PARECERES TECNICOS

quinta-feira, fevereiro 24, 2005

TRANSMISSÃO PARA EFEITOS DE SISA

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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
De 26-10-2004


Sumario:

1. Independentemente da natureza que se atribua à presunção contida no $ 2º do art. 2º do C.Sisa (a de que houve tradição do prédio para o promitente comprador), a mesma só releva desde que estejam verificados os dois pressupostos de facto em que assenta (o ajuste, por parte do promitente comprador, de revenda do imóvel a terceiro; a posterior escritura de venda entre este terceiro e o primitivo promitente vendedor).
2. Quanto à prova destes dois pressupostos de facto, a lei já não estabelece qualquer presunção. É à Fazenda Pública que compete, nos termos gerais (art. 342º nº 1 do CCivil), demonstrar a verificação de tais pressupostos, como factos constitutivos do seu direito à liquidação do imposto.
3. Tal demonstração basta-se com a prova dos factos que, segundo as regras da experiência, geram uma convicção séria da existência do negócio referido naquele $ 2º do art. 2º do CSisa: se no contrato promessa existe cláusula mediante a qual o promitente comprador se obriga a vender o prédio ao promitente comprador ou a quem este indicar e se a escritura definitiva vem a ser outorgada entre o primitivo vendedor e um terceiro, é razoável presumir que houve um ajuste da revenda do prédio entre o promitente comprador e o terceiro que, afinal, veio a outorgar na escritura como comprador.
4. Mas esta é uma presunção meramente judicial e, portanto, ilidível por prova em contrário (art. 351º do CCivil); o promitente comprador pode demonstrar que, não obstante a aparência do negócio, não ocorreu o ajuste para revenda.
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RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença que, proferida no processo de impugnação nº 6/95 do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Castelo Branco, julgou procedente a impugnação que a sociedade I..., Lda., com os sinais dos autos, deduziu contra a liquidação de sisa no montante de 500.000$00, acrescida de juros compensatórios no montante de 89.219$00.
1.2. Alega e formula as seguintes conclusões:
1. Como bem concluiu o Digno Magistrado do Ministério Público, a fls. 35, a ora Impugnante tinha um poder de facto sobre o imóvel objecto de transmissão, tanto assim que em Agosto de 1992 pagou o referido imóvel que depois passou a oferecer publicamente a quem, por via de um sorteio a realizar, praticasse determinado acto perfeitamente definido;
2. A "revenda" do referido imóvel verificou-se em Maio de 1993;
3. A situação descrita no auto de notícia, a fls. 6, configura uma situação passível de sujeição a Imposto Municipal de Sisa, por se ter verificado a tradição ou posse do imóvel em apreço, na medida em que por via do "ajuste de revenda" ocorrido entre a ora Impugnante e o terceiro adquirente, através da "promessa pública".
4. Tem sido jurisprudência pacífica e entendimento da doutrina que, no Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (CIMSISSD), "a transmissão compreende não só a transmissão civil como também a transmissão económica, ou de facto, mesmo que despida de formalidades legais ou ferida de nulidades ou anulabilidades não reconhecidas judicialmente - Vitor Faveiro, in "A Forma Jurídica dos Factos Tributários", CTF nº 19, pag. 1203);
5. E tanto é assim que comentando o $ 2° do artigo 2° do CIMSISSD, escreveu-se no acórdão 55.438, de 30/4/1986, do Tribunal Tributário de 2ª Instância - In CTF nº 334/336, pag. 418 - que "estão sujeitas a imposto de sisa as promessas de compra e venda de bens imobiliários quando seguidas de tradição e, para que se tenha esta por verificada, é suficiente (mas também necessário) que o promitente comprador haja acordado ou, no dizer da lei, «ajustado a revenda» dos bens com um terceiro e entre este e o promitente vendedor venha efectivamente a celebrar-se o contrato definitivo de compra e venda.Não exige a lei que essa «tradição» se processe através de contrato com nomine jure ou por via de um determinado formalismo externo de natureza civilística. Essencial é, apenas, que haja ocorrido um «ajuste de revenda» do bem, que poderá revestir-se de um qualquer figurino jurídico, entre o promitente comprador e um terceiro, intervindo este afinal, na escritura de venda, na posição de comprador".Termina pedindo o provimento do recurso e que se revogue a sentença recorrida e seja substituída por outra em que se julgue improcedente o pedido e se mantenha válido o acto tributário de liquidação da sisa.
1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.
1.4. O recurso foi inicialmente interposto para o STA que, por douto acórdão de fls. 61 a 63 veio a julgar-se incompetente, em razão da hierarquia, afirmando a competência do TCA para dele conhecer, dado que a recorrente nas Conclusões 1ª a 3ª invoca factos que não lograram fixação no Probatório da sentença recorrida e, por isso, o recurso não versa exclusivamente matéria de direito.
1.5. Remetidos os autos ao TCA, foram com Vista ao EMMP o qual emitiu Parecer no sentido do provimento do recurso.
1.6. Correram os vistos legais e cabe decidir.
FUNDAMENTOS
2. A sentença recorrida deu como assentes os factos seguintes, ora submetidos a alíneas:a)A impugnante abriu ao público um hipermercado na Covilhã (art. 13º da p.i.);b) Para promoção publicitária desse estabelecimento a impugnante organizou um sorteio de vários prémios, entre os quais o de uma casa, a que se habilitavam os clientes que fizessem um gasto mínimo em compras (arts. 14º a 16º da p.i. e fls. 10);c) No âmbito dessa promoção, fez-se larga divulgação da secção do talho, em contrapartida do que o principal fornecedor de carnes, para contributo desse sorteio, comparticipou com 3.500.000$00 (arts. 15°, 18°, 19°, 25°, 26° da p.i.);d) Em 17 de Agosto de 1992 a impugnante entregou a S... 5.000.000$00 para pagamento de tal casa (art. 26º da p.i. e fls. 9);e) No sorteio, realizado a 31 de Dezembro de 1992, foi o prédio atribuído a A ... (fls. 7 e 9);f) Em 10 de Maio de 1993, no Cartório Notarial da Covilhã, foi lavrada a escritura de compra e venda do mesmo prédio intervindo como vendedor S...e como comprador J...(fls. 9, 17);g) Ao que a 2ª Repartição de Finanças da Covilhã liquidou à impugnante correspondente sisa (cfr. fls. 8).
3. A sentença julgou a impugnação procedente com base, no essencial, em que não obstante se ter provado que esteve nas mãos da impugnante a transmissão económica do imóvel, e não obstante o negócio de transmissão ter vindo a ser formalmente celebrado entre o vendedor e o cliente ganhador do sorteio, a factualidade provada também diz que tal transmissão não o foi por via de ajuste de revenda.Discorda a recorrente Fazenda sustentando, em síntese que a impugnante tinha um poder de facto sobre o imóvel objecto de transmissão, tanto assim que em Agosto de 1992 pagou tal imóvel que depois passou a oferecer publicamente a quem, por via de um sorteio a realizar, praticasse determinado acto perfeitamente definido e que se verificou a tradição ou posse do imóvel em apreço, por via do «ajuste de revenda» verificado em Maio de 1993, ocorrido entre a impugnante e o terceiro adquirente, através de «promessa pública».Quid juris?
4. Em primeiro lugar importa apreciar a questão factual suscitada nas Conclusões 1ª a 3ª do recurso, questão factual essa que, aliás, determinou, por parte do venerando STA, a afirmação de competência, em razão da hierarquia, do TCA.Em tais Conclusões a recorrente sustenta que a impugnante tinha um poder de facto sobre o imóvel objecto de transmissão, tanto assim que em Agosto de 1992 pagou tal imóvel que depois passou a oferecer publicamente a quem, por via de um sorteio a realizar, praticasse determinado acto perfeitamente definido, que a revenda do imóvel se verificou em Maio de 1993 e que a situação descrita no auto de notícia de fls. 6 configura uma situação passível de sujeição a imposto de sisa, por se ter verificado a tradição ou posse do imóvel em apreço, por via do «ajuste de revenda» ocorrido entre a impugnante e o terceiro adquirente, através de «promessa pública».Que a impugnante entregou a S..., em 17/8/1992, a quantia de 5.000.000$00 para pagamento do imóvel em questão; que para promoção publicitária do seu estabelecimento a impugnante organizou um sorteio de vários prémios, entre os quais o de uma casa, a que se habilitavam os clientes que fizessem um gasto mínimo em compras; que no sorteio, realizado a 31/12/92, o prémio foi atribuído a A ...; e que em 10/5/93 foi lavrada escritura pública de compra e venda do citado imóvel tendo intervindo como comprador S...e como comprador A ..., são factos que a sentença já julgou provados e especificou no Probatório.Ora, conforme jurisprudência uniforme do STA, embora a competência do tribunal se afira pelo «quid disputatum» e não pelo «quid decisum»; embora para aferir dessa questão da competência o que importe seja apenas verificar se o recorrente pede a alteração da matéria de facto ou invoca factos que não venham dados como provados; e embora, se invocar factos não dados como provados, o recurso não tenha por fundamento exclusivamente matéria de direito, por isso ficando definida a competência do TCA, tal não significa que àqueles factos venha necessariamente a ser dada relevância para a decisão. É que, o Tribunal competente não está impedido de vir a concluir que a discordância sobre a matéria fáctica ou os factos invocados dados como não provados são, afinal, irrelevantes para a decisão do recurso, em face da posição de direito que entende adequada.No caso presente, a existência ou não da alegada tradição para a impugnante e do alegado ajuste de revenda entre esta e A ..., há-de colher-se, ou não, na subsunção da factualidade já constante dos autos, não se vislumbrando, nem a recorrente a invocando, que seja necessário proceder a quaisquer diligências probatórias em ordem à falada subsunção. Ou seja, concordamos com que já consta do despacho de fls. 33 verso, no sentido de que o processo contém a factualidade necessária para a decisão.Assim sendo, pese embora o citado teor das questionadas Conclusões, a invocação daquela matéria de facto nas Conclusões do recurso, embora determine a competência do TCA para conhecer do mesmo, não implica, contudo, alteração do Probatório, já que, por um lado, não há nos autos elementos que comprovem tal alegação e já que, por outro lado, a mesma se mostra desnecessária para a decisão do recurso.
