PARECERES TECNICOS

terça-feira, junho 06, 2006

PEDIDOS DE CERTIDÕES DE TELAS FINAIS POR SOLICITADORES, SEM NECESSIDADE DE EXIBIR PROCURAÇÃO

PELO INTERESSE E ACTUALIDADE CITAMOS TRECHOS DO OFICIO REMETIDO POR ESTE CONSELHO REGIONAL DO NORTE A UMA CÂMARA MUNICIPAL, A PROPÓSITO DA RECUSA DOS SEUS SERVIÇOS DE PLANEAMENTO E GESTÃO URBANISTICA EM EMITIR CERTIDÕES DE TELAS FINAIS AOS SOLICITADORES QUE NÃO EXIBAM PROCURAÇÃO.





Exmº Senhor
Presidente da Câmara Municipal de ….

C/C Exmº Senhor Presidente da Associação
de Municípios Portugueses

Ofício nº. …..

ASSUNTO: PEDIDOS DE CERTIDÕES DE TELAS FINAIS POR SOLICITADORES, SEM NECESSIDADE DE EXIBIR PROCURAÇÃO.

Porto, 2006, .…, 00

Exmº Senhor Presidente,

Na sequência do oficio nº ……, de … de … p.p. e recebido em … do corrente mês, permita-nos trazer à consideração de V.Exª , a fim de tomar as decisões que achar por mais adequadas, sendo certo o seguinte:

a) A……, Solicitador com Cédula Profissional ……, e escritório na Rua….., na Comarca de ……., requereu por escrito, em ….., na ….. da Câmara Municipal de ………, o fornecimento de cópia de telas finais de projecto de arquitectura para a inscrição de parcela de terreno para construção urbana, telas essas referentes ao processo de licenciamento de obras particulares n.º …… – ……., para dar cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 37.º do CIMI.

b) Na mesma data, requereu, igualmente por escrito, junto do mencionado departamento, cópia de telas finais para efeitos de inscrição de prédio urbano,
relativas ao processo 00000000, para dar cumprimento à disposição legal já referida.
c) Por ofícios datados de ………. remetidos pela Divisão de Planeamento e Gestão Urbanística do Município de …………….., recebeu a informação que os processos em causa estavam em curso, pelo que qualquer elemento relativo aos mesmos apenas deveria ser fornecido ao seu titular ou a quem estivesse mandato para o efeito; acrescentando ainda que “de acordo com o Estatuto dos Solicitadores estes podem consultar processos, sem exibir a respectiva procuração, requerer elementos por escrito ou verbalmente, desde que estes não tenham carácter reservado”.

d) Os referidos ofícios terminam concluindo “Uma vez que o processo em causa se encontra em curso, consideramos que deverá comprovar que se encontra mandatado para requerer os elementos pretendidos.”

e) Nesta sequência, o solicitador solicitou ao Presidente do Conselho Regional do Norte da Câmara dos Solicitadores todas as diligências possíveis junto da Câmara Municipal de ………. no sentido de alterar a prática apresentada, por a mesma estar inquinada de ilegalidade e por obstruir o livre exercício da profissão de Solicitador.

f) Em resposta a esta solicitação, o Conselho Regional do Norte da Câmara dos Solicitadores, por oficio n.º 00000/2006, manifestou a sua concordância com a posição assumida pelo solicitador na questão apresentada, informando que iria transmitir à Câmara Municipal de ………. a opinião que os processos relativos a prédios não revestem natureza sigilosa, nem tão pouco a nível
fiscal, dada a natureza pública do registo predial, o que se verificou com a remessa do ofício n.º 0000/2006 ao Presidente da Câmara Municipal de … .

g) No seguimento do ofício n.º 000000/2006 referido, a Divisão de Planeamento e Gestão Urbanística do Município de …….., por ofício de 00 de ….l de 2006, informou o Conselho Regional Norte da Câmara dos Solicitadores que “As telas finais para efeitos de IMI, fornecidas pelas Câmaras Municipais, não são certidões mas sim cópias autenticadas do projecto aprovado.
“De acordo como o disposto no artigo 100º do DL 88/2003 de 26 de Abril, os solicitadores podem requerer em qualquer serviço público o exame de processos, livros ou documentos que não tenham carácter reservado ou secreto sem necessidade de exibir procuração.
“Os projectos em curso são documentos reservados pelo que as cópias dos mesmos são apenas fornecidas aos solicitadores quando estes comprovem estar mandatados pelo proprietário”.
Considerando que no artigo 100.º do Estatuto da Câmara dos Solicitadores – aprovado pelo Dec.Lei nº88/2003, de 26/4 dispõe:
“Artigo 100.º
Direitos dos solicitadores
“1 - Os solicitadores podem, no exercício da sua profissão, requerer, por escrito ou oralmente, em qualquer tribunal ou serviço público, o exame de processos, livros ou documentos que não tenham carácter reservado ou secreto, bem como a passagem de certidões, sem necessidade de exibir procuração.

“2 - A recusa do exame ou da certidão a que se refere o número anterior deve ser justificada imediatamente e por escrito.”

Afigurando-se como o cerne da problemática suscitada o esclarecimento dos conceitos de reservado ou secreto e limitando a questão ao domínio administrativo (colocando de parte, portanto, outros domínios como sejam o do processo civil ou penal), devemos desde logo atender ao disposto nº 2 do artigo 268º da Constituição, que consagra:
“Os cidadãos têm também o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas.”
Em anotação desta disposição, escrevem J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA :”Com as ressalvas legais em matérias de segurança interna e externa, investigação criminal e intimidade das pessoas (nº 2, in fine), a Constituição torna claro que a liberdade de acesso é a regra, sendo os registos e arquivos um património aberto da colectividade. A fórmula «arquivos e registos administrativos: deve entender-se em sentido amplo, considerando-se como tais os dossiers, relatórios, directivas, instruções, circulares, notas, estudos, estatísticas. O acesso exercer-se-á através da consulta (em princípio gratuita) no local onde se guarda o arquivo ou registo, observando-se, como é óbvio, as normas e regras técnicas relativas à preservação do documento. O direito de acesso inclui também o direito à reprodução do documento (fotocópia, microfilme, etc.), desde que tal não danifique o documento.

