PARECERES TECNICOS

quarta-feira, junho 08, 2005

PROPRIEDADE HORIZONTAL – partes comuns

ACORDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
27-5-2005
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SUMÁRIO:
I - O que releva é o uso que cada condómino pode fazer das partes comuns, medido em princípio pelo valor relativo da sua fracção e não o uso que efectivamente se faça delas; a responsabilidade pelas despesas de conservação subsistirá mesmo em relação àqueles condóminos que, podendo fazê-lo, não utilizem (por si ou por intermédio de outrem ) as respectivas fracções e se não sirvam, por conseguinte, das partes comuns do prédio.
II. Se uma "sala do condomínio" e uma "arrecadação geral" do edifício - partes comuns - se localizam no 11° piso do prédio, apenas aí sendo possível aceder através das escadas comuns e dos ascensores do imóvel - também partes comuns - há que concluir, segundo um critério aferidor de carácter objectivo - o único legalmente definidor da situação - ser manifesta a susceptibilidade (abstracta) de as diversas fracções poderem ser servidas pelas referidas partes e equipamentos comuns.
III. Não se pode considerar isento de responsabilidade pelos encargos relativos às partes comuns, qualquer condómino cuja fracção esteja objectivamente em condições de ser servida por essas partes ou equipamentos comuns.
IV. Apenas deverão ficar isentos de contribuir para as despesas de manutenção e conservação dos elevadores os condóminos cujas fracções não são (nem podem ser) servidas por eles como os do rés-do-chão, a menos que possuam algum arrumo no último piso ou na cave (neste incluída uma garagem ou um lugar de aparcamento) no caso desta também ser servida por elevador, ou se houver no último piso um terraço, sala de reuniões ou de convívio que possa ser usada por todos os condóminos.
V. É possível instituir, por acordo maioritário da assembleia de condóminos, um critério equitativo/proporcional de repartição de despesas distinto do da proporcionalidade (permilagem) do valor das respectivas fracções, quiçá em função da regularidade ou da intensidade da utilização das partes ou equipamentos comuns.

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Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. "A", na qualidade de administrador do Condomínio do prédio urbano instituído em propriedade horizontal denominado de "Lotes... e... da Quinta das Pedreiras", freguesia do Lumiar, Lisboa, intentou, com data de 24-3-94, acção ordinária contra "B", L.da", com sede na Quinta da Arreinela de Baixo, Vale Mourelos, Cova da Piedade, Almada, solicitando que a Ré fosse condenada a pagar ao Condomínio em causa:
a) - as quotizações condominiais vencidas de Março de 1992 a Março de 1994, para fundo de maneio e extraordinárias, no montante de 3.185.512$70 acrescidas de juros de mora, à taxa legal, até pagamento, liquidando os vencidos até à propositura da acção no montante de 450.165$00;
b) - uma multa por falta de pagamento à taxa condominialmente estabelecida de 10% sobre o actual débito, no montante de 318.551$20;
c) - as quotizações de condomínio ordinárias e extraordinárias, já determinadas e a determinar em futuras Assembleias Gerais na pendência deste processo, respectivos juros e multas à taxa condominial de 10% sobre o débito vincendo.Tudo obrigações relativas aos anos de 2001 a 2003. 2. Citada, contestou a Ré, alegando em síntese:- impugna, por o desconhecer, o critério utilizado pela A. para calcular os montantes que indica, em especial, nas rubricas TLP, EDP e EPAL; - as fracções "DT", "DU", "DV", e "DX", representando 205% de permilagem, são escritórios com acessos independentes; - estas fracções não podem servir-se dos ascensores do prédio, não usufruem dos serviços da empregada de limpeza, nem de quaisquer despesas deles decorrentes, o mesmo sucedendo em relação aos serviços do porteiro; - não devem, pois, comparticipar nas despesas correspondentes, apenas lhes podendo ser imputadas despesas respeitantes à manutenção e conservação dos edifícios, honorários de administração, seguros e manutenção e conservação dos jardins.
3. Replicou a A. observando que a obrigação de comparticipar nas despesas comuns recai sobre os condóminos, tendo esta qualidade os diversos proprietários de fracções autónomas, mas não os simples promitentes compradores. Rejeitou a alegação de total independência das fracções identificadas por Lojas "A" a "D" e que estas fracções não pudessem utilizar a arrecadação geral, a sala de condóminos, ou os serviços do porteiro e, para esses fins, todos os espaços e equipamentos comuns.
4. Por sentença de 10-7-03, o Mmo Juiz da 10ª Vara Cível da Comarca de Lisboa julgou a acção procedente, condenando, em consequência, a Ré a pagar ao A. a quantia de 6.043.472$00, de dívida de condomínio, acrescida de multa no montante de 10% daquela dívida.
5. Inconformada, apelou a Ré, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 27-5-04, julgado parcialmente procedente a apelação - alterando, em consequência a decisão de 1ª instância - no sentido de excluir do âmbito da condenação proferida, na parte respeitante às fracções autónomas "DT", "DU", "DV", e "DX", as despesas de conservação e de fruição dos ascensores e dos espaços comuns existentes na zona habitacional.
6. Irresignada agora a A. com a parte desfavorável de tal aresto, dele veio a A. recorrer de revista para este Supremo Tribunal, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:
A. A propriedade horizontal pressupõe a existência de direitos de propriedade sobre fracções autónomas e de um direito de compropriedade de todos os condóminos sobre as partes comuns de um dado edifício;
B. O conjunto desses dois direitos é incindível, não podendo ser alienados separadamente nem podendo o condómino renunciar ao direito de compropriedade das partes comuns como meio de se desonerar das despesas necessárias à sua conversação e fruição;
C. Os condóminos, enquanto comproprietários, podem servir-se e usar as partes comuns do edifício desde que respeitem o fim a que as mesmas se destinem e não privem os demais consortes de idêntico direito;
D. A "sala do condomínio" e a "arrecadação geral do edifício" são suas partes comuns e localizam-se no 11° piso do prédio, apenas aí sendo possível aceder através das escadas comuns e dos ascensores do imóvel, as quais também são suas partes comuns;
E. A recorrida podia e pode servir-se dos invocados espaços condominiais sempre que necessite de os utilizar, tendo para o efeito de se servir incontornavelmente dos ditos meios de circulação vertical do edifício, pelo que, objectivamente, as fracções autónomas "DT", "DU", "DV" e "DX" são servidas pelas referidas partes comuns.
F. Nesta medida, as escadas comuns e os ascensores não servindo exclusivamente algum ou alguns condóminos, antes pelo contrário todas as fracções autónomas do prédio sem excepção, encontram-se objectivamente em condições de dessas partes comuns se servirem, pelo que são inaplicáveis ao caso dos autos os nos 3 e 4 do art. 1424 do Código Civil.
G. Deste modo, a recorrida, enquanto titular das fracções "DT", "DU", "DV" e "DX", encontra-se legalmente obrigada a comparticipar proporcionalmente ao valor dessas fracções nas despesas de conservação e fruição das escadas comuns e dos ascensores do imóvel dos autos;
H. Ao ter decidido diversamente, a Relação de Lisboa violou o disposto no art°. 1424 n. 1 do Código Civil, devendo, com esse fundamento e nessa parte, ser revogada.