5. A questão a decidir pode resumir-se na de saber se, no caso, ocorreu, ou não, o invocado ajuste de revenda.Vejamos:
5.1. A liquidação impugnada foi, como se vê do auto de notícia de fls. 9, referido no Probatório, operada pela AT no seguimento de fiscalização efectuada à sociedade I ..., Lda., no âmbito da qual foi constatado que esta sorteara o prédio urbano em causa que foi atribuído ao sr. A ..., que o imóvel foi pago em 17/8/92 por intermédio de cheque bancário no montante de 5.000.000$00 ao sr. S...e que em 10/5/93 foi feita a escritura de compra e venda onde intervieram como vendedor S...e como comprador A ..., tendo sido declarado o preço de 5.000.000$00.Perante estas constatações a AT entendeu que estava «Exercida a tradição pela firma I..., Ldas em 17/08/92» e que «sendo esta tradição passível de imposto de sisa nos termos do nº 2 do artigo 2º do respectivo Código» a impugnante não solicitara o pagamento do respectivo imposto de sisa.
5.2. Ora, de acordo com o disposto no então em vigor art. 2° do CIMSISD, a sisa incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade sobre imóveis.O nº 2 do seu $ 1° estabelece, ainda, que as promessas de compra e venda... logo que verificada a tradição para o promitente comprador, se consideram, para efeitos de sisa, transmissão de propriedade imobiliária.Por outro lado, o $ 2° deste art. 2º estatui que nas promessa de venda se entende verificada a tradição e, consequentemente sujeição a sisa, se o promitente comprador ajustar a revenda com um terceiro, vindo a escritura a ser outorgada apenas entre o promitente vendedor e este terceiro (estabelece-se aqui uma «traditio ficta»).É sabido que é controversa a natureza desta presunção contida no $ 2º do art. 2º; mas tem-se aceitado a natureza inilidível da mesma, desde que estejam provados os dois pressupostos de facto em que ela assenta: o ajuste, por parte do promitente comprador, de revenda do imóvel a terceiro; a posterior escritura de venda entre este terceiro e o primitivo promitente vendedor.Verificados que estejam estes dois pressupostos de facto a lei faz funcionar a presunção de que houve tradição do prédio para o promitente comprador.Porém, quanto à prova destes dois pressupostos de facto, a lei já não estabelece qualquer presunção. À Fazenda Pública compete, portanto, nos termos gerais (art. 342º nº 1 do CCivil) demonstrar a verificação de tais pressupostos, como factos constitutivos do seu direito à liquidação do imposto.
5.3. É verdade que tal demonstração se basta com a prova dos factos que, segundo as regras da experiência, geram uma convicção séria da existência do negócio referido naquele $ 2º do art. 2º do CSisa. Ou seja, se no contrato promessa existe cláusula mediante a qual o promitente comprador se obriga a vender o prédio ao promitente comprador ou a quem este indicar e se a escritura definitiva vem a ser outorgada entre o primitivo vendedor e um terceiro, é razoável presumir que houve um ajuste da revenda do prédio entre o promitente comprador e o terceiro que, afinal, veio a outorgar na escritura como comprador. Mas estamos, aqui, perante uma presunção meramente judicial e, portanto, ilidível por prova em contrário (art. 351º do CCivil). Isto é, o promitente comprador pode demonstrar que, não obstante a aparência do negócio, não ocorreu o ajuste para revenda.
5.4. No caso dos autos, como se diz na sentença recorrida, perante a factualidade provada, nada permite concluir pela existência de tradição «stricto sensu» nem pela existência do ajuste de revenda.Como ali se diz, quer se tome a impugnante como autora de uma promessa pública (art. 459º do CCivil) ou de um concurso público (art. 463º do CCivil) ela apenas assumiu o compromisso de assegurar a propriedade de uma casa ao contemplado no sorteio por si organizado, sob condições de contrapartida a seu favor. Para isso, como alega a impugnante, tinha ela que proceder ao pagamento do imóvel seleccionado, por forma a que o objecto central do sorteio estivesse efectivamente disponível para a concretização do mesmo.Tal pagamento foi feito em 17/8/92 ao vendedor da casa, esta veio a caber em sorteio, realizado em 31/12/92, ao contemplado António J...a quem a respectiva propriedade foi transmitida por escritura de 10/5/93.Ora, embora, como se disse, o conceito de transmissão para efeitos de sisa não coincida exactamente com o conceito civil de transmissão (a lei fiscal integra nele realidades económicas - entre as quais a da já referida «traditio ficta» por via de ajuste de revenda, prefigurada no $ 2º do art. 2º do CSisa), no presente caso a factualidade provada (que é, no fundo, a mesma factualidade que foi apurada pela AT através da fiscalização efectuada à impugnante) não permite afirmar a existência de qualquer ajuste de revenda.É certo que a impugnante efectuou o pagamento de 5.000.000$00 a S.... Todavia, além de para este pagamento ter comparticipado (com a quantia de 3.500.000$00, embora esta quantia tenha sido entregue à impugnante a título de contributo do sorteio) a Sociedade Agro-Pecuária ..., Lda., na qualidade de principal fornecedor de carnes e com a qual a impugnante tinha formalizado contrato de fornecimento de carnes (cfr. Probatório, doc. de fls. 12 e 13 e nº 5 da informação oficial de fls. 24 e 25), também da restante factualidade provada só pode concluir-se, como faz a sentença recorrida, que quando fez tal pagamento a impugnante apenas quis assegurar que o então proprietário viesse a vender o imóvel, de modo a que, aquando do sorteio, estivesse na sua disponibilidade (ainda que não proprietária «de iure») a transmissão económica da casa, quer por caber em sorteio a alguém, quer por reverter a favor de quem o Governador Civil designasse, no caso de o prémio não vir a ser reclamado no prazo devido (cfr. parte final da informação oficial de fls. 24/25).O que resulta, pois, da factualidade provada nos autos, é que, pese embora a impugnante se tenha constituído como elo activo na transmissão económica do bem para o terceiro (visto que assegurou para o vendedor o negócio translativo, estabelecendo, porventura, com ele as condições de realização do negócio) e não obstante o negócio da transmissão tenha vindo a ser formalmente celebrado entre o vendedor e o cliente ganhador do sorteio, tal negócio não foi efectivamente realizado por via de revenda.Como diz a sentença, se bem que a impugnante tenha, nas circunstâncias, a posição de facto que é própria de quem tem o domínio de cedência da transferência económica, nem por isso cedeu a sua posição a título de venda, a troco de contrapartida sinalagmática de uma venda, provando-se antes que, pelo contrário, o fez por liberalidade (ainda que mediatamente possa ter tido algum ganho económico por via do incentivo promocional do concurso, ganho este que, a ter existido, é irrelevante para a questão do imposto aqui questionado, já que é a revenda económica a que fiscalmente releva).Conclui-se, pois, que a Fazenda não logrou provar a existência de qualquer ajuste de revenda.É verdade que, tal como a recorrente alega na parte final da Conclusão 5ª, citando jurisprudência do TT de 2ª Instância, a lei não exige que a «tradição» se processe através de contrato com «nomine iure» ou por via de um determinado formalismo externo de natureza civilística, sendo essencial apenas que haja ocorrido um «ajuste de revenda» do bem, que poderá revestir-se de um qualquer figurino jurídico entre o promitente comprador e um terceiro, intervindo este a final na escritura de compra e venda, na posição de comprador. Porém, no caso vertente, a recorrente não logrou, como se disse, fazer prova da existência de qualquer «ajuste de revenda», independentemente da forma ou figurino jurídico que o mesmo pudesse ter.Ora, se, como também já se disse, se tem aceitado a natureza inilidível da presunção contida no $ 2º do art. 2º do CSisa mas apenas desde que estejam provados os dois pressupostos de facto em que ela assenta (o ajuste, por parte do promitente comprador, de revenda do imóvel a terceiro e a posterior escritura de venda entre este terceiro e o primitivo promitente vendedor); se só quando estiverem verificados estes dois pressupostos de facto é que a lei faz funcionar a presunção de que houve tradição do prédio para o promitente comprador; e se a prova destes dois pressupostos de facto, compete, nos termos gerais (art. 342º nº 1 do CCivil), à Fazenda Pública (dado que tais pressupostos são os factos constitutivos do seu direito à liquidação do imposto e dado que a lei já não estabelece qualquer presunção quanto ocorrência desses pressupostos - aliás, à impugnante basta-lhe tornar duvidosos os factos conhecidos em que assenta a presunção natural em que a AT firma o seu entendimento de que se verificou o ajuste de revenda), então no caso em apreço só pode concluir-se, perante a factualidade provada nos autos, que a Fazenda não logrou fazer tal prova.E, assim sendo, a liquidação impugnada é ilegal por violação do disposto no citado $ 2º do art. 2º do CSisa, em que se fundamentou e tendo a sentença decidido por tal ilegalidade, decidiu de acordo com a lei aplicável, improcedendo, pois, todas as Conclusões do recurso.
DECISÃO
Termos em que acordam, em conferência, os juizes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em, negando provimento ao recurso, confirmar a decisão recorrida.Sem custas.
Lisboa, 26 de Outubro de 2004
ass: Casimiro Gonçalvesass: Ascensão Lopesass: José Gomes Correia
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Compilação e edição AM
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quarta-feira, fevereiro 23, 2005

Justificação notarial

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In Boletim dos Registos e Notariado – caderno II – Nov.10/2004

Proc. nº C.N. 107/2003 DSJ- CT – Justificação notarial – artº 92º
do Código do Notariado.

