PARECERES TECNICOS

segunda-feira, setembro 04, 2006

RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DO SOLICITADOR

PARECER EMITIDO PELA DIRECÇÃO- GERAL DOS IMPOSTOS A PEDIDO DO Conselho Regional do Norte da Câmara dos Solicitadores sobre a seguinte questão:

“É o Solicitador, na qualidade de mandatário e no exercício dessas funções, responsável solidariamente pelo pagamento das contribuições e impostos dos residentes e não residentes território Português?”.

Por determinação do Senhor Director-Geral, veio a questão remetida a esta Direcção de Serviços para parecer.

A Câmara apresenta como pressupostos para a sua questão o facto de o Solicitador ser um mandatário que pratica actos por conta de outrem e de que apenas carece de procuração para a prática de actos judiciais.

Assim, pretende-se saber qual a responsabilidade fiscal do Solicitador nos casos de mandato tributário e mandato judicial, nos casos de representação fiscal de residentes e de não residentes e nos casos em que intervém como gestor de negócios.


Sujeito passivo da relação tributária e capacidade tributária de exercício

1 – o sujeito passivo da relação tributária, segundo o nº 3, do artº. 18º, da Lei Geral Tributária (LGT), é “a pessoa singular colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte de facto, substituto ou responsável”.

Decorre da lei que, quem estiver de posse plena da sua capacidade jurídico-tributária de exercício (artº. 16º da LGT), pode realizar pessoal e directamente os actos que lhe sejam admitidos ou pode fazer-se representar, confiando a outrem a realização de todos os actos que não tenham carácter pessoal.

Para quem não estiver de posse dessa faculdade, como é o caso de menores, interditos ou inabilitados, que não dispõem de capacidade de exercício, a prática dos actos é assegurada pelos representantes legais – pais tutores ou curadores e pelas pessoas que administrem os seus interesses.

Mas “os actos em matéria tributária que não sejam de natureza puramente pessoal podem ser praticados por gestor de negócios , produzindo efeitos em relação ao dono do negócio nos termos da lei civil” (1) (artº. 17º, nº 1 da L.G.T.), caso em estaremos perante a gestão de negócios quando os actos forem praticados para além dos poderes que lhe forem conferidos.



O exercício por terceiros. A representação

2 – Nesta conformidade, como ficou dito, quem estiver de posse plena da sua capacidade jurídico-tributária de exercício pode realizar pessoal e directamente os actos que lhe sejam admitidos, mas também pode fazer-se representar, confiando a outrem a realização dos actos que não tenham carácter estritamente pessoal.

E em regra, os actos serão realizados pelo próprio sujeito passivo que poderá optar por outro comportamento e entregar essa tarefa a terceiro, mas também pode ser a lei a impô-lo, em certas circunstâncias.

No primeiro caso estamos perante a representação voluntária que é conferida através de mandato tributário, (artº. 5 do CPPT) “isto é, mandato conferido pela prática de actos que se inserem no desenvolvimento de uma relação jurídico-tributária” (2).

Esta forma de representação legal não é exclusiva destes incapazes.

Descortinamos o mesmo tipo de representação nos casos do exercício dos direitos e deveres de não residentes, tanto em relação a pessoas singulares como em relação a pessoas colectivas (artº. 130º do CIRS e artº. 118º do CIRC, respectivamente), em que se prevê que os actos sejam obrigatoriamente praticados por um representante,

E o mesmo sucede em determinados actos judiciais em que a representação também resulta de imposição legal, como é o caso do mandato judicial, ou seja, é obrigatória a constituição de advogado nas causas judiciais cujo valor exceda o décuplo da alçada do tribunal administrativo fiscal de 1ª instância, bem como em todos os processos de competência do TCA ou do STA (artº. 6º do CPPT).

3 – Do que se trata na presente consulta é de saber qual a posição do solicitador em face da relação tributária, enquanto mandatário do sujeito passivo ou do seu representante, isto porque nos casos da representação legal é o representante quem pode conferir o mandato.

Nos termos do nº 1 do artº. 5º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), os interessados ou os representantes legais podem conferir mandato, sob a forma prevista na lei, para a prática de actos de natureza procedimental ou processual tributária que não tenham carácter pessoal.

O nº 2 deste artigo, por sua vez, acrescenta que, sempre se discutam ou suscitem questões de direito perante a administração tributária, em quaisquer petições, reclamações ou recursos, o mandato-tributário só pode ser exercido, nos termos da lei, por advogados, advogados estagiários e solicitadores.



O mandato é o contrato segundo o qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos por conta da outra (artº. 1157º do Código Civil). A lei presume que o mandato é gratuito, excepto se tiver por objecto actos que o mandatário pratique por profissão. No caso dos solicitadores, portanto, o mandato presume-se oneroso, isto é, o solicitador recebe honorários para praticar determinados actos por conta do cliente.

Por natureza, o mandatário actua por conta do mandante e não haverá mandato se alguém se obriga a realizar com terceiro, por sua conta, um negócio jurídico.

