PARECERES TECNICOS

quinta-feira, março 02, 2006

NRAU - LINHAS DE ORIENTAÇÃO DA NOVA LEI

1) O NOVO REGIME DO ARRENDAMENTO URBANO
O Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) assenta no contrato de arrendamento enquanto modalidade do contrato de locação dotado de especialidades. Assim sendo, a matéria regressa ao Código Civil, reocupando o lugar que tinha até à entrada em vigor do RAU.

As legítimas expectativas das partes que celebraram contratos de arrendamento antes da entrada em vigor do novo regime são salvaguardadas pelas normas constantes do regime transitório.

Do ponto de vista substantivo, o NRAU mantém os princípios da liberdade de funcionamento do mercado e da autonomia contratual, já vigentes para os contratos posteriores a 1990, mas assenta numa matriz moderna, que visa colocar o mercado de arrendamento português a par dos outros países europeus, sem esquecer as nossas particularidades.

Assumindo-se uma perspectiva simplificadora, a repartição tradicional em habitação, comércio ou indústria, exercício de profissão liberal ou outra aplicação lícita, é substituída pela bipartição entre arrendamento habitacional e não habitacional, sem deixar de se densificar as especificidades destes últimos arrendamentos.

O regime jurídico mantém a sua imperatividade em sede de cessação do contrato de arrendamento, mas abre-se a hipótese à resolução extrajudicial do contrato, com base em incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento.

As partes devem pautar-se pelo princípio da boa fé no cumprimento das suas obrigações, dando um sinal ao mercado de que o arrendatário deve primar pelo pontual cumprimento das obrigações, prevendo-se expressamente que é sempre inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora no pagamento da renda superior a três meses, ou de oposição pelo arrendatário à realização de obra ordenada por autoridade pública.

Manter-se-ão as normas jurídicas de protecção do direito à habitação, constitucionalmente consagrado (o já referido artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa), e as especificidades dos arrendamentos não habitacionais, designadamente o arrendamento comercial e para serviços.

2) A AGILIZAÇÃO PROCESSUAL
A almejada agilização da actual acção de despejo passa pela separação entre a fase declarativa e executiva, através da alteração de algumas normas do Código de Processo Civil (CPC).

Assim, pode intentar-se uma acção declarativa, sob a forma de processo comum, ordinário ou sumário, consoante o valor da causa, permitindo-se a cumulação de pedidos e a coligação, nos termos gerais da lei de processo.

No que respeita aos recursos, aproveita-se a presente iniciativa legislativa para dirimir uma dúvida doutrinária e jurisprudencial relativa à admissibilidade da interposição de recurso e à fixação do seu efeito, assegurando-se a possibilidade de recurso para a Relação, independentemente do valor da acção, e o efeito suspensivo do recurso de apelação.

A presente iniciativa legislativa não poderia deixar de ter em conta que, relativamente ao processo executivo em geral, a pendência processual no ano de 2000 ascendia a 394.843 execuções, e duplicou no ano de 2003 para 623.646 acções executivas.

Quanto às acções de despejo, no ano de 2003, a duração média das acções declarativas foi de 17 meses, e das acções executivas de 24 meses.

Assim, prevêem-se alterações à execução para entrega de coisa certa, tendo em vista esclarecer questões levantadas durante os 15 anos de vigência do RAU, cujas soluções já se encontram desfasadas relativamente ao actual regime processual civil, agilizar o próprio processo executivo e penalizar quem pretenda executar um despejo sem fundamento para tal.

Porém, prevê-se a suspensão da execução sempre que o executado se opuser à execução baseada em título executivo extrajudicial, se a execução colocar em risco de vida a pessoa que se encontra no local arrendado, por motivos de doença aguda, ou quando o arrendatário por razões sociais, pedir o diferimento da desocupação, designadamente no caso de resolução do contrato de arrendamento por não pagamento de rendas, se a falta do mesmo se dever a carência de meios do executado, nomeadamente por ser beneficiário de subsídio de desemprego ou de rendimento social de inserção, e quando o executado é portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%.

Tendo em vista aligeirar a pendência processual em fase declarativa, prevê-se a ampliação do número de títulos executivos de formação extrajudicial, possibilitando-se ao senhorio o recurso imediato à acção executiva, por exemplo, nos casos em que o contrato de arrendamento tenha cessado por revogação das partes, por caducidade por decurso do prazo ou por oposição à renovação.