7. Não foram produzidas contra-alegações.8. Colhidos os vistos legais, e nada obstando, cumpre apreciar.9. Em matéria de facto relevante, remete-se para o respectivo elenco tornado assente pela Relação, o que se faz ao abrigo do disposto no nº 6 do art. 713, aplicável "ex-vi" do art. 726, ambos do CPC.Direito aplicável.10. Assente que vem - por ausência de impugnação recursal - a obrigação por banda da Ré, ora recorrida, de contribuir para as despesas com os serviços do porteiro, cinge-se o âmbito da presente revista a saber se a Ré, enquanto condómina titular das fracções "DT", "DU", "DV" e "DX" do prédio dos autos, se encontra ou não obrigada a contribuir para as despesas necessárias à conservação e de fruição dos respectivos ascensores e lanços de escada.No entender da Ré recorrida - sufragado pela Relação - essas fracções são constituídas por escritórios, que representam 205/1000 de permilagem, e possuem acessos independentes das fracções habitacionais, dado que o acesso aos mesmos se faz através de 2 átrios cobertos. E porque os escritórios possuem acessos independentes do das fracções habitacionais do prédio, os representantes ou empregados da Ré não necessitam de utilizar os ascensores nem qualquer dos diversos lanços de escadas do prédio, que assim são utilizados exclusivamente pelos condóminos das fracções habitacionais. E daí a não responsabilização da Ré por tais despesas.Mas não é assim.As aludidas "sala do condomínio" e "arrecadação geral" do edifício são suas partes comuns que se localizam no 11° piso do prédio, apenas aí sendo possível aceder através das escadas comuns e dos ascensores do imóvel, os quais também são partes comuns do prédio. E a recorrida - e seus prepostos - poderão, sempre que o entenderem e necessitarem, servir-se dos aludidos espaços condominiais, e sempre que o queiram fazer terão, de modo inevitável, que utilizar esses meios de acesso de circulação vertical de que o edifício comum dispõe.Hemos assim de concluir, segundo um critério aferidor de carácter objectivo - o único legalmente definidor da situação - ser manifesta a susceptibilidade (abstracta) de as fracções em apreço poderem ser servidas pelas referidas partes e equipamentos comuns.Na verdade, face ao disposto no n. 3 do art. 1424 do C. Civil, as despesas relativas aos diversos lanços de escada ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum ou alguns dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem ", sendo que, nos termos do nº 4 da mesma disposição, "nas despesas dos ascensores só participam os condóminos cujas fracções por eles possam ser servidas ".Destinação, fruição ou afectação necessariamente exclusivas, pois, versus a possibilidade ou susceptibilidade da sua utilização comum; na primeira hipótese, as despesas deverão ser custeadas apenas pelos condóminos efectiva e exclusivamente utilizadores, na segunda por todos os condóminos que queiram e possam (para sua conveniência ou comodidade ) utilizar as partes ou os equipamentos comuns.Como exemplo de despesas relativas às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos e que por isso ficam a seu exclusivo cargo temos as escadas que dão apenas acesso a uma fracção na cave ou a uma fracção situada no último piso; porém, mesmo neste caso, se mais algum dos condóminos beneficiar desse acessos, já os encargos respectivos deverão ser repartidos de harmonia com o critério do valor das respectivas fracções (permilagem).Escreve Aragão Seia, in " Propriedade Horizontal", 2ª ed., 202, pág 129: " se no último piso houver um terraço de uso comum ou na cave existirem arrumos de todos os condóminos, ao lado de fracções utilizadas individualmente, todos os condóminos terão que suportar os encargos com as escadas que lhe dão acesso, embora as utilizem esporadicamente". E acrescenta: "não se pode considerar isento de responsabilidade pelos encargos de conservação e fruição das partes comuns do prédio, qualquer condómino cuja fracção esteja objectivamente em condições de ser servida por essas partes, só porque delas se não quer servir" (sic).E claro é que a assembleia de condóminos sempre poderá deliberar a adopção de um critério equitativo/proporcional em função da regularidade ou da intensidade da utilização das partes comuns, como por exemplo dos diversos lanços das escadas comuns de acesso aos andares superiores. Também quanto aos ascensores, apenas deverão ficar isentos de contribuir para as despesas os condóminos cujas fracções não são (nem podem ser) servidas por eles como os do rés-do-chão, a menos que possuam algum arrumo no último piso ou na cave (neste incluída uma garagem ou um lugar de aparcamentro) no caso desta também ser servida por elevador, ou se houver no último piso um terraço, sala de reuniões ou de convívio que possa ser usada por todos os condóminos. Também aqui é possível a instituição, por acordo majoritário, de um critério de repartição de despesas distinto do da proporcionalidade do valor das respectivas fracções, quiçá tendo em consideração a utilização diminuta dada por algum ou alguns dos condóminos aos elevadores do prédio. A este respeito e a propósito das dificuldades de aplicação do critério do "ei cui interest", consideram Pires de Lima e Antunes Varela, in " Código Civil Anotado ", vol. III, 2ª ed, pág 432: «o que conta para a nossa lei é a destinação objectiva das coisas comuns - é o uso que cada condómino pode fazer dessas coisas, medido em princípio pelo valor relativo da sua fracção e não o uso que efectivamente faça delas; a responsabilidade pelas despesas de conservação subsistirá mesmo em relação àqueles condóminos que, podendo fazê-lo, não utilizem (por si ou por intermédio de outrem ) as respectivas fracções e se não sirvam, por conseguinte, das partes comuns do prédio " (sic).Volvendo ao caso "sub-specie", torna-se patente que as escadas comuns e os ascensores não servem exclusivamente algum ou alguns condóminos, antes podendo servir (também) todas as fracções autónomas do prédio sem excepção, pelo que se encontram objectivamente em condições de afectação ao uso comunitário dos condóminos.Para que a Ré tenha acesso à habitação do porteiro ao nível da galeria, à arrecadação geral e à sala de condóminos, têm os seus representantes ou empregados (prespostos) de penetrar no próprio acesso do edifício através das suas escadas interiores. Tudo sendo certo que a sala de condóminos é um espaço de utilização colectiva, destinado a acolher o condomínio e que a arrecadação geral - e geral logicamente porque afecta ao uso colectivo ou comum - é um espaço comum localizado no 11° piso. Como assim, a recorrida, como titular das fracções autónomas "DT", "DU", "DV", e "DX", estava e está obrigada a contribuir proporcionalmente para as despesas de fruição e conservação, quer dos ascensores, quer dos espaços comuns existentes na zona habitacional (nestas incluídas os lanços de escadas comuns) de acesso a esses espaços. 11.

