida, no seu despacho,
fundamentado essa qualificação com o facto de se
ter pedido o registo apenas sobre a descrição 868
da freguesia de … . Ora, a decisão judicial com
que se titula o pedido declara a nulidade da
escritura de justificação e consequente registo
sobre o prédio inscrito na matriz sob o artº 3100,
artigo este que corresponde a uma descrição
autónoma, que é a 1304 da mesma freguesia,
registada a favor dos réus nessa acção. Por outro
lado, refere ainda que sobre este prédio nº 1304
incide uma inscrição de hipoteca, e não se
verificou a intervenção deste credor na acção
judicial.
3. Alegam os recorrentes, em resumo, o
seguinte: aceitando, embora, a provisoriedade
oposta quanto à discrepância das descrições
prediais, que irá ser removida, não se conformam
com a questão da falta de intervenção do credor
hipotecário na acção, enquanto terceiro de boa fé
protegido pelo dispositivo dos artºs 5º e 17º do
Codº Regº Predial e artº 291º Codº Civil. Com
efeito, na óptica dos recorrentes, apenas gozam
dessa protecção os adquirentes de boa fé, que não
o credor hipotecário. Isto porque “o banco deles
nada adquiriu e eles nada lhe transmitiram”. E, de
qualquer forma, o Banco pode sempre ver o seu
direito de crédito satisfeito por outra forma, pois
tem a seu favor apenas uma garantia real que pode
ser paga com o imóvel em questão ou com outros
bens dos devedores.
Terminam pedindo a revogação do despacho
de provisoriedade por dúvidas.
4. Sustentando a sua decisão, vem dizer a
senhora Conservadora recorrida, também em
síntese, que a escritura de justificação declarada
nula não incide sobre a descrição 868, nem sobre
esta está lavrado qualquer registo titulado por tal
justificação. Embora “resulte da decisão” que o
prédio justificado foi construído nessa descrição,
ele está hoje autonomizado sob o nº 1304,
descrição essa aberta exactamente com a
justificação em causa, pelo que o pedido de registo
não deveria incidir sobre a descrição 868 mas
sobre a 1304, descrição esta que só localizou em
busca feita pelo artigo de matriz.
Por outro lado, salienta que não tomou
qualquer posição sobre eventual registo da decisão
sobre esta descrição 1304, apenas fez notar a
existência de credor hipotecário que não foi parte
na acção, pelo que “a argumentação invocada
pelos recorrentes excede o âmbito do despacho
proferido”. Mas, ainda assim, manifesta a opinião
de que, se fôr pedido o registo do cancelamento da
inscrição de aquisição sobre o prédio 1304, deverá
este pedido ser recusado, já que tal cancelamento
provocaria a queda da inscrição hipotecária,
ficando desprotegidos os interesses do credor, que
devem ser salvaguardados uma vez que registados
antes do registo da decisão de nulidade.
5. O processo é o próprio e tempestivamente
intentado, as partes são legítimas e não existem
questões prejudiciais que obstem ao seu
conhecimento, pelo que se emitirá parecer.
6. A situação factual é a seguinte, tal como
resulta dos autos: encontra-se registado o prédio
868 da freguesia de …, prédio este rústico, com
9870m2, o qual se encontra inscrito em
compropriedade, de que 87/110 avos pertencem,
por sucessão hereditária, ao conjunto dos
interessados nesta questão, e 23/110 a terceiras
pessoas.
A fracção de 87/110 foi partilhada entre os
herdeiros do seu dono original, sendo que, para se
encontrar divisor que não resultasse em fracção
decimal se obteve como verba a partilhar
equivalente a 87/110 a de 435/550 do prédio.
Assim, a cada um dos herdeiros coube 87/550
desse prédio. Posteriormente, MFC adquiriu e
registou a fracção de 87/550 que fora adjudicada a
JFC, pelo que lhe pertencem agora 174/550 do
prédio. Posteriormente, este M construiu nesse
terreno uma casa de habitação que fez inscrever na
matriz sob o artº 2741º, mas nada foi levado ao
registo.
MFC celebrou em 9 de Outubro de 1995
uma escritura de justificação, dela fazendo constar
esta mesma habitação, agora inscrita na matriz sob
o artº 3100 (que refere provir do 2741), casa esta
referida como não descrita na Conservatória.
Assim sendo, tal casa veio a ser registada
sob o nº1304 da mesma freguesia, com área
coberta de 150m2 e logradouro de 108m2, inscrita
a favor dos justificantes MFC e mulher FGG.