De igual modo, nos casos de cessação por resolução com base em mora no pagamento da renda superior a três meses, ou devido a oposição pelo arrendatário à realização de obra ordenada por autoridade pública, se o senhorio proceder à notificação judicial do arrendatário, ou à sua notificação através de contacto pessoal pelo advogado ou solicitador de execução, e o arrendatário mantiver a sua conduta inadimplente, permite-se a formação de título executivo extrajudicial.

3) REGIME TRANSITÓRIO, ACTUALIZAÇÃO DAS RENDAS ANTIGAS, RENOVAÇÃO E REABILITAÇÃO URBANAS E PENALIZAÇÃO DOS PRÉDIOS DEVOLUTOS
O NRAU é aplicável a todos os contratos de arrendamento futuros, e ainda aos contratos antigos (ou seja, aos que tenham sido celebrados antes da sua entrada em vigor), salvaguardando-se alguns aspectos da denúncia daqueles contratos, os quais continuam a reger-se pelo RAU, tendo em vista assegurar a protecção da expectativa das partes aquando da sua celebração. Prevê-se um regime substantivo transitório relativo à transmissão dos contratos antigos.

Em relação aos contratos de arrendamento anteriores a 1990, e relativamente aos arrendamentos comerciais, anteriores a 1995, trata-se de uma reforma que visa permitir ao proprietário a valorização do seu património e ao inquilino viver numa habitação condigna.
A necessidade de actualização das rendas baixas, decorrente de um alargado consenso nas várias associações com interesses no sector, deve permitir a conjugação entre o direito à habitação, a renovação e reabilitação urbanas e a justa remuneração do investimento dos proprietários.

A conjugação de todos esses objectivos implica uma estreita articulação entre a actualização das rendas antigas no âmbito da actual reforma do arrendamento urbano e a reforma da tributação do património.

Assim, em alternativa a mecanismos especulativos, ou que têm por horizonte um potencial despejo, o mecanismo essencial de determinação do valor de correcção das rendas anteriores a 1990, e relativamente aos arrendamentos comerciais, rendas anteriores a 1995, é o das avaliações efectuadas no âmbito da reforma de tributação do património e o valor de mercado, sob o qual são tributadas os prédios em sede de Imposto Municipal de Imóveis (IMI).

A verdade de mercado deve corresponder à verdade fiscal. Se sempre que há uma nova transacção o prédio é reavaliado, não faz sentido que não se possa fazer o mesmo em termos de arrendamento urbano, seguindo-se aqui critérios objectivos e fórmulas seguras para determinar uma relação entre o valor de um prédio e a remuneração do capital determinante para a fixação de um valor justo de arrendamento.
Assim, os senhorios que queiram aumentar as suas rendas antigas, de acordo com o valor patrimonial do prédio, têm de pedir uma nova avaliação dos imóveis aos serviços de finanças competentes.

Tendo em vista adequar os critérios actualmente vigentes a algumas particularidades dos prédios antigos, cria-se o coeficiente de conservação, que traduz as condições de habitabilidade do locado, as quais condicionam a actualização da renda.

Tal como está a ser aplicado no IMI, deve existir um mecanismo de convergência gradual para a actualização, em que os aumentos são progressivos durante cinco ou dez anos.

O período-padrão é de cinco anos, relativamente aos contratos de arrendamento habitacional ou não habitacional, mas deve ser ajustado em função da idade e da situação sócio-económica de inquilinos e proprietários.

Assim, nos arrendamentos habitacionais, a actualização da renda é faseada ao longo de dez anos, se o arrendatário invocar um rendimento anual bruto corrigido inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais, ter idade superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%.

Relativamente aos arrendamentos não habitacionais, a actualização da renda é faseada ao longo de dez anos, quando existindo no locado um estabelecimento aberto ao público, o arrendatário seja uma microempresa ou uma pessoa singular, quando o arrendatário tenha adquirido o estabelecimento por trespasse ocorrido há menos de cinco anos, quando exista no locado um estabelecimento comercial aberto ao público situado em área crítica de recuperação e reconversão urbanística, ou ainda quando a actividade exercida no locado tenha sido classificada de interesse nacional ou municipal.

Prevê-se ainda a possibilidade de actualização da renda faseada ao longo de dois anos, se o senhorio invocar e provar que o arrendatário dispõe de um rendimento anual bruto corrigido superior a quinze retribuições mínimas nacionais anuais, ou quando o arrendatário não tenha no locado a sua residência permanente, habite ou não outra casa, própria ou alheia.