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O artigo 92º do Código do Notariado,
aprovado pelo D.L. nº 207/95, de 14 de Agosto,
dispunha:
“1- A justificação de direitos, que, nos
termos da lei fiscal, devam constar da matriz só é
admitida em relação aos direitos nela inscritos.
2- Além do titular da inscrição matricial, tem
legitimidade para outorgar como justificante quem
dele tiver adquirido, por sucessão ou por acto entre
vivos o direito a que a justificação respeita.”
A redacção deste artigo foi alterada pelo
D.L. nº 273/2001, de 13 de Outubro, passando a
dispor:
“1- A justificação de direitos, que, nos
termos da lei fiscal, devam constar da matriz, só é
admissível em relação aos direitos nela inscritos.
2- Além do pretenso titular do direito, tem
legitimidade para outorgar como justificante quem
demonstre ter legítimo interesse no registo do
respectivo facto aquisitivo, incluindo,
designadamente, os credores do titular do direito
justificando.”
Do confronto das duas redacções
verificamos que:
.
Se mantém o pressuposto da inscrição
matricial do direito que se pretende justificar,
sempre que o mesmo, nos termos da lei fiscal,
deva constar da matriz;
. Deixou de ser requisito para a outorga da
escritura de justificação que o direito a justificar
esteja inscrito na matriz em nome do justificante;
. Tem agora legitimidade para a outorga da
escritura aquele que se arroga titular do direito
(pretenso titular do direito) e aquele que demonstre
ter no registo do facto aquisitivo legítimo
interesse, designadamente os credores do titular do
direito.
O pressuposto da inscrição na matriz resulta
da necessidade de comprovar que uma dada
realidade física é havida como prédio, daí que, na
nova redacção dada ao artigo, este se tenha
mantido.
Porém, atento o disposto no artº 12º, nº 5, do
CIMI, segundo o qual a titularidade da inscrição
matricial não constitui presunção de propriedade, a
não ser para efeitos fiscais, o titular da inscrição
matricial e o pretenso titular do direito podem não
ser coincidentes.
Por outro lado, conferindo agora o normativo
em apreço legitimidade para outorgar como
justificante aquele que no registo do facto
aquisitivo demonstre ter legítimo interesse, tem
indubitavelmente legítimo interesse neste registo,
designadamente, aquele que, em virtude das
características da posse que vem exercendo, está
em condições de invocar a aquisição do direito
pela usucapião, embora, por vicissitudes várias,
não seja ele o titular da inscrição matricial.
Ora, tendo ainda em consideração que
. Nos termos do artigo 12º do CIMI, as
matrizes prediais constituem registos de que
constam, entre outros elementos, a identidade dos
respectivos proprietários;
. Os artigos 86º e 91º do mesmo Código
dispõem que as matrizes cadastrais rústicas e as
matrizes urbanas devem especificar o nome e a
identificação fiscal dos proprietários;
. No âmbito da legislação da reforma da
tributação do património a mudança de titular da
inscrição matricial se faz em face do título
aquisitivo.
O sujeito passivo do IMI pode,
eventualmente, ter de recorrer à justificação
notarial do seu direito a fim de obter título que lhe
permita dar cumprimento ao disposto no artigo 23º
do CIMI;
Parece, assim de concluir – em explicitação
da deliberação do Conselho Técnico tomada no Pº
CN 107/2003, cuja doutrina se reafirma – que:
I - A admissibilidade da justificação de direitos
sobre prédios (tal como na anterior formulação)
impõe a sua prévia inscrição na matriz;
II - Têm legitimidade para outorgar como
justificantes os titulares das inscrições
matriciais; porém, no actual contexto,
III - Tem-na também quem demonstre ter
legítimo interesse na justificação do direito e
respectiva aquisição tabular, designadamente os
credores do titular do direito justificando; como
é óbvio,
IV - Subsiste tal legitimidade para quem tenha
adquirido validamente do titular da inscrição,
por sucessão ou por acto entre vivos, o direito a
que a justificação respeita; finalmente
V - É pretenso titular do direito – e como tal
tem legitimidade para outorgar a escritura de
justificação – quem pretenda invocar a seu
favor a usucapião de direito de propriedade ou
de outro direito real sobre prédio
definitivamente inscrito na matriz em nome de
outrem.
Este parecer foi aprovado em sessão do
Conselho Técnico da Direcção-Geral dos Registos
e do Notariado de 30 de Novembro de 2004, com a
não subscrição da conclusão I pelo vogal Lic. José
Joaquim Carvalho Botelho.
Olga Maria Barreto Gomes, relatora, Luís
Carlos Calado de Avelar Nobre, João Guimarães
Gomes de Bastos, César Gomes, Maria Eugénia
Cruz Pires dos Reis Moreira, Vitorino Martins de
Oliveira, Joaquim Manuel Sales Guedes Leitão,
José Joaquim Carvalho Botelho.
Este parecer foi homologado por despacho
do Director-Geral de 03.12.2004.





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Compilação e edição AM



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Justificação notarial para estabelecimento do trato sucessivo, com base em usucapião

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In Boletim dos Registos e Notariado – caderno II – Nov.10/2004

Proc. nº R.P. 59/2003 DSJ-CT – Justificação notarial para
estabelecimento do trato sucessivo, com base em usucapião,
relativamente a prédio omisso na conservatória.
– Recusa do registo de aquisição, fundamentada
na descrição do prédio justificado e em lapso
ocorrido quanto à sua inscrição matricial. –
Relevância da comunicação à Conservatória
deste facto, e do despacho a ordenar a anulação
da inscrição na matriz, por parte do serviço de
Finanças competente.