Decisão:
Em face do exposto, decidem:- conceder a revista; - revogar o acórdão recorrido na parte em que alterou a decisão de 1ª instância; - manter, na íntegra, a sentença condenatória de 1ª instância.
Custas pela Ré recorrida no Supremo e nas instâncias.
Lisboa, 24 de Fevereiro de 2005
Ferreira de Almeida, Abílio Vasconcelos, Duarte Soares.
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Compilado por am

JUSTIFICAÇÃO NOTARIAL

Acordão do Supremo Tribunal de Justiça
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Sumario:
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I - Como decorre do art. 116, n. 1, do Cód. Reg. Predial, a escritura de justificação notarial é um meio ou expediente técnico simplificado de obter a primeira inscrição registral de um prédio que alguém diz ser seu, meio esse que, conforme n. 1 do art. 100 C.Not., consiste em declaração nesse sentido feita pelo interessado, com, nomeadamente, especificação da causa da aquisição.

II - Dado que com essa acção se pretende a declaração de que o demandado não é titular do direito referido em escritura de justificação notarial, a acção de impugnação de justificação notarial é uma acção declarativa de simples apreciação negativa ( art. 4, ns. 1 e 2, al. a), CPC ).

III - Moldada essa espécie de acções na clássica provocatio ad agendum, é ao réu que, como determina o n. 1 do art. 343 C.Civ., compete provar os factos por ele invocados como integrantes de causa da aquisição do direito de que na escritura de justificação notarial se arrogou a titularidade.

IV - Uma vez que o que eleva a simples detenção a posse é animus rem sibi habendi, só se pode reconhecer a existência de posse para efeito de usucapião quando aquele elemento psicológico da posse na realidade intervenha.

V - Dure por muito ou pouco tempo, a posse precária, em nome alheio ou simples detenção perdura indefinidamente (etiam per mille anos) com essa natureza enquanto não houver inversão do título da posse nos termos que o art. 1265º C.Civ. prevê, só a partir dessa altura começando a correr o tempo necessário para a usucapião.

VI - Adquirida originariamente a propriedade e posse de casa construída em terreno alheio com autorização dos donos deste, para que o mesmo se possa julgar acontecido por usucapião em relação ao terreno em que essa casa assenta e respectivo logradouro, é necessária, como resulta do art. 1290º C.Civ., prova também de ter havido inversão do título da posse em relação a esse terreno.