Posteriormente, em 3 de Março de 2003, foi
inscrita nesse prédio 1304 uma hipoteca voluntária
a favor do Banco …, S. A., que se encontra em
vigor.
Os comproprietários MCF e marido DFC
intentaram, em 1998, uma acção pedindo a
declaração de nulidade dessa escritura de
justificação, tendo sido decidida na primeira
instância (e confirmada na Relação) a nulidade do
acto jurídico justificação, por falta de fundamento
legal a seu favor (acto jurídico este que não é um
negócio jurídico, daí resultando descabida a
referência feita ao artº 291º do Código Civil). Com
base nessa sentença, transitada, veio a ser pedido o
registo da decisão, mas sobre a descrição 868, o
que motivou, prima faciae, o levantamento da
provisoriedade por dúvidas que originou o recurso
que está em tabela.
7. Analisando a petição do presente recurso,
parece-nos que os recorrentes não impugnam o
verdadeiro motivo da provisoriedade levantada,
que foi a discrepância entre o pedido de registo
sobre a descrição 868 (a qual não contém qualquer
inscrição baseada nessa escritura de justificação) e
os títulos apresentados que, embora sem referir o
número da descrição, apontam para um registo
autónomo dessa escritura sobre uma descrição
predial própria, que se revelou, pelas buscas feitas,
ser a 1304. Antes, pelo contrário, com ela se
conformam, ao afirmarem que irão remover
parcialmente as dúvidas, “estendendo o pedido de
decisão judicial em causa ao artigo matricial
3100, descrição 1304/…”. Fazem, isso sim,
centrar o fundamental da sua argumentação na
tentativa de afastamento da necessidade de
protecção do credor hipotecário inscrito.
No seu despacho de sustentação, interroga-se
a senhora Conservadora recorrida se não deveria
ter recusado o pedido (em vez de o lavrar como
provisório por dúvidas), com fundamento no facto
de ter sido pedido sobre descrição diferente
daquela a que correspondia a questão. E, em boa
verdade, nos parece que melhor se aplicaria a
recusa, (nos termos do artº 69º nº 1 alª b) do Codº
Regº Predial), uma vez que o facto objecto do
pedido não está titulado nos documentos
apresentados. O Conservador não pode, de
maneira nenhuma, “convolar” o pedido para outro
prédio, alterando, assim, não só o objecto do
pedido mas também o que está exarado no livro
Diário. E, consequentemente, não se vislumbra
maneira de vir a converter em definitiva a
inscrição provisória por dúvidas com esse
fundamento.
8. Resulta ainda dos autos a existência de
uma clara duplicação parcial de descrições, pois
que não restam dúvidas que o edifício descrito sob
o nº 1304 foi na verdade construído no terreno da
descrição 868. E, assim sendo, mesmo que o
Conservador não possa seguir o preceituado no artº
86º do Códº do Registo Predial (que se aplica aos
casos de duplicação total de descrições) deverá, no
entanto, anotar às descrições respectivas a sua
duplicação parcial.
9. No que respeita à problemática da
eventual protecção dos interesses do credor
hipotecário inscrito na descrição 1304, somos de
opinião que não devemos sobre ela emitir opinião
neste momento já que, claramente, não está agora
em tabela. Só o poderá estar quando, e se, o registo
fôr pedido sobre essa descrição, o que não é o
caso. Por isso, não entendemos correcto que este
Conselho se possa antecipar ao Conservador
competente (aquele que nesse momento fôr titular
do lugar) na decisão sobre essa matéria que este,
em sede de qualificação, entenda nessa altura
tomar.
Por tudo o exposto, somos do parecer que o
recurso não merece provimento, mas deverá a
senhora Conservadora recorrida anotar aos prédios
a duplicação parcial. Extrai-se, enfim, a seguinte
Conclusão
Deve ser recusado, (nos termos da alª b) do nº 1
do artº 69º do Código do Registo Predial) e não
qualificado como provisório por dúvidas, o
pedido de registo requisitado sobre
determinado prédio sempre que resulte da
análise dos documentos apresentados que esse
registo deva ser inequivocamente lavrado sobre
diferente descrição.
Este parecer foi aprovado em sessão do
Conselho Técnico da Direcção-Geral dos Registos
e do Notariado de 18 de Novembro de 2004.
Luís Carlos Calado de Avelar Nobre,
relator, João Guimarães Gomes de Bastos, Maria
Eugénia Cruz Pires dos Reis Moreira, Maria
Raquel Sobral Alexandre, Vitorino Martins de
Oliveira.
Este parecer foi homologado por despacho
do Director-Geral de 22.11.2004.




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Compilação e edição AM


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