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Registo a qualificar: Aquisição a favor do
recorrente do prédio urbano, inscrito na respectiva
matriz, em nome do justificante, sob o artigo 1957,
composto por uma parcela de terreno com a área
de 2400m2, em terreno não urbanizado, na
freguesia de …, concelho de …, não descrito na
conservatória.
O pedido de registo foi instruído por certidão
da escritura de justificação lavrada no … Cartório
Notarial de … e caderneta predial urbana do citado
artigo.
Resulta da escritura que o prédio veio à
posse do recorrente e esposa, casados em
comunhão geral de bens, por compra verbal a RT e
marido CM, e que, não dispondo de título formal
que lhes permita o respectivo registo, todavia já o
possuem, como dividido e demarcado,
anteriormente ao Dec.-Lei n.º 289/73, de 6/6,
verificando-se todos os factos materiais – que são
alegados e especificados – caracterizadores da
posse conducente à usucapião.
Da caderneta urbana apresentada decorre que
o prédio foi inscrito na matriz urbana no ano de
2002 e, quanto à sua proveniência, se encontrava
omisso.
O registo foi recusado, por despacho datado
de 22/01/03, cujos termos assentam
fundamentalmente no seguinte: o prédio, segundo
informação dos serviços de Finanças, só por lapso
foi inscrito na matriz, uma vez que não há
legislação que permita a inscrição matricial de
parcela de terra em terreno não urbanizado; o
prédio faz parte do descrito sob o n.º 00345, da
freguesia de …, com 3,42825 ha, do qual o
justificante é comproprietário, bem como, além de
outros, AMRM, confinante do prédio justificado.
A fundamentação legal da recusa reside nos:
“... art.s 49.º parágrafo 3.º do Código do Imposto
sobre as Sucessões e Doações1; e Código da
Contribuição Autárquica e art.s 68.º, 69.º n.º 2 do
Código do Registo Predial.”.
No recurso hierárquico interposto deste
despacho de recusa, que foi objecto da Ap.
18/140203, alega o recorrente que, até àquela data,
não havia sido notificado pela Repartição de
Finanças do concelho de … de qualquer anomalia
relativa à inscrição do seu prédio na matriz.
Estranha que a mesma conservatória emita uma
certidão com o prédio identificado como parcela
de terreno para construção, mas se recuse a fazer o
registo com base nessa certidão emitida pelos
respectivos serviços. Conclui pela afirmação de
que o prédio em causa nada tem a ver com a
descrição invocada no despacho de recusa “... o
que teria sido declarado na escritura de harmonia
com o art.º 112/3 do CRP se a certidão emitida
pela Conservatória que serviu de base à referida
escritura de justificação se tivesse feito alguma
referência relativamente à relação do prédio
justificado com o prédio descrito sob o n.º... ,
mencionado pela... Conservadora no seu...
despacho.”.
Sustentando a recusa, em 27/02/03, defende
a recorrida que, não obstante o facto sujeito a
registo ter sido titulado por uma certidão negativa,
a constatação, no momento da apreciação do
pedido de registo, de que o prédio, afinal, já se
encontrava descrito, ao tempo da passagem da
certidão, implica que o conservador qualifique esse
registo, de acordo com a situação jurídica do
prédio reflectida nas tábuas2. Afirma que o
recorrente não ignora que o prédio cujo registo
requer faz parte de um prédio descrito, pelo que a
satisfação da sua pretensão conduziria à
duplicação de descrições, com todos os
inconvenientes que daí advêm para o comércio
jurídico imobiliário. E conclui que a recusa do
registo “... veio ao encontro da pretensão da
Repartição de Finanças de … que em má hora
emitiu a caderneta predial que facultou ao
recorrente a possibilidade de realizar a escritura
– bem longe por sinal – da sede do concelho.”.
A invocada pretensão da Repartição de
Finanças de … mostra-se patenteada em dois
ofícios daquele Serviço, juntos aos autos, um
endereçado à Conservatória e outro ao recorrente,
com nota de conhecimento à Conservatória,
datados de 15/01/03 e 17/02/03, respectivamente,
de todo o modo, ambos posteriores à data a que se
reporta o registo em apreço: 13 de Novembro de
2002.
No primeiro daqueles ofícios pretendia-se
saber se o prédio inscrito na matriz predial urbana
da freguesia de …, sob o artigo 1957, em nome de
MTM, já se encontrava registado, e solicitava-se
que, em caso negativo, não se procedesse ao
registo até posterior informação daquele Serviço.
No segundo, veiculava-se um despacho do
respectivo Chefe de Finanças, no qual se
determinava – face à constatação de que a parcela
em causa ainda não estava registada na
Conservatória – que fosse anulada a referida
inscrição matricial3 e se verificasse a que prédio
rústico pertencia aquela porção de terreno com a
área de 2400 m2.
A posição do Conselho vai expressa na
seguinte
Deliberação
I – A escritura de justificação notarial para
estabelecimento do trato sucessivo tem lugar
relativamente a prédios não descritos ou
descritos mas sobre os quais não incida
inscrição de aquisição, de domínio ou de mera
posse, e é instruída por certidão comprovativa
da omissão dos prédios no registo ou, estando
descritos, certidão de teor da respectiva
descrição e de todas as inscrições em vigor e
certidão de teor da inscrição matricial
correspondente (arts. 89.º e 98.º, n.º 1, alíneas a)
e b) do Cód. do Notariado).
II – A inscrição na matriz do prédio objecto da
escritura é pressuposto essencial da sua
admissibilidade, na medida em que constitui
presunção da existência material do prédio
justificando, enquanto que a titularidade do
assento matricial não se apresenta como
condição ou requisito de legitimidade para
outorgar esse título, na qualidade de justificante
(art.º 92.º, n.ºs 1 e 2, respectivamente, cit.
Cód.).4
III – A escritura de justificação lavrada nos
termos prescritos nas duas conclusões
precedentes e da qual conste a alegação e a
especificação dos factos materiais que
consubstanciam a posse conducente à usucapião
não padece, em princípio, de qualquer vício que
corporize algum dos fundamentos legais de
recusa elencados no art.º 69.º do Código do
Registo Predial.
IV – A função qualificadora do Conservador
tem de se desenvolver no estrito cumprimento
do princípio da legalidade (art.º 68.º do Código
do Registo Predial), o que lhe veda a utilização
para o efeito, de documentos não apresentados
para a instrução do respectivo pedido de registo
– designadamente, os obtidos, em data posterior
à da apresentação, por intermédio de outros
serviços.
V – O despacho de anulação da inscrição
matricial de um prédio, por parte da
Administração Fiscal5, deverá ter tradução nas
tábuas, ao nível da descrição predial.
VI – Pode o conservador, no desempenho da
sua função qualificadora, ao apreciar a
viabilidade do pedido de registo, detectar
conexões entre o prédio titulado como omisso –
face à certidão negativa da conservatória que
instruiu a escritura – e um prédio já descrito no
momento da passagem dessa certidão, o que o
condiciona a qualificar o registo face à situação
jurídica desse prédio espelhada nas tábuas.
VII – Na sequência do exposto na conclusão
anterior, existindo motivos – designadamente, a
existência de uma inscrição de aquisição em que
são comproprietários o justificante e o
confinante do prédio objecto da justificação –
que legitimem o estado de dúvida sobre se o
prédio objecto da justificação está integrado
num outro prédio descrito, o registo do facto
aquisitivo (usucapião) deverá ser efectuado
provisoriamente por dúvidas.
VIII – Já a identificação do prédio como uma
parcela de terreno inscrita na matriz urbana,
associada ao facto da respectiva inscrição
matricial se reportar ao ano de 2002, capaz de
suscitar, na questão “sub judice” a necessidade
de comprovação do licenciamento das
operações de loteamento urbano6, se mostra
arredada pela alegação, inserta na escritura, de
que a posse sobre o prédio “já dividido e
demarcado”, remonta a data anterior ao Dec.-
Lei 289/73, de 6/6.
Pelo que é entendimento do Conselho que o
recurso merece provimento parcial, devendo o
registo ser efectuado provisoriamente por dúvidas.
Esta deliberação foi aprovada em sessão do
Conselho Técnico da Direcção-Geral dos Registos
e do Notariado de 30 de Novembro de 2004, com
declaração de voto do vogal Lic José Joaquim
Carvalho Botelho.
Maria Eugénia Cruz Pires dos Reis Moreira,
relatora.
Esta deliberação foi homologada por
despacho do Director-Geral de 03.12.2004.
Declaração de voto
Subscrevo a Deliberação, exceptuando a
conclusão II.
José Joaquim Carvalho Botelho




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Compilação e edição AM

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Proc. nº R.P. 349/2003 DSJ-CT – Registo de decisão judicial – duplicação parcial de descrições.

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In Boletim dos Registos e Notariado – caderno II – Nov.10/2004

Proc. nº R.P. 349/2003 DSJ-CT – Registo de decisão judicial – duplicação parcial de descrições.