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Acordam no Supremo Tribunal de Justiça :

Em 16/9/96, na comarca de Alcanena, A e mulher B intentaram contra C e mulher D acção declarativa com processo comum na forma sumária para impugnação de escritura de justificação notarial por estes feita lavrar em 28/6/96 no Cartório Notarial de Alcanena (cfr. nº1º do art. 116º do Cód.Reg.Predial ).
Ambas as partes litigam com benefício de apoio judiciário na modalidade da dispensa de preparos e do pagamento de custas.
Na escritura referida, os demandados declararam ser donos de casa de r/c sita no Bairro do Carrascal, .., em Minde, Alcanena, inscrita na matriz urbana sob o artigo 2291, dita adquirida há mais de 20 anos por doação verbal dos anteriores proprietários, E e F, e desde então possuída pública, pacífica e ininterruptamente nos termos então mencionados.
Segundo os AA, não houve a doação invocada e essa casa pertence à herança ainda indivisa de G e H, pais de A. e R.
Pediram que se declarasse sem efeito a escritura aludida e se ordenasse o cancelamento dos registos eventualmente efectuados com base nela, fazendo-se imediata comunicação ao cartório notarial referido nos termos do art. 109-A C.Not..
Na contestação deduziu-se defesa por impugnação simples e motivada, excepcionou-se a ilegitimidade dos demandantes por preterição de litisconsórcio necessário activo, dado haver mais filhos dos autores da herança aludida, e impugnou-se o valor atribuído à causa pelos AA.
Requerida na resposta a intervenção principal provocada dos demais interessados na falada herança, o benefício referido foi concedido ainda às intervenientes I e J, à primeira também na modalidade da nomeação de patrono.
Esta, representada pela advogada dos AA, fez seus os articulados dos mesmos ; a segunda, representada pelo advogado dos RR, fez seus os articulados destes.
Após avaliação do prédio em discussão, o valor da causa foi, em 28/2/2002, fixado em 2.750.000$00.
Então também lavrado saneador tabelar, com seguida organização da especificação e do questionário, mas entretanto falecida a demandada, foram, no competente apenso, habilitados os respectivos herdeiros, a saber, o R. e filhas K e L, para com eles prosseguir a causa.
Triunfante reclamação do despacho que o não recebeu, acabou por ser admitido agravo, com subida diferida, do indeferimento de depoimento de parte da chamada I.
Esse depoimento acabou por ser admitido, ao abrigo do art. 552, n. 1, CPC, na audiência de discussão e julgamento. Também disso houve recurso, admitido a fls. 303. (Esse recurso devia ter sido, mas não foi, julgado na própria instância recorrida deserto por falta de alegação - cfr. arts. 291º, nºs 2º e 4º, 690º,nº3º, e 698º, nº3º, CPC e 25º, nº1º, do DL 329-A/95, de 12/12 ). Em 21/11/2003, foi lavrada sentença que julgou a acção só procedente em parte, e, assim, só nessa medida legitimamente impugnada a escritura de justificação notarial em questão. Declarou-se então que as declarações dos RR constantes dessa escritura não correspondem à verdade quando afirmam que o prédio aludido lhes foi transmitido por E e F, e que os RR não são donos e legítimos possuidores do logradouro com 90 m2. O pedido de cancelamento dos registos feitos ou a efectuar foi julgado improcedente (1).
Ambas as partes recorreram dessa decisão.
A Relação de Coimbra julgou, com referência ao art. 748º, nºs 1º e 2º, CPC, extinto por desistência o primeiro dos agravos interpostos pelos AA acima referidos. Quanto às apelações, julgou improcedente a dos RR e procedente a dos AA. Em consequência, julgou procedente a acção e, assim, a impugnação da justificação notarial ajuizada, que declarou não produzir efeitos em relação a todo o terreno ocupado pela implantação da casa dos RR e respectivo logradouro, identificados na escritura de justificação.
Assim vencidos, os RR pedem revista dessa decisão, deduzindo, a final da alegação respectiva, as conclusões que seguem :
1ª - O acórdão recorrido não atendeu à inexistência de qualquer registo de propriedade ou outro que possa colocar em crise o legítimo direito de posse dos recorrentes sobre o seu prédio - a casa e o solo onde foi construída.
2ª - Está provado que os pais do A. e do R. fizeram uma única escritura de doação, de uma casa, a favor do A., não tendo efectuado qualquer escritura de doação a favor do R.
3ª - Independentemente de quem tenha sido o antepossuidor do terreno onde os recorrentes construíram, há cerca de 34 anos, a casa de habitação deles, em que passaram a residir desde então, é certo e sabido que a partir desse momento entraram na posse da casa e do solo respectivo.
4ª - Essa posse foi sempre exercida de forma pública e pacífica ao longo de mais de 30 anos.
5ª - Nem o terreno dito pertencente aos pais do recorrente, nem aquele que os recorrentes defendem ter pertencido a E e F estão registados, pelo que, independentemente da identidade do antepossuidor, não havia posse titulada.
6ª - Os recorrentes não podiam proceder formalmente à inversão de um título de posse inexistente, o qual, aliás, não se presume, devendo a sua existência ser provada por aquele que o invoca - art. 1259, n. 2, C.Civ.
7ª - Acresce que o pai dos litigantes faleceu em 1979, e nunca os herdeiros suscitaram a questão da posse do terreno onde está construída a casa dos recorrentes, peticionando a herança e exigindo partilha.
8ª - Quem antecedeu os recorrentes na posse do solo em que construíram a casa deles perdeu esse direito por abandono ou pelo simples decurso do tempo que tem durado a posse dos recorrentes - art. 1267, n. 1, als. a) a d), C.Civ.
9ª - Estando os recorrentes na posse do seu prédio há pelo menos 34 anos e tendo-a exercido de forma reiterada, à vista de toda a gente e sem violência, assiste-lhes o direito de declararem a aquisição do respectivo direito de propriedade por usucapião - arts. 1263, al. a), e 1296º C.Civ.