Em qualquer das situações, é socialmente protegido o arrendatário cujo agregado familiar receba um rendimento anual bruto corrigido inferior a três retribuições mínimas nacionais anuais, o qual tem direito a um subsídio de renda.

Em caso de diferendo entre as partes, prevêem-se mecanismos expeditos para a sua resolução, como seja a possibilidade de o arrendatário requerer outra avaliação do prédio ao serviço de finanças competente, dando disso conhecimento ao senhorio.

São ainda constituídas pela presente Proposta de Lei as Comissões Arbitrais Municipais (CAM), compostas por representantes da Câmara Municipal, do serviço de finanças competente, dos proprietários e dos inquilinos.

As CAM asseguram três relevantíssimas finalidades: o acompanhamento da avaliação dos prédios arrendados, a coordenação da verificação dos coeficientes de conservação dos prédios e a arbitragem em matéria de responsabilidade pela realização de obras, valor das mesmas e respectivos efeitos no pagamento da renda.

Sendo a renovação, a reabilitação e a requalificação urbana um dos objectivos da presente reforma do arrendamento urbano, prevê-se ainda que, caso o senhorio não tome a iniciativa de actualizar a renda, o arrendatário pode, solicitar à Comissão Arbitral Municipal a determinação do coeficiente de conservação, e caso este coeficiente seja de classificação inferior a 3, o arrendatário pode intimar aquele à realização de obras. Se o senhorio não iniciar as obras no prazo de três meses pode o arrendatário realizar as obras, que são deduzidas na renda, dando disso conhecimento ao senhorio e à Comissão Arbitral Municipal, ou solicitar à Câmara Municipal a realização de obras coercivas.

Paralelamente, o Estado responsabiliza os proprietários que não asseguram qualquer função social ao seu património, permitindo a sua degradação, através da intimação à realização das obras necessárias à sua conservação, e penalização em sede fiscal dos proprietários que mantém os prédios devolutos.

Como bem se compreende, a reforma do arrendamento urbano depende da conjugação equilibrada e eficaz de todos os vectores supra expostos, ou seja, trata-se de uma reforma que se baseia numa estratégia concertada, com várias frentes, interdependentes, e que visam os mesmos objectivos: dinamizar, renovar e requalificar o mercado do arrendamento urbano.

Uma reforma legislativa que abrange objectivos da maior importância para o desenvolvimento económico de Portugal, como acima se explicitou, fica dependente de um Programa de Acção Legislativa, pedindo o Governo autorização à Assembleia da República para, no prazo de 120 dias, prever o Regime Jurídico das Obras Coercivas e a definição do conceito fiscal de prédio devoluto.

Ainda no prazo de 120 dias, e em complemento, o Governo deve aprovar os Decretos-Lei relativos à determinação do Rendimento Anual Bruto Corrigido, à determinação e verificação do Coeficiente de Conservação, à atribuição do Subsídio de Renda e aos Requisitos de celebração do contrato de arrendamento urbano.

Por último, no prazo de 180 dias, o Governo deve aprovar as iniciativas legislativas em relação ao Regime do Património Urbano do Estado e dos Arrendamentos por Entidades Públicas, bem como do regime das rendas aplicável, ao Regime de Intervenção dos Fundos de Investimento Imobiliário e dos Fundos de Pensões em Programas de Renovação e Requalificação Urbana, à criação do Observatório da Habitação e da Reabilitação Urbana, bem como da Base de dados da Habitação e ao Regime Jurídico da Utilização de Espaços em Centros Comerciais.

Estes são os objectivos e as metas de uma reforma que se pretende decidida, ousada, mas gradualista e acompanhada, o que levou o Governo, desde o início, a adoptar uma postura clara, e uma metodologia em sede de procedimento legislativo que assentou na relevância da ampla participação pública nas suas linhas de orientação, visando o maior consenso possível, numa matéria de extrema relevância social e económica.

O Novo Regime do Arrendamento Urbano depende pois do esforço conjunto de todos os representantes com interesses no sector, mas cabe ao Governo a apresentação desta proposta de lei à Assembleia da República, para que de um mercado estagnado, renasça o dinamismo e a vivência dos centros das cidades, através da sua renovação, reabilitação e requalificação urbana.

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RETIRADO DO PARECER 21/05, DO GABINETE DE ESTUDOS DA O.A.