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1. DFC e mulher, MCF, representados pela
Dra SR, Advogada, vêm interpôr recurso
hierárquico da decisão da … Conservatória do
Registo Predial de … em qualificar como
provisório por dúvidas o registo pedido sob a
ap.06/29102003, e incidente sobre o prédio 868 da
freguesia de … .
2. O registo em questão, requisitado como
“registo de sentença”, foi, efectivamente, lavrado
como provisório por dúvidas, tendo a senhora
Conservadora recorrida, no seu despacho,
fundamentado essa qualificação com o facto de se
ter pedido o registo apenas sobre a descrição 868
da freguesia de … . Ora, a decisão judicial com
que se titula o pedido declara a nulidade da
escritura de justificação e consequente registo
sobre o prédio inscrito na matriz sob o artº 3100,
artigo este que corresponde a uma descrição
autónoma, que é a 1304 da mesma freguesia,
registada a favor dos réus nessa acção. Por outro
lado, refere ainda que sobre este prédio nº 1304
incide uma inscrição de hipoteca, e não se
verificou a intervenção deste credor na acção
judicial.
3. Alegam os recorrentes, em resumo, o
seguinte: aceitando, embora, a provisoriedade
oposta quanto à discrepância das descrições
prediais, que irá ser removida, não se conformam
com a questão da falta de intervenção do credor
hipotecário na acção, enquanto terceiro de boa fé
protegido pelo dispositivo dos artºs 5º e 17º do
Codº Regº Predial e artº 291º Codº Civil. Com
efeito, na óptica dos recorrentes, apenas gozam
dessa protecção os adquirentes de boa fé, que não
o credor hipotecário. Isto porque “o banco deles
nada adquiriu e eles nada lhe transmitiram”. E, de
qualquer forma, o Banco pode sempre ver o seu
direito de crédito satisfeito por outra forma, pois
tem a seu favor apenas uma garantia real que pode
ser paga com o imóvel em questão ou com outros
bens dos devedores.
Terminam pedindo a revogação do despacho
de provisoriedade por dúvidas.
4. Sustentando a sua decisão, vem dizer a
senhora Conservadora recorrida, também em
síntese, que a escritura de justificação declarada
nula não incide sobre a descrição 868, nem sobre
esta está lavrado qualquer registo titulado por tal
justificação. Embora “resulte da decisão” que o
prédio justificado foi construído nessa descrição,
ele está hoje autonomizado sob o nº 1304,
descrição essa aberta exactamente com a
justificação em causa, pelo que o pedido de registo
não deveria incidir sobre a descrição 868 mas
sobre a 1304, descrição esta que só localizou em
busca feita pelo artigo de matriz.
Por outro lado, salienta que não tomou
qualquer posição sobre eventual registo da decisão
sobre esta descrição 1304, apenas fez notar a
existência de credor hipotecário que não foi parte
na acção, pelo que “a argumentação invocada
pelos recorrentes excede o âmbito do despacho
proferido”. Mas, ainda assim, manifesta a opinião
de que, se fôr pedido o registo do cancelamento da
inscrição de aquisição sobre o prédio 1304, deverá
este pedido ser recusado, já que tal cancelamento
provocaria a queda da inscrição hipotecária,
ficando desprotegidos os interesses do credor, que
devem ser salvaguardados uma vez que registados
antes do registo da decisão de nulidade.
5. O processo é o próprio e tempestivamente
intentado, as partes são legítimas e não existem
questões prejudiciais que obstem ao seu
conhecimento, pelo que se emitirá parecer.
6. A situação factual é a seguinte, tal como
resulta dos autos: encontra-se registado o prédio
868 da freguesia de …, prédio este rústico, com
9870m2, o qual se encontra inscrito em
compropriedade, de que 87/110 avos pertencem,
por sucessão hereditária, ao conjunto dos
interessados nesta questão, e 23/110 a terceiras
pessoas.
A fracção de 87/110 foi partilhada entre os
herdeiros do seu dono original, sendo que, para se
encontrar divisor que não resultasse em fracção
decimal se obteve como verba a partilhar
equivalente a 87/110 a de 435/550 do prédio.
Assim, a cada um dos herdeiros coube 87/550
desse prédio. Posteriormente, MFC adquiriu e
registou a fracção de 87/550 que fora adjudicada a
JFC, pelo que lhe pertencem agora 174/550 do
prédio. Posteriormente, este M construiu nesse
terreno uma casa de habitação que fez inscrever na
matriz sob o artº 2741º, mas nada foi levado ao
registo.
MFC celebrou em 9 de Outubro de 1995
uma escritura de justificação, dela fazendo constar
esta mesma habitação, agora inscrita na matriz sob
o artº 3100 (que refere provir do 2741), casa esta
referida como não descrita na Conservatória.
Assim sendo, tal casa veio a ser registada
sob o nº1304 da mesma freguesia, com área
coberta de 150m2 e logradouro de 108m2, inscrita
a favor dos justificantes MFC e mulher FGG.
Posteriormente, em 3 de Março de 2003, foi
inscrita nesse prédio 1304 uma hipoteca voluntária
a favor do Banco …, S. A., que se encontra em
vigor.
Os comproprietários MCF e marido DFC
intentaram, em 1998, uma acção pedindo a
declaração de nulidade dessa escritura de
justificação, tendo sido decidida na primeira
instância (e confirmada na Relação) a nulidade do
acto jurídico justificação, por falta de fundamento
legal a seu favor (acto jurídico este que não é um
negócio jurídico, daí resultando descabida a
referência feita ao artº 291º do Código Civil). Com
base nessa sentença, transitada, veio a ser pedido o
registo da decisão, mas sobre a descrição 868, o
que motivou, prima faciae, o levantamento da
provisoriedade por dúvidas que originou o recurso
que está em tabela.
7. Analisando a petição do presente recurso,
parece-nos que os recorrentes não impugnam o
verdadeiro motivo da provisoriedade levantada,
que foi a discrepância entre o pedido de registo
sobre a descrição 868 (a qual não contém qualquer
inscrição baseada nessa escritura de justificação) e
os títulos apresentados que, embora sem referir o
número da descrição, apontam para um registo
autónomo dessa escritura sobre uma descrição
predial própria, que se revelou, pelas buscas feitas,
ser a 1304. Antes, pelo contrário, com ela se
conformam, ao afirmarem que irão remover
parcialmente as dúvidas, “estendendo o pedido de
decisão judicial em causa ao artigo matricial
3100, descrição 1304/…”. Fazem, isso sim,
centrar o fundamental da sua argumentação na
tentativa de afastamento da necessidade de
protecção do credor hipotecário inscrito.
No seu despacho de sustentação, interroga-se
a senhora Conservadora recorrida se não deveria
ter recusado o pedido (em vez de o lavrar como
provisório por dúvidas), com fundamento no facto
de ter sido pedido sobre descrição diferente
daquela a que correspondia a questão. E, em boa
verdade, nos parece que melhor se aplicaria a
recusa, (nos termos do artº 69º nº 1 alª b) do Codº
Regº Predial), uma vez que o facto objecto do
pedido não está titulado nos documentos
apresentados. O Conservador não pode, de
maneira nenhuma, “convolar” o pedido para outro
prédio, alterando, assim, não só o objecto do
pedido mas também o que está exarado no livro
Diário. E, consequentemente, não se vislumbra
maneira de vir a converter em definitiva a
inscrição provisória por dúvidas com esse
fundamento.
8. Resulta ainda dos autos a existência de
uma clara duplicação parcial de descrições, pois
que não restam dúvidas que o edifício descrito sob
o nº 1304 foi na verdade construído no terreno da
descrição 868. E, assim sendo, mesmo que o
Conservador não possa seguir o preceituado no artº
86º do Códº do Registo Predial (que se aplica aos
casos de duplicação total de descrições) deverá, no
entanto, anotar às descrições respectivas a sua
duplicação parcial.
9. No que respeita à problemática da
eventual protecção dos interesses do credor
hipotecário inscrito na descrição 1304, somos de
opinião que não devemos sobre ela emitir opinião
neste momento já que, claramente, não está agora
em tabela. Só o poderá estar quando, e se, o registo
fôr pedido sobre essa descrição, o que não é o
caso. Por isso, não entendemos correcto que este
Conselho se possa antecipar ao Conservador
competente (aquele que nesse momento fôr titular
do lugar) na decisão sobre essa matéria que este,
em sede de qualificação, entenda nessa altura
tomar.
Por tudo o exposto, somos do parecer que o
recurso não merece provimento, mas deverá a
senhora Conservadora recorrida anotar aos prédios
a duplicação parcial. Extrai-se, enfim, a seguinte
Conclusão
Deve ser recusado, (nos termos da alª b) do nº 1
do artº 69º do Código do Registo Predial) e não
qualificado como provisório por dúvidas, o
pedido de registo requisitado sobre
determinado prédio sempre que resulte da
análise dos documentos apresentados que esse
registo deva ser inequivocamente lavrado sobre
diferente descrição.
Este parecer foi aprovado em sessão do
Conselho Técnico da Direcção-Geral dos Registos
e do Notariado de 18 de Novembro de 2004.
Luís Carlos Calado de Avelar Nobre,
relator, João Guimarães Gomes de Bastos, Maria
Eugénia Cruz Pires dos Reis Moreira, Maria
Raquel Sobral Alexandre, Vitorino Martins de
Oliveira.
Este parecer foi homologado por despacho
do Director-Geral de 22.11.2004.




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Compilação e edição AM


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Registo provisório por natureza de acção com pedido de cancelamento da única inscriçãde aquisição em vigor sobre o prédioo

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In Boletim dos Registos e Notariado – caderno II – Nov.10/2004

Proc. nº R.P. 119/2003 DSJ-CT – Apresentação
por telecópia das petições de impugnação das
decisões do Conservador em matéria de
qualificação dos registos – data da prática do
acto. – Registo provisório por natureza de acção
com pedido de cancelamento da única inscrição
de aquisição em vigor sobre o prédio –
Desarmonia quanto à área deste entre a
descrição e as inscrições matriciais – anotação à
descrição dos novos artigos e áreas.



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O prédio da ficha nº 143 – … é urbano, com
a área coberta de 110m2, e inscrito na matriz sob o
artigo 286, e foi assim inicialmente descrito para a
primeira inscrição de aquisição a favor de MP, c.c.
MALL, por compra a AP e mulher MOC (Ap.
01/310398).
Em 26 de Julho de 2000 foi rectificada a
descrição no sentido de que o prédio tinha a
superfície coberta de 55m2.
Pela citada Ap. 05, de 21 de Março de 2003,
o ora recorrente pediu o registo da acção com
processo sumário nº 442/2002, que corre termos no
1º Juízo do Tribunal Judicial de …, instaurada
contra os sujeitos activos e passivos do contrato de
compra e venda objecto imediato da inscrição de
aquisição anteriormente referida, em que o autor
pede que seja decretada a nulidade do negócio
jurídico, com as legais consequências.
Juntou ao pedido de registo, para além da
certidão judicial, certidão da inscrição matricial
dos artigos urbanos 502 e 503, ambos inscritos em
nome de MP e dele recorrente, que provieram da
eliminação por discriminação (Pº 22/2001) do
artigo urbano 286.
O registo foi qualificado também como
provisório por dúvidas, porque o artigo 502 tem a
área total de 174m2 e o artigo 503 tem a área total
de 202m2, existindo assim divergência quanto à
área entre a descrição predial e a inscrição
matricial.
O despacho de qualificação foi notificado ao
apresentante em 4 de Abril de 2003.