10ª - Como inquestionáveis possuidores que são, os recorrentes gozam da presunção da titularidade do direito, uma vez que não existe a favor de outrem presunção fundada em registo anterior ao início da sua posse - arts. 1268, n. 1, C.Civ.
11ª - Neste sentido, e até em sentido mais amplo se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão 3/99, no DR de 10/7, o mesmo acontecendo com os demais arestos e a doutrina a que se fez referência.
12ª - Foram inobservados ou incorrectamente interpretados os arts. 1252º, nº2º, 1259º, nº2º, 1263º, al.a), 1267º, nº1º, als.a) e d), 1268º, nº1º, al.c), e 1296º C.Civ.
13ª - Essas normas jurídicas deviam ter sido interpretadas e aplicadas em conformidade com a dou trina e jurisprudência deixadas desenvolvidas.Não houve contra-alegação, e, corridos os vistos legais, cumpre decidir.
Convenientemente ordenada (2), e com, entre parênteses, indicação das correspondentes alíneas e quesitos, a matéria de facto fixada pelas instâncias é como segue :
( a ) - Na escritura de 28/6/96 a fls. 92 do Livro n. 143-A da Secretaria Notarial de Alcanena, os primeiros outorgantes, ora RR, C e mulher D declararam-se donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, do prédio urbano sito no Bairro do Carrascal, nº14, freguesia de Minde, concelho de Alcanena, composto de casa de r/c destinada a habitação, com a área de 60 m2, que confronta do norte e nascente com caminho público -, do sul com estrada e do poente com herdeiros de G, inscrito na matriz urbana sob o artigo 2291, com o valor patrimonial atribuído de 1.630.000$00 ( A ).
(b) - Esse prédio não estava descrito na Conservatória do Registo Predial e foi declarado inscrito na matriz em nome do justificante marido ( B ).
(c) - Os justificantes declararam a seguir que o terreno onde foi construída a casa de habitação e o respectivo logradouro lhes foi doado pelos antepossuidores E e F, "residentes que foram em Minde, hoje falecidos", que "essa doação foi verbal, não tendo sido exarado qualquer título", e que possuem esse prédio há mais de 20 anos sem oposição de quem quer que seja desde o seu início, posse que sempre exerceram à vista de todos e sem interrupção, usufruindo as utilidades possíveis, sendo por isso uma posse pacífica, contínua e pública, pelo que o adquiriram por usucapião, não tendo, todavia, dado o modo de aquisição, documentos que lhes permitam fazer a prova do seu direito de propriedade perfeita (C e D).
(d) - Pelos segundos outorgantes foi declarado que confirmavam as declarações ora reproduzidas (E).
( e ) - Os AA tiveram conhecimento da escritura referida pela publicação do seu extracto a páginas 16 da edição do Jornal de Minde com o n. 471, referente aos meses de Julho/Agosto de 1996 ( F ).
(f) - Nunca os referidos E e F foram donos do terreno em questão, que hoje integra parte do logradouro do prédio inscrito na matriz cadastral urbana sob o artigo 1246, em nome de G, tendo sido participado nas relações de bens apresentadas por óbito de G e mulher H, esta última apresentada pelo cabeça-de-casal, ora Réu (8º, 9º, 11º e 12º).
(g) - O terreno onde foi construída a casa de habitação a que os RR fazem referência pertenceu a G, também conhecido por ....o e mulher H, também conhecida por ..., pais de A. e R., seus antepossuidores e hoje já falecidos, por o terem adquirido, por compra, a M ( 1º ).
(h) - G e H amanharam e mandaram amanhar, cultivaram e mandaram cultivar e trataram como seu o terreno onde foi construída a casa de habitação a que se reporta a escritura de habilitação notarial referida até à data do respectivo óbito, à vista de toda a gente, sem violência nem oposição de quem quer que fosse e sem interrupção, e foi ali que construíram a casa de habitação onde viveram (2º, 3º e 4º).
(i) - G e mulher H permitiram ao A. e ao R., seus filhos, a construção de mais duas casas de habitação nesse terreno (5º).
(j) - Foi feita escritura de doação de uma delas aos AA (G).(k) - A outra é a referida na escritura de justificação notarial mencionada ( 6º).
(l) - O pai do A. e do R. construiu uma casa e doou-a ao A. (13º).
(m) - A escritura de doação junta aos autos pelos AA foi rectificada em 19/4/96 no Cartório Notarial de Alcanena (J).
(n) - G não doou qualquer habitação ao R. C (14º).
(o) - G e o filho C não mantinham uma boa relação familiar (15º).
(p) - A parede da casa dos RR que confina com o restante terreno dos pais não tem qualquer janela aberta para o lado do terreno reservado pelo pai do R. para si mesmo (18º ; facto aditado pela Relação).
(q) - A G e mulher H sucederam os filhos, seus únicos herdeiros, entre os quais o A. e o R., que, em conjunto com os demais herdeiros, continuaram a agir como seus donos e legítimos possuidores (H e I).
(r) - Como se vê da licença n. 209 emitida em 19/7/61 em nome do R. pela Câmara Municipal de Alcanena, os justificantes iniciaram a construção da sua casa de habitação no ano de 1961 (L).
(s) - Em 11/8/62, a Câmara Municipal de Alcanena concedeu a C a licença n. 281 para acabar paredes exteriores e emadeirar e talhar a sua casa de habitação sita em Minde (19º).
(t) - Nessa época, quem celebrava contratos de pequena monta relativos a um direito real desta natureza considerava o negócio fechado na base da expressão popular "palavra de homem "( 24º).
(u) - Quando muito, pagava-se imposto de sisa ( 25º).
(v) - Correu na Repartição de Finanças de Alcanena o processo de avaliação n. 22/65, instaurado nos termos do art. 109º do Código da Sisa contra C ( 29º).
(w) - Como se vê desse processo, em 23/12/65, C pagou a quantia de 180$ 00 com referência à liquidação adicional à sisa n. 267/65 de 17/9/65 e à importância de 2.250$00 resultante da diferença entre o valor da avaliação ( 4.500$00 ) e o declarado ( 2.250$00 ) ( 26º).
(x) - Os RR eram pessoas de fracos recursos económicos e efectuaram a liquidação da sisa nº 267/65 de 17/9/65 em 23/12/65 (27º).