O direito de acesso aos arquivos e registos administrativos pode estar em conflito com bens constitucionalmente protegidos (segurança interna e externa, investigação criminal e intimidade das pessoas).

A restrição constitucionalmente autorizada, por essas razões, ao direito de acesso aos documentos administrativos não dispensa a lei da observância dos princípios jurídico-constitucionais materialmente informadores de toda a actividade administrativa (necessidade, adequação, proporcionalidade)”.

No mesmo sentido, escreveu-se no acórdão nº 394/93, de 16 de Junho de 1993, do Tribunal Constitucional:
“Assim, partindo-se da ideia de que o direito à informação constitucionalmente consagrado não é um direito absoluto, mas comporta limitações, estas devem limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, com respeito pelos princípios da proporcionalidade, adequação e necessidade.”

Seguindo o acórdão referido, podemos ainda acrescentar este direito de acesso aos registos e arquivos administrativos, consagrado no Diploma Fundamental, corresponde ao chamado «princípio do arquivo aberto (open file), ou princípio de administração aberta: que consiste no «reconhecimento a toda e qualquer pessoa do direito de acesso às informações constantes dos documentos, dossiers, arquivos e registos administrativos – mesmo que não se encontre em curso qualquer procedimento administrativo que lhes diga directamente respeito –, desde que elas não incidam sobre matérias
concernentes à segurança interna e externa, à investigação criminal, à intimidade das pessoas.
Este princípio da administração aberta tem consagração no artigo 65º do Código do Procedimento Administrativo – que, ao retomar o referido preceito constitucional, o citado nº 2 do artigo 268º, ainda refere que «mesmo que não se encontre em curso qualquer procedimento que lhes diga directamente respeito: -, e na Lei nº 65/93, de 26 de Agosto, que regula “o acesso dos cidadãos aos documentos administrativos”, de acordo com os «princípios da publicidade, da transparência, da igualdade, da justiça e da imparcialidade” (artigo 1º).Este diploma – Lei nº 65/93 – difere, quanto ao acesso, os documentos nominativos ( “quaisquer suportes de informação que contenham dados pessoais”, ou seja, “informações sobre pessoa singular, identificada ou identificável, que contenham apreciações, juízos de valor ou que sejam abrangidos pela reserva da intimidade da vida privada” - artigo 4º, nº 1, alíneas b) e c)) e documentos não nominativos (por exclusão de partes, os demais).

Depois de estabelecer que “os documentos que contenham informações cujo conhecimento seja avaliado como podendo pôr em risco ou causar dano à segurança interna e externa do Estado ficam sujeitos a interdição de acesso ou a acesso sob autorização [...]” (artigo 5º, nº 1), e que o “acesso a documentos referentes a matérias em segredo de justiça é regulado por legislação própria” (artigo 6º), o diploma dispõe nos artigos 7º e 8º:

Artigo 7º –
1.- Todos têm direito à informação mediante acesso a documentos administrativos de carácter não nominativo.
(…)”Artigo 8º –
(Acesso a documentos nominativos)
1 - Os documentos nominativos são comunicados, mediante prévio requerimento, à pessoa a quem os dados digam respeito, bem como a terceiros que daquela obtenham autorização escrita.
2 - Fora dos casos previstos no número anterior os documentos nominativos são ainda comunicados a terceiros que demonstrem interesse directo, pessoal e legítimo.
3 - A comunicação de dados de saúde, incluindo dados genéticos, ao respectivo titular faz-se por intermédio de médico por ele designado.”

Sintetizando o que até aqui foi dito, pode afirmar-se que em matéria relativa a elementos detidos pela Administração o princípio é o de livre acesso; porém, em determinadas áreas sensíveis vigora o princípio inverso. Deve-se no entanto entender que no caso não estamos perante nenhuma das excepções ao princípio, uma vez que a situação não se enquadra em nenhuma das matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas.



De facto, e considerando as telas finais como meras peças escritas e desenhadas que correspondem, exactamente, à obra executada, não se colocam quaisquer questões neste domínio, não havendo tão pouco uma limitação pessoal ao seu acesso uma vez que não se trata sequer de documentos de carácter nominativo.

Compreendida assim a questão, bem se entende o disposto noutras disposições legais, como o artigo 39.º 2 do CRP e o artigo 30.º 1 do CRC, quanto à desnecessidade de exibição de procuração para os actos de registo predial ou comercial requeridos por Advogados e Solicitadores.

Em face do exposto, cumpre dizer que no mínimo é inadmissível que um departamento dessa Câmara Municipal após tomar conhecimento do pedido da Câmara dos Solicitadores – Associação Pública - de verificação da legalidade da posição expressa relativa ao assunto em questão, tome a decisão de remeter o referido oficio nº 00000, sem qualquer fundamento jurídico.

Pelo que, Solicitamos ao Exmº Senhor Presidente que tome as providências necessárias para que seja reposta a legalidade de actuação por parte daqueles serviços, sob pena de recurso aos meios adequados para o efeito, o que realmente não é pretendido por este Conselho Regional.

Creia-nos Exmº Senhor Presidente na mais alta estima e consideração,

O Presidente Regional do Norte - Dr. Paulo Teixeira