Do despacho de qualificação foi interposto o
presente recurso hierárquico, através de telecópia
em que se utilizou, na transmissão, equipamento
de fax privado, completamente recebida na
Conservatória recorrida no dia 5 de Maio de 2003,
às 16 horas e 23 minutos.
O original da petição de recurso foi recebido
na Conservatória recorrida em 6 de Maio de 2003
(dia seguinte).
Resulta dos autos (a anotação da
apresentação no Diário está feita no original e da
telecópia nada consta) que a petição de recurso
enviada por telecópia não foi apresentada no
Diário nem rejeitada a apresentação e o original
dessa petição foi apresentado sob o nº 1, em 6 de
Maio de 2003.
Dão-se aqui por integralmente reproduzidos
os termos da petição de recurso.
Também se dá por integralmente
reproduzido o conteúdo do despacho de
sustentação.
A posição deste Conselho vai expressa na
seguinte
Deliberação
I - Nos casos em que é admitida a apresentação
por telecópia das petições de impugnação das
decisões do conservador em matéria de
qualificação dos registos vale como data da
prática do acto a da apresentação no Diário do
requerimento do recurso transmitido por
telecópia, que é a do dia seguinte à recepção se
esta ocorrer entre as 16 e as 24 horas [cfr. art.
45º, nº 3, b), do CRCom, aplicável por analogia]

II - O registo provisório por natureza de acção
com pedido de declaração de nulidade do
contrato de compra e venda objecto imediato da
inscrição de aquisição que irá ser cancelada se a
acção proceder, aliás única inscrição em vigor
sobre o prédio – do que resultará que o prédio
ficará então, em caso de procedência da acção,
sem qualquer direito inscrito -, não deve ser
inviabilizado – designadamente, com a
qualificação do registo como provisório por
dúvidas – pela circunstância de não haver
harmonia quanto à área do prédio entre a
descrição e as novas inscrições matriciais que
resultaram da eliminação, por discriminação,
do artigo que figura na descrição; neste caso, a
publicidade registal e a segurança do comércio
jurídico ficarão asseguradas com a anotação à
descrição, dependente do registo da acção, dos
novos artigos e áreas, de tal sorte que a
anotação será convertida em averbamento se
for averbada ao registo da acção a decisão final
de procedência, e será inutilizada se o registo
da acção caducar ou for cancelado (cfr. art. 90º,
nº 2, do C.R.P.)

Nos termos expostos, é entendimento deste
conselho que o recurso deverá ser indeferido, por
ter sido interposto fora do tempo (cfr. art. 687º, nº
3, do C.P.C.).
Não obstante, entende ainda o Conselho que
a qualificação do registo como provisório por
dúvidas não tem fundamento, pelo que o
interessado deverá ser convidado a peticionar a
requalificação deste registo através do expediente
do pedido de remoção das dúvidas, para o que
apenas terá que juntar nova certidão matricial
(porque a que apresentou já caducou – art 31º, nº
1, C.R.P.) 3.
Finalmente, entende o Conselho que, para
completa elucidação da posição aqui assumida, na
diligência de notificação ao interessado se lhe
deve dar também conhecimento do citado parecer
emitido no Pº R.P. 357/2003 DSJ-CT.
Esta deliberação foi aprovada em sessão do
Conselho Técnico da Direcção-Geral dos Registos
e do Notariado de 18 de Novembro de 2004, com
declaração de voto dos vogais Lic. Maria Raquel
Sobral Alexandre e Lic. Luís Carlos Calado de
Avelar Nobre.
João Guimarães Gomes de Bastos, relator.
Esta deliberação foi homologada por
despacho do Director-Geral de 23.11.2004.
Declaração de voto
Na esteira da conclusão 6 da deliberação
constante do Pº 340/2002 DSJ-CT (BRN nº
5/2004), abstenho-me de me pronunciar sobre o
mérito da causa.
Maria Raquel Sobral Alexandre.
Declaração de voto
Voto o indeferimento do recurso, abstendome
de me pronunciar sobre o mérito da questão,
uma vez que entendo não o dever fazer porque o
processo foi interposto intempestivamente.
Luís Carlos Calado de Avelar Nobre.



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Compilação e edição AM


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terça-feira, fevereiro 22, 2005

SOLICITADOR. PODERES FORENSES. SUBSTABELECIMENTO

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Solicitador. Poderes forenses. Substabelecimento
Artº 1778º do CC, Artº 32º, 37º e 60º do CPC
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Tendo sido confiados poderes forenses gerais a um solicitador que subscreve a acção inicial, cujo valor não obrigava à intervenção de advogado, e tendo posteriormente esse valor sido alterado, passando a exigi-la, poderá aquele substabelecer em advogado os poderes que lhe foram confiados pelos mandantes, sem necessidade destes outorgarem nova procuração, não excedendo, por força desse substabelecimento, o mandato.

AgravoProc. nº2933 /2000Acórdão de 19/12/2000Relator: Serra Baptista
Tribunal da Relação de Coimbra

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DIREITO DE PREFERÊNCIA

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DIREITO DE PREFERÊNCIA
01-02-2005

Sumario
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I – Os proprietários de terrenos confinantes apenas gozam do direito de preferência consagrado nos artºs 1380º, nº 1, do C. Civ., e 18º do DL nº 384/88, de 25/10, em caso de venda, dação em cumprimento ou aforamento, caso o adquirente do prédio transmitido não seja ele mesmo proprietário de outro prédio confinante com o transmitido .II – Com o conceito de “ terrenos confinantes “ do artº 1380º do C. civ. , a lei visa o chamado emparcelamento agrícola ou acto de juntar prédios vizinhos, limítrofes ou confinantes entre si, ou parcelas de terrenos agrícolas com estremas comuns , de tamanho reduzido, em propriedades maiores, com vista a evitar-se o chamado minifúndio e a tornar mais fácil e economicamente viável o amanho conjunto dessas terras, a fim de se melhorar as condições técnicas e económicas da exploração agrícola .III – Nos casos de concurso de direitos de preferência entre dois prédios, em que um deles é confinante com o prédio transmitido e o outro tem sobre si um ónus de servidão de passagem a favor do prédio transmitido, mas sem haver confinância ente ambos, a lei conferiu prioridade na preferência ao dono do prédio confinante.