(y) - Os RR habitam a casa a que se refere a escritura de justificação notarial aludida desde 1965, na convicção de que a mesma lhes pertence, sempre ali viveram, continuando a mulher a residir permanentemente nessa casa e o marido quando pode, pois o emprego dele é em Lisboa, e sempre têm sido eles, e só eles, que a conservam, que fazem nela as reparações necessárias e os melhoramentos ( 30º, 31º, e 32º).
(z) - Ninguém até hoje contestou o facto de terem sido os RR os construtores da habitação sita no terreno objecto da escritura de justificação notarial referida ( 35º).
Como decorre do art. 116º, n. 1, do Cód. Reg. Predial, a escritura de justificação notarial em crise é um meio ou expediente técnico simplificado de obter a primeira inscrição registral de um prédio que alguém afirma ser seu (3) .
Conforme n. 1 do art. 100º C.Not., consiste em declaração nesse sentido feita pelo interessado, com, nomeadamente, especificação da causa da aquisição.Posto que com ela se pretende a declaração de que o demandado não é titular do direito referido em escritura de justificação notarial, esta acção de impugnação de justificação notarial é uma acção declarativa de simples apreciação negativa - v. art. 4º, nºs 1º e 2º, al. a), CPC (4).
E sendo, daqui em diante, do C.Civ. as disposições citadas sem outra indicação:Moldada essa espécie de acções na clássica provocatio ad agendum, é ao réu que, como determina o n. 1 do art. 343, compete provar os factos por ele invocados como integrantes de causa da aquisição do direito de que na escritura de justificação notarial se arrogou a titularidade (5).
Essa causa de aquisição é, no caso, a usucapião, regulada nos arts. 1287º ss, que Menezes Cordeiro, em "A Posse - Perspectivas Dogmáticas Actuais", 3ª ed. (2000), 129, define como a constituição facultada ao possuidor do direito correspondente à sua posse, desde que esta assuma certas características e se tenha mantido pelo lapso de tempo determinado na lei (6).
Para que possa julgar-se verificada a aquisição da propriedade (ou de outro direito real) por usucapião, é, pois, preciso demonstrar-se a posse em sentido técnico-jurídico definida pelos dois elementos tradicionais a que aludem os arts. 1251º e 1252º, nº2º - material (corpus, traduzido no exercício de poder de facto sobre o objecto) e psicológico (animus - intenção assim exteriorizada de exercício do direito correspondente) (7).
Já feito notar que "o que eleva a detenção a posse é animus (rem) sibi habendi "(8),
logo, assim, avulta também que só quando este na realidade intervenha se pode reconhecer a existência de posse para o efeito de usucapião. Nesta conformidade, observou-se no acórdão sob recurso que para evitar a procedência desta acção, os demandados tinham que provar, primeiro, que, como declarado na escritura aludida, o terreno em questão lhes fora doado pelos alegados antepossuidores, e depois, a posse em nome próprio pelo tempo da usucapião.Não se provou aquele negócio translativo (9),
tendo os competentes quesitos - 20 a 23 - obtido resposta negativa ; nem, enfim, qualquer outro - cfr. (n), supra. Não se provou também posse em nome próprio em relação ao terreno, como resulta da respostas restritivas dadas aos quesito 30º, 35º e 36º e negativas dadas aos quesitos 33º, 34º, 37º e 38º. Veio a verificar-se, até, que aquele primeiro ponto não correspondia à verdade. Com efeito:Como observado nas instâncias, primeiro, o terreno em que os RR construíram a casa deles não era de quem disseram ser, mas sim dos pais do R., e depois, foi com autorização destes que levaram a efeito a construção da casa em que residem, o que remete a situação para a previsão do art. 1253º, al (s). b) ( ou c) ).Inexistindo, por consequência, o segundo dos elementos referidos do sentido específico de posse relevante para o efeito a considerar, está-se inicialmente perante posse precária, em nome alheio ou simples detenção, a qual, dure por muito ou pouco tempo, perdura indefinidamente (etiam per mille anos) com essa natureza enquanto não houver inversão do título da posse nos termos que o art. 1265º prevê : só a partir daí começando a correr o tempo necessário para a usucapião a favor do que, antes disso, não passava de possuidor precário (10).
"A posse, como caminho para a dominialidade - para a usucapião a que se refere o art. 1287º - é a posse stricto sensu, e não a posse precária ou detenção ( art. 1290º), sendo certo que são tidos como detentores ou possuidores precários os referidos no art. 1253º, isto é, todos os que, tendo embora a detenção da coisa, não exercem sobre ela os poderes de facto com o animus de exercer o direito real correspondente " (Ac.STJ de 10/2/97, BMJ 472/483-III e 489, último par.- 490, quatro primeiros par.). Deste jeito, e em resumo: adquirida originariamente a propriedade e posse da casa - o que, como observado no acórdão recorrido, não está em causa - mas construída esta em solo alheio com autorização dos donos deste, para que o mesmo se pudesse julgar acontecido, por usucapião, em relação ao efectivo objecto da impugnação, que é o terreno em que essa casa assenta e o respectivo logradouro, era, como resulta do art. 1290º C.Civ., necessário ter-se provado inversão do título da posse (11).
A inversão do título da posse (interversio possessionis) é, como a Relação menciona, um dos modos de aquisição da posse no sentido jurídico já mencionado indicados no art. 1263º. Referido na sua al.d), determina, como bem assim explicado no acórdão recorrido, a substituição duma posse precária ou mera detenção por uma posse em nome próprio. E só esta última, como igualmente já visto, pode eventualmente conduzir à aquisição da propriedade por usucapião, invocada pelos ora recorrentes na falada escritura de justificação notarial. Só a contar da inversão do título da posse se iniciando o prazo de usucapião, ela não foi sequer alegada, sendo outra a causa do início da posse jurídica e os antepossuidores constantes da escritura referida.Não exercido eventual direito potestativo de acessão imobiliária, nos termos do art. 1340º, o acórdão recorrido concluiu não mais, quando muito, assistir aos recorrentes que um direito de superfície a assegurar a manutenção em terreno alheio da casa que construíram e do logradouro a ela afecto, nos termos dos arts. 1524º e 1525º (12).