Os actos em matéria tributária praticados por representante em nome do representado produzem efeitos na esfera jurídica deste, nos limites dos poderes de representação que lhe forem conferidos por lei ou por mandato (artº. 16º, nº 1 da L.G.T.). (3)

Logo. O mandato não confere, em regra, qualquer responsabilidade nem solidária nem subsidiária ao mandatário pelo pagamento do imposto, mesmo que a sua nomeação seja obrigatória, porque ele realiza actos em nome e por conta do mandante, na esfera jurídica do qual se produzem os efeitos dos actos praticados. Porém, há situações de excepção, como é o caso, de entre outras, do artº. 29º do Código do IVA (CIVA) e do artº. 24º do Regime de IVA nas Transacções Internacionais (RITI), relativamente a operações sujeitas a imposto praticadas por não residentes.

A lei civil prevê também, como vimos, que o mandatário possa ser responsabilizado perante o mandante, mas poderá ter ainda responsabilidade própria de natureza criminal ou contra-ordenacional, nos termos do artº. 6º do Regime Geral das infracções tributárias (RGIT).

A responsabilidade tributária

4 – Como refere a doutrina, o responsável tributário só é chamado ao pagamento do imposto quando o devedor originário (incluindo para tais efeitos, o substituto) o não pagou oportunamente, e, em processo de execução fiscal, se tenha apurado a inexistência ou a fundada insuficiência de bens penhoráveis daquele devedor originário. (4)

Assim, a responsabilidade é efectivada no processo de execução fiscal, através da reversão, quando verificados os requisitos do artº. 23º da LGT e artº. 153º do CPPT.

4.1 – Como atrás foi referido, o Solicitador, enquanto mandatário, e sem prejuízo dos casos já mencionados, não é nem responsável solidário nem subsidiário, com o mandante, pelo pagamento da dívida de imposto, sem prejuízo de poder ser responsável por contra-ordenações ou crimes fiscais nos termos também já referidos.


Não importa para esta conclusão tratar-se de mandato tributário ou mandato judicial.

4.2 – Nos casos de representação de residentes ou não residentes, aplicar-se-ão as regras gerais, isto é, se o solicitador intervém na qualidade de mandatário seguem-se as conclusões acabadas de mencionar, com as especificidades referentes aos representantes de não residentes, conforme os procedimentos previstos na lei, isto é, o solicitador será responsável pelo cumprimento de todas as obrigações fiscais, quando a lei assim o determinar (artº. 29º do CIVA e 24º do RITI).

Importante nesta matéria é ainda o artº. 27º da LGT que estabelece “1 – Os gestores de bens ou direitos de não residentes sem estabelecimento estável em território português são solidariamente responsáveis em relação a estes e entre si por todas as contribuições e impostos do não residente relativos ao exercício do seu cargo. 2 – Para efeitos do presente artigo, consideram-se gestores de bens ou direitos todas aquelas pessoas singulares ou colectivas que assumam ou sejam incumbidas, por qualquer meio, da direcção de negócios de entidade não residente em território português, agindo no interesse e por conta dessa entidade. 3 – O representante fiscal do não residente, quando pessoa diferente do gestor dos bens ou direitos, deve obter a identificação deste e apresentá-la á administração tributária, bem como informar no caso da sua inexistência, presumindo-se, salvo prova em contrário, gestor de bens ou direitos na falta destas informações”.

4.3 – Para a situação de gestor de negócios, como ficou expresso, os actos tributários que não sejam de natureza estritamente pessoal podem ser praticados por gestor de negócios, produzindo efeitos em relação ao dono do negócio nos termos da lei civil. (5)

Os actos praticados por gestor de negócios reflectem-se na esfera jurídica do gestido se a gestão for ratificada, mas que se presume ratificada, nos casos de pagamento e de cumprimento de obrigações acessórias, após o decurso do respectivo prazo do seu cumprimento (nº 3 do artº. 17º da LGT)

Todavia, enquanto a gestão não for ratificada, o gestor assume todos os direitos e deveres do sujeito passivo da relação tributária (nº 2 do artº. 17º da LGT).

4.4 – Caso o solicitador intervenha nas relações fiscais investido de qualquer das qualidades referidas no artº. 24º da L.G.T., então a questão passará a ser analisada nos termos do ofício-Circulado nº 60043/2005, de 25 de Janeiro da DSJT, como qualquer membro de Órgão Social, já que será nessa qualidade que se analisará a sua responsabilidade e não enquanto solicitador.


4.5 - Acresce, como se mencionou atrás, a possibilidade de existir responsabilidade criminal ou contra-ordenacional de conformidade com o que vem previsto no artº. 6º do RGIT, nas actuações em nome de outrem.

Lisboa, 2006-03-23


O Consultor Jurídico - José Ramos Alexandre

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(1) – artº. 464º a 472º do Código Civil
(2) – o “DireitoFisca” de Soares Martinez, pag. 256l
(3) – no mesmo sentido o artº. 258º do Código Civil
(4) – Vide, “Direito Fiscal” de Soares Martinez, pag. 251
(5) Vide artº 464º e seguintes do Código Civil.