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Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra :
I
No Tribunal Judicial da Comarca de Seia, a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de A..., representada pelos herdeiros B..., C... e mulher D..., e por E..., todos devidamente identificados nos autos, instaurou contra F... e mulher G..., residentes no lugar de Malta, Pinhel; e contra H... e mulher I..., residentes na Rua da Fonte, Eirô, Santa Marinha, Seia, a presente acção declarativa, com processo sumário, pedindo a condenação dos R.R. a reconhecerem à A. o direito de preferência na venda do prédio que identificam, sendo os 2ºs R.R. substituídos pela herança autora nessa compra e no lugar do comprador, com condenação a largarem mão do prédio a favor da autora .Alegou , muito em resumo, que a autora é dona e legítima possuidora de um prédio rústico sito às Fontainhas, composto de terra de cultura com oliveiras, árvores de fruto e vinha, com a área de 2454 m2, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Santa Marinha sob o artigo 1213, prédio esse que adveio à dita herança por sucessão de J..., pai da autora da herança .Que por escritura pública de 27/11/95 os 1ºs R.R. venderam aos 2ºs R.R. um prédio rústico composto de terra de cultura com vinha e pastagem, sito nas Fontaínhas, com a área de 1000 m2, o qual confronta pelo poente com o prédio da herança autora supra referido, inscrito na matriz rústica da freguesia de Santa Marinha sob o artigo 1214, venda essa efectuada pelo preço de Esc. 700.000$00 .Que devido à referida confinância a herança autora tem direito de preferência na aludida compra e venda, nos termos do artº 1380º, nº 2, al. b), do C. Civ., dado que em ambos os prédios estão implantadas culturas arvenses e hortícolas .Que não sendo os R.R. compradores proprietários de outro prédio confinante com o prédio alienado, nada obsta ao exercício do apontado direito de preferência, dado que não foram comunicas as condições da aludida venda aos agora interessados no prédio vendido , o que apenas chegou ao seu conhecimento há cerca de um mês antes da propositura da acção .Pela autora foi efectuado o depósito nos autos de Esc. 771.920$00 .
II
Contestaram apenas os 2ºs R.R., alegando, muito em resumo, que são donos de um prédio rústico confinante com o prédio objecto da acção, prédio esse composto de terra de cultura com videiras, inscrito na matriz rústica da freguesia de Santa Marinha sob o artigo 1238, o qual confronta pelo lado sul com o prédio em causa .Que, por isso, carece a autora de qualquer direito de preferência na compra e venda havida, nos termos do nº 1 do artº 1380º do C. Civ. .Que, além disso, o prédio objecto da acção é encravado, com um único acesso através de uma carreteira que na sua maior extensão se desenvolve através de outro prédio rústico dos R.R., a que corresponde o artigo 1251 da freguesia de Santa Marinha, o que confere o direito de preferência na sua aquisição aos R.R. .Terminaram pedindo a improcedência da acção .
III
Respondeu a herança autora, onde mantém a sua pretensão e negando a situação de prédio encravado ao prédio objecto da preferência .
IV
Terminados os articulados foi proferido despacho saneador, no qual foi reconhecida a regularidade adjectiva da acção, com selecção da matéria de facto alegada e tida como relevante para efeito de instrução e de discussão da causa .Essa selecção foi objecto de reclamação por parte da autora, o que foi atendida em parte .Seguiu-se a realização da audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova testemunhal nela produzida , finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória, o que não foi objecto de qualquer reclamação .Proferida a sentença sobre o mérito da causa, nela foi decidido julgar a acção procedente, com o consequente reconhecimento do direito de preferência invocado pela herança autora .
V
Dessa sentença interpuseram recurso os R.R. contestantes, recurso esse que foi admitido como apelação .Em acórdão desta Relação de 12/10/1999 – fls. 119 a 129 - , que apreciou esse recurso, foi decidido anular a sentença proferida e que fosse repetido o julgamento em relação a novos quesitos que foram mandados aditar à base instrutória .Aditados os novos quesitos – fls. 143 - , procedeu-se à realização de uma peritagem, seguida da realização da nova audiência de discussão e julgamento, com gravação dos depoimentos testemunhais produzidos, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto constante dos quesitos aditados, o que não mereceu qualquer reclamação das partes .Seguiu-se nova sentença sobre o mérito da causa, na qual foi decidido julgar a acção improcedente, por não provada, com a consequente absolvição dos R.R. dos pedidos .
VI
Desta sentença recorreu a autora, recurso este que foi admitido como apelação e com efeito devolutivo .Em acórdão desta Relação de 11/02/2003 – fls. 218 a 224 - , que apreciou esse recurso, foi decidido ( voltar a ) anular a ( segunda ) sentença proferida e que fosse repetido o julgamento em relação a matéria alegada e não anteriormente quesitada e que foi mandada aditar à base instrutória .Elaborado um novo quesito – fls. 258 - , procedeu-se a uma terceira audiência de discussão e julgamento, com realização de uma inspecção judicial ao local, conforme fls. 256 a 261, com gravação dos depoimentos então prestados, finda a qual foi proferida nova decisão sobre o quesito aditado, com indicação da respectiva fundamentação , o que não mereceu qualquer reclamação das partes .Proferida nova (a terceira ) sentença sobre o mérito da causa, foi decidido julgar a acção improcedente, por não provada, com a consequente absolvição dos R.R. dos pedidos .
VII
Desta sentença voltou a recorrer a autora, recurso admitido como apelação e com efeito devolutivo , recurso este que está pendente de reapreciação por esta Relação.Nas alegações que apresentou a agora Apelante concluiu da seguinte forma :1ª - Há contradição entre a fundamentação da matéria de facto provada e a conclusão que dela se tira .2ª - As propriedades 1238 e 1214 são separadas por uma levada, como se depreende da fundamentação .3ª - Podendo a simples leitura do quesito levar em erro .4ª - A conjugação da matéria de facto provada e da sua fundamentação leva a que se interprete pela declaração inequívoca de que entre as duas propriedades há uma levada de 30 cms de largura e com uma passagem a pé que a acompanha .5ª - O levantamento topográfico é claro na descrição do único ponto que o 1238 e o 1214º se aproximam .6ª - Mesmo esse ponto é separado pela levada .7ª - A existência de uma levada não afasta por si só a confinância .8ª - Esta será afastada pela levada e pela impossibilidade económica de se proceder ao verdadeiro emparcelamento, provado também pelo levantamento topográfico .9ª - Este é o objectivo do artº 1380º do C. Civ. .10ª - Esse emparcelamento, tendo em conta o objectivo do artº 1380º, é inatingível, dada a separação pela levada, a impossibilidade de passagem de veículos agrícolas e da impossibilidade legal de se cobrirem passagens de cursos de água não navegáveis sem a devida licença .11ª - Tal situação não foi alegada, quanto à licença, nem provada quanto à viabilidade económica do emparcelamento .12ª - A situação que releva é a de 27 de Novembro de 1995, data em que essas autorizações não existiam e em que a configuração das propriedades era a que se relatou posteriormente no levantamento topográfico, levantamento este que nunca foi impugnado .13ª - Não sendo ele economicamente viável, a separação física pela levada é, conjugada com a questão económica, suficiente para excluir a confinância .14ª - Pelo que, não sendo confinante, a preferência dos A.A. tem que proceder .15ª - Foi violado o artº 668º, 1, c), do CPC, e o artº 1380º do C. Civ. , tendo a sua aplicação sido errada, no que diz respeito aos factos dados como provados .16ª - Termos em que deve ser alterada a decisão de 1ª instância e ser declarada procedente a acção .
VIII
Contra-alegaram os Apelados, onde defendem que é de manter a sentença recorrida, dado que o prédio objecto da preferência é confinante com um outro de que é proprietário o adquirente – apelados .
IX
Nesta Relação foi aceite a última apelação deduzida, tal como foi admitida em 1ª instância, tendo-se procedido à recolha dos necessários “ vistos “ legais, sem qualquer observação, pelo que nada obsta ao conhecimento do objecto do dito recurso, objecto esse que se pode resumir às seguintes questões , tendo-se em conta as conclusões formuladas pela Apelante :A – Deve ou não ser considerado que os Apelados são proprietários de um prédio confinante com o prédio objecto do exercício do direito de preferência por parte da Apelante ?B- Consequências jurídicas daí resultantes para o exercício do direito de preferência pela Apelante ?Considerando que a matéria de facto dada como assente em 1ª instância, depois dos sucessivos aditamentos de quesitos à base instrutória, não voltou a ser impugnada, nem se alcançam razões sérias para modificar tal matéria oficiosamente, há que considerar como definitivamente resolvida a definição dessa matéria, o que se assume, a qual é constituída pelos seguintes pontos, tal como resulta da sentença recorrida :1 – Por escritura pública de 27/11/1995, os R.R. F... e mulher G... declararam vender ao R. H..., e este declarou aceitar tal venda, pelo preço de Esc. 700.000$00, um prédio rústico sito nas Fontaínhas, freguesia de Santa Marinha, concelho de Seia, composto de terra de cultura com vinha e pastagem, com a área de 3.469 m2, prédio esse inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1214, o qual se acha descrito na Conservatória do Registo Predial de Seia sob o nº 000385/940126 .2 – O acesso a esse prédio bem como a um outro pertença de Manuel Madeira, faz-se unicamente através de uma carreteira em terra batida, com a largura de cerca de 2 metros, desprovida de vegetação, a qual se desenvolve, na sua maior extensão, através de um prédio rústico inscrito na matriz da freguesia de Santa Marinha sob o artigo 1251, a qual partindo de um caminho público situado a nascente deste último se desenvolve para sul desse mesmo caminho, através do referido prédio e até à sua estrema, por ela circulando as pessoas que se dirigem ou retomam dos referidos prédios , quer a pé quer com animais, bem como com tractores agrícolas, o que fazem na convicção de exercerem um direito próprio e de não lesarem direitos alheios, o que vem acontecendo há mais de 30 anos e de forma ininterrupta e sem oposição de quem quer que seja .3 – Os R.R. H... e mulher são ainda donos do prédio rústico sito às Fontaínhas, limite de Santa Marinha, composto de terra de cultura com oliveiras, macieiras e videiras, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1251 .4 – O prédio identificado no ponto 1 supra foi adquirido pelo R. F... por adjudicação em partilha extrajudicial havida por óbitos de Manuel da Cruz Fonseca e mulher Maria de Lurdes Correia .5 – Em 27 de Novembro de 1995 e ainda hoje existia e existe, imediata e a norte do prédio rústico descrito no ponto 1 supra, uma levada de água corrente, no sentido nascente-poente, cujo leito