Os recorrentes opõem na alegação respectiva que os proprietários da casa entraram na posse do respectivo solo desde que a construíram e nela passaram a residir (fls. 397, 1º par.). É, no entanto, claro, à luz do já exposto, que só assim em termos de posse em sentido material, de mera detenção, visto necessariamente saberem que esse terreno pertencia aos pais do ora recorrente, que permitiram a construção nele da casa em que os recorrentes residem. Contra o que os recorrentes pretendem, há, efectivamente, que distinguir a casa que construíram, que por isso lhes pertence, e que não está em causa, do solo onde a implantaram, de que, até morrerem, foram os pais, e não eles, os verdadeiros possuidores - tudo, enfim, conforme (g) a (i), supra, de que resulta claro não ter neste caso cabimento a dúvida que o art. 1252º, n. 2, previne, aliás com ressalva expressa do n. 2 do art. 1257º Por aqueles tão-sómente autorizada a construção da casa, a posse material que os recorrentes passaram a exercer sobre o solo só mediante inversão do título da posse, a operar nos termos do art. 1265º, se podia transformar em posse em sentido jurídico, conducente à aquisição por usucapião da propriedade desse terreno, como expressamente determinado no art. 1290º. Quando construíram a casa e nela passaram a residir, os recorrentes entraram tão-sómente na posse material do respectivo solo. Autorizada pelos (reais) antecessores, essa posse não passava, nas circunstâncias apuradas, de simples detenção.E nem tal, como já notado, alegado sequer, não invertido, nos termos do art. 1265º, o título dessa posse - precária, em nome alheio, simples detenção - não há posse no já mencionado sentido jurídico específico resultante dos arts. 1251º e 1252º, nº2º, não podendo, por consequência, haver usucapião, como decorre do art. 1290º.Como esclarecem Pires de Lima e Antunes Varela. "C.Civ. Anotado", III, 2ª ed., 30, em anotação ao art. 1265º citada no acórdão sob revista, a inversão do título da posse consiste na substituição de uma posse precária, em nome de outrem, por uma posse em nome próprio, e só pode operar-se pelos meios previstos nessa disposição legal, nomeadamente pela contraditio oposta pelo possuidor precário ao possuidor em nome próprio. Assim bem entendido, o regime legal aplicável à hipótese vertente nada tem que ver com o registo predial, designadamente com o facto de o(s) terreno(s) em referência se encontrar(em) ou não registado(s). Destarte desfeita a confusão que na alegação dos recorrentes aparentemente se estabelece a esse respeito, convém deixar claro também que a posse em discussão nestes autos é a deles próprios, e não a dos seus antecessores. Como assim : Só mediante a inversão do título da sua própria posse exigida pelo art. 1290º podendo a simples detenção apurada, transformada por esse modo em posse jurídica, conduzir à invocada aquisição da propriedade por usucapião, e só podendo essa inversão operar-se pelas formas ou modos estipulados no art. 1265º, resulta por inteiro destituída de sentido a pretensão dos recorrentes de que os actos materiais por eles praticados sobre o espaço em que construíram a casa em que residem "configuram uma autêntica inversão do título da posse em termos substantivos ": de harmonia com o princípio da imutabilidade da detenção (quando não preenchida a previsão daquela disposição legal), nemo sibi (ipsum) causam possessionis mutare potest (13).
É, por último, claro ser em relação à posse em sentido técnico-jurídico e não à simples detenção que a lei considera as características a que aludem os arts. 1259 º - titulada -, 1261º - pacífica - e 1262º - pública. É, pois, com inteiro desacerto que os recorrentes reclamam, afinal, para aquela segunda espécie de posse - precária, em nome alheio - estas duas últimas características (pacífica e pública).Inconsequente vem, em vista do exposto, a ser também a afirmação - de óbvio modo extemporânea, face ao disposto no art. 489º CPC - de que "o pai dos litigantes faleceu em 1979 e nunca os herdeiros suscitaram a questão da posse do terreno onde os recorrentes construíram a casa".A autorização dos pais do recorrente torna, com evidência, despropositada a invocação de abandono e consequente perda da posse nos termos do art. 1267º, nº1º, al. a). Na verdade, o abandono - demissão de situação jurídica, aliás impossível, a ser esse o caso, em relação ao direito de propriedade, que é irrenunciável (14)
- pressupõe um acto material, intencional, de rejeição da coisa ou do direito cuja existência aquela autorização, a todas as luzes, contraria, posto que, de manifesto modo, precisamente traduz o exercício do direito de quem a concedeu. E também a invocação da al. d) daquele normativo é descabida onde não provada, nem sequer alegada, inversão do título da posse (nos termos e com o sentido atrás esclarecido), como é o caso. Finalmente a posse a que aludem o art. 1268º, nº1º, e, em III-6., o Acórdão deste Tribunal n. 3/99, de 18/5, publicado no DR, I Série-A, nº159, de 10/7/99, e no BMJ 487/20 ss ( v.32-6.), é, ainda, a posse em nome próprio, que, não invertido o título da posse por algum dos modos previstos no art. 1265º, já se viu faltar aos ora recorrentes.Tentou-se desfazer quanto possível a copiosa soma de equívocos que a alegação dos recorrentes manifesta, de modo geral assentes na confusão entre posse precária, em nome alheio ou simples detenção e posse em sentido jurídico específico, mas relativos também à noção e requisitos da inversão do título da posse regulada no art. 1265º (15).
Alcança-se, na sequência do exposto, a decisão que segue :
Nega-se a revista.
Custas pelos recorrentes (sem prejuízo, embora, do benefício que lhes foi concedido nesse âmbito).
Lisboa, 3 de Março de 2005
Oliveira Barros,Salvador da Costa,Ferreira de Sousa.

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(1) Refere-se nessa sentença que este pedido, a que alude o art.8º do Cód.Reg.Predial era desnecessário, visto que a acção foi proposta no prazo de 30 dias a contar da publicação do anúncio da realização da escritura e se deu cumprimento do art. 101º, nº1º, C.Not., o que impede a emissão de certidão da mesma (idem, nº4º) e, assim, que essa escritura sirva de base para qualquer registo.
(2) V. Antunes Varela, RLJ, 129º/51.
(3) V., para melhor compreensão, ARC de 14/4/93, CJ, XVIII, 3º, 33 ( parte final da 2ª col.)-34 ( 1ª col.), e Isabel Pereira Mendes, "Cód. Reg. Predial Anotado", 11ª ed. ( 2000 ), 332, 333, e 336 ss, notas 2 e 7 ao art.116º.
(4) Como vem dizendo a jurisprudência citada pelas instâncias - mencionada já também em ARP de 13/11/97, CJ,XXII, 5º, 183, final da 2ª col. Nota-se que a situação não pode aproximar-se por inteiro da tratada em ARP de 2/4/87, CJ, XII, 2º, 227 ss e em ARL de 15/5/97, CJ, XXII, 3º, 2ª col., antepenúltimo par., pois os ora recorrentes não chegaram a efectuar o registo do prédio de que se arrogam a propriedade. Com esta acção visa-se, precisamente, contrariar, em termos práticos, a validade e eficácia das declarações documentadas, em ordem a obstar à descrição na Conservatória do Registo Predial do prédio de que os ora recorrentes se dizem donos. V. também ARC de 17/3/98, CJ, XXIII, 2º, 26 ( 2ª col., dois últimos par.)-27.
(5) V. Anselmo de Castro, "Direito Processual Civil Declaratório", I, 116, nota 1, e 122 a 124, e, para melhor desenvolvimento, ARC de 17/ 3/98, CJ, XXIII, 2º, 25, 1ª col.
(6) Cfr., no caso, - a haver mesmo posse -, art. 1296º. Em desenvolvimento, v., v.g., Durval Ferreira, "Posse e Usucapião", 2ª ed. ( 2003 ), 437 ss ( 200.).
(7) V., para melhor desenvolvimento, Manuel Rodrigues, "A Posse", 182 ss, Mota Pinto, "Direitos Reais", 180 ss, e, mais recentemente, Durval Ferreira, ob. e ed. cits, 23, 27 ( 14.), 38 ( 20.) e 47 ( 22.).
(8) Manuel Rodrigues, ob.cit., 191 ( nº39.). O mesmo em Cunha Gonçalves, "Tratado", III, 478, último par.
(9) Relevante para efeitos de usucapião, bem que nulo por falta da forma legal, conforme arts. 220º e 947º, nº1º - v. Ac. STJ de 11/3/99, BMJ 485/410, 1ª col., 1º par., que cita Manuel Rodrigues, ob.cit., 222 a 224.
(10) Tudo como adiantado em ARP de 11/1/79, CJ, IV, 255 - I e 2ª col, 4º par. Cita, designadamente, Cunha Gonçalves, ob. e vol. cits, 479 e 480, onde, além do mais se refere a "perpétua ineptidão da posse em nome de outrem para produzir a prescrição "então denominada aquisitiva ou usucapião.
(11)V. , para melhor desenvolvimento, ARE de 14/11/96, CJ, XXI, 5º, 263 a 265 ( 1ª col.).
(12) Como elucida Carvalho Fernandes, "Lições de Direitos Reais", 2ª ed. (1997), 268, o superficiário tem, sem dúvida, a posse causal, em nome próprio, conforme ao seu direito de superfície, mas é possuidor em nome alheio em relação ao solo em que está implantada a construção ( ou as árvores ) ( cfr. art. 1253º, al.c) ).
(13) P. Lima e Varela, loc.cit., Penha Gonçalves, "Curso de Direitos Reais "(1992), 271 e 272. V. também ARE de 1/6/99, CJ, XXIV, 3º, 276 ( 4.3.)-277, onde, citando Manuel Rodrigues, se faz notar não ser permitido alegar uma vontade concreta do detentor contra a vontade que deriva da causa da tradição. Na hipótese ocorrente essa causa é, tanto quanto se sabe, simples tolerância (autorização) dos pais do recorrente Sobre posse derivada, v., bem assim, Durval Ferreira, ob. e ed.cits, 150 ( 90.).
(14) V. Durval Ferreira, ob. e ed.cits, 225 e 226.
(15) Sobre inversão do título da posse, v., por todos, Durval Ferreira, ob. e ed.cits, 180 ss ( 107.),e, em concreto, 186 ss( 113.)

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