tinha e tem cerca de 30 cms de largura, destinada ao abastecimento de água dos campos de cultivo por onde passa, entre os quais figura o prédio rústico inscrito na matriz respectiva sob o artigo 1238 .6 – Encontra-se inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Santa Marinha, concelho de Seia, sob o artigo 1213, um prédio rústico sito às Fontaínhas, composto de terra de cultura com oliveiras, árvores de fruto e vinha, com a área de 3340 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Seia sob o nº 000551/960716, e com inscrição em nome da herança autora, sem determinação de parte ou direito .7 – O prédio referido no ponto 6 supra adveio a A... por sucessão de J..., pai daquela .8 – Antes da herança autora já a falecida Maria Alice e seu marido B... , e antes deles os pais e avós da dita Maria Alice vinham praticando culturas no referido prédio, frutificando-o, pagando as contribuições e fazendo as benfeitorias necessárias, de forma continuada, há mais de 50 anos, na convicção de exercerem um direito próprio, sem qualquer oposição e à vista de toda a gente .9 – Os R.R. H... e mulher são proprietários de um prédio rústico sito às Fontaínhas, freguesia de Santa Marinha, composto de terra de cultura com videiras, inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo 1238, com a área de 754 m2 .10 – Os R.R. H... e mulher herdaram o prédio referido no ponto 9 supra , sendo eles quem, desde há mais de 20 anos, vem retirando todas os frutos, as utilidades e rendimentos do referido prédio, quem o vem cultivando, quem o semeia, de forma ininterrupta, com o conhecimento de toda a gente, sem qualquer oposição e na convicção de exercerem um direito próprio e de não estarem a lesar direitos alheios .11 – Só cerca de 30 dias antes da entrada em juízo da presente acção é que a herança autora soube da venda referida no ponto 1 supra .
***
Conforme resulta dos anteriores dois acórdãos desta Relação, o facto ou questão mais importante a apurar, e para o que foram ordenadas já duas repetições do julgamento, reside em determinar-se se existe ou não confinância entre o prédio objecto da preferência exercida na causa ( com o artigo rústico nº 1214 ) e algum prédio dos R.R. seus adquirentes, designadamente aquele com o artigo matricial rústico nº 1238 - veja-se o Ac. de 12/10/1999, a fls. 127; e o Ac. de 11/02/2003, a fls. 221vº .Isto porque, tal como se acentua nesses anteriores acórdãos, também nós entendemos que os proprietários de terrenos confinantes apenas gozam do direito de preferência consagrado nos artºs 1380º, nº 1, do C. Civ. ; e 18º do DL nº 384/88, de 25/10, em caso de venda, dação em cumprimento ou aforamento, caso o adquirente do prédio transmitido não seja ele mesmo proprietário de outro prédio confinante com o transmitido .Se assim não acontecer, isto é, se a venda for efectuada a proprietário de outro prédio também ele confinante com o prédio objecto do exercício do direito de preferência, deixa de ter lugar o apontado direito de preferência a favor de qualquer outro proprietário igualmente confinante .Já o defendemos nos Ac.s desta Relação proferidos nas Apel. nºs 3258/03 e 3899/03, respectivamente de 25/11/03 e de 20/01/04, e foi assim entendido, entre muitos outros arestos, nos seguintes : R.C. de 17/2/78, in C. J. 1978, 3º, pg. 687; Ac. STJ de 18/11/93 e de 7/07/94, in, respectivamente, C.J. STJ ano I, tomo III pg. 141 e BMJ 439, 562; da Rel. Év. de 14/03/2002, C.J. ano XXVII, tomo II, pg. 267 .Importa, pois e antes de mais, que nos procuremos esclarecer sobre o conceito de “terrenos confinantes” previsto no artº 1380º do C. Civ., isto é, o que se deva entender por terrenos confinantes .Tendo presente o que também se dispõe no nº 2 do citado preceito, afigura-se que o que a lei visa é o chamado emparcelamento agrícola, ou acto de juntar prédios ou parcelas de terreno agrícolas de tamanho reduzido em propriedades de maiores dimensões, com vista a evitar-se o chamado minifúndio e a tornar-se mais fácil e economicamente viável o amanho das terras ( a fim de melhorar as condições técnicas e económicas da exploração agrícola ), o que é dificultado pela pulverização do solo agrícola – artº 1382º, nº 1, do C. Civ..O que também se pode retirar do disposto no artº 1376ºdo C. Civ., onde se proíbe o fraccionamento dos terrenos aptos para cultura agrícola com áreas ditas mínimas .E do nº 3 desse preceituo resulta que a proibição de tal fraccionamento abrange mesmo os prédios ditos contíguos pertencentes ao mesmo proprietário, isto é, os chamados prédios vizinhos, limítrofes ou imediatos, confinantes entre si, no sentido de terem fronteiras ou estremas comuns, pois que essa situação permite o referido amanho conjunto, passando de um prédio para outro, designadamente com máquinas agrícolas e fazendo um cultivo racional conjunto, o que diminui os respectivos custos e permite uma colheita mais eficiente e lucrativa - vejam-se, entres outros, os Ac.s Rel. Po. de 16/7/1985, in C.J. 1985, tomo 4º, pg. 239; e do STJ de 3/7/1986 , de 11/7/1991 e de 15/12/1998, in, respectivamente, BMJ 359, 706 , BMJ 409, 803, e BMJ 482,235 .Analisando o que nos é fornecido pelo presente processo, verificamos que houve um grande empenho e cuidados na 1ª instância em ordem a se poder esclarecer a posição relativa entre o prédio objecto da preferência e algum prédio dos R.R. adquirentes, o que no caso nos remete para o prédio rústico inscrito na matriz respectiva sob o artigo nº 1238 .Ora, dos elementos constantes dos autos, designadamente do levantamento topográfico de fls. 155 e do auto de inspecção ao local de fls. 256 e 257, resulta que na estrema norte do prédio com o artigo 1214 existe uma levada de água manilhada, cujo leito tem uma largura de cerca de 30 cms., correndo no sentido nascente-poente, onde também existe uma rampa inclinada entre essa estrema e o lado sul do prédio do artigo 1238 .Além de que este prédio termina em bico ou ponta no seu lado sul, onde se situa a estrema norte do 1214 .Daí que aquando da realização da última audiência de julgamento, na qual se procurou colher uma resposta a um único quesito ( resultante do acórdão desta Relação de 11/02/2003, conforme fls. 218 a 224 ), no qual se indagava se “ o prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Santa Marinha sob o artigo 1238 confronta ( ou não ) a sul com o prédio inscrito na matriz predial rústica da mesma freguesia sob o artigo 1214 “, haja sido obtida a seguinte decisão : provado que “ em 27 de Novembro de 1995 e ainda hoje existia e existe, imediata e a norte do prédio rústico inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Santa Marinha sob o artigo 1214, uma levada de água corrente, no sentido nascente-poente, cujo leito tinha e tem cerca de 30 cms de largura, destinada ao abastecimento de água dos campos de cultivo por onde passa, entre os quais figura o prédio rústico inscrito na matriz respectiva sob o artigo 1238 “ - ponto 5 supra .Donde resulta que nenhuma confinância ou contiguidade foi apurada entre esses dois prédios, isto é, não ficou demonstrado que tenham alguma estrema comum, por forma a dar-se ou a permitir-se o emparcelamento entre esses dois prédios, nos termos supra enunciados .Por outras palavras e sendo certo que era aos R.R. que cabia o ónus da prova dessa referida confinância – nos termos do artº 342º, nº2, do C. Civ. - , não resulta provado que sejam eles donos de qualquer prédio rústico confinante ou com estremas conjuntas ou comuns com o prédio objecto da preferência, bem pelo contrário, pois antes resulta que situando-se o único prédio dos R.R. com essa possibilidade ( com o artigo 1238 ) a norte do prédio objecto da preferência, este termina, por esse lado, numa levada de água corrente, cujo leito mede cerca de 30 cms. de largura, correndo no sentido nascente-poente, onde também existe uma rampa inclinada entre tal estrema norte do prédio objecto da preferência e o lado sul do prédio 1238, lado este onde este prédio termina em bico ou ponta, o que bem revela a não confinância entre ambos, no sentido antes exposto, isto é, por forma a permitir o efectivo emparcelamento desses dois prédios , diremos mesmo que nem sequer ficou demonstrado que seja sequer possível passar-se ou circular entre esses dois prédios e muito menos com máquinas agrícolas, por forma a permitir o amanho conjunto , racional e economicamente proveitoso dos mesmos .Ao contrário, e como bem resulta do levantamento topográfico de fls. 155, entre os prédio rústicos 1213 ( este pertença da herança autora, como bem resulta dos pontos 6, 7 e 8 supra e assim foi reconhecido quer na sentença recorrida quer entre as partes, e resulta da presunção do artº 7º do C. Reg. Predial ) e 1214 existe uma extensa linha de estrema conjunta, de sentido norte-sul, através da qual é viável e pode ser efectivo o emparcelamento de ambos esses prédios – o que confere à herança autora o direito de preferência na compra do prédio do artigo 1214, nos termos dos artº 1380º, nº 1, do C. Civ., e 18º do DL nº 384/88, de 25/10 , uma vez que a área do prédio 1214 é de 3469 m2 , o que significa que é inferior à unidade de cultura fixada para a zona pela Portaria 202/70, de 21/4, tal como sucede com o prédio 1213, que tem uma área de 3340 m2, donde a atribuição do citado direito de preferência .Donde importe concluir que os R.R. não são donos de qualquer prédio confinante com o prédio objecto da compra e venda havida entre os R.R., pelo que nada obsta a que se reconheça à A. o direito de preferência na compra e venda havida entre os R.R., nos termos do artº 1380º, nº 1, do C. Civ.
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Porém, pelos R.R. foi também alegado que são donos de um outro prédio rústico ( artigo 1251 ), não confinante com o 1214, mas pelo qual se desenvolve uma carreteira em terra batida, com a largura de cerca de 2 metros, a qual partindo de um caminho público dá acesso ao prédio em causa na acção, e sem o que este ficaria encravado , o que também lhes confere o direito de preferência na aquisição do prédio encravado – o do artigo 1214 .A apreciação desta questão já está relacionada com a segunda questão equacionada como sendo objecto do recurso, uma vez que na abordagem da primeira questão que colocámos como objecto de apreciação foi reconhecido o direito de preferência à herança autora .Uma vez que ficou demonstrada a existência dessa carreteira sobre o referido prédio dos R.R., servindo de única forma de acesso ao prédio do artigo 1214 – pontos 2 e 3 supra -, dúvidas não restam de que também os R.R., por esse facto, gozam do direito de preferência na aquisição do prédio objecto da compra e venda a seu favor, nos termos dos artºs 1550º e 1555º do C. Civ., isto é, por serem proprietários de um prédio onerado com uma servidão de passagem a favor do dito prédio, ao qual apenas se pode aceder pela dita, têm eles também direito de preferência na aquisição do prédio encravado .Donde resulta um concurso de direitos de preferência sobre o mesmo prédio ( o do artigo 1214 ) e a favor de ambas as partes, o que importa derimir, com a atribuição da preferência a apenas uma das partes beneficiária do citado direito de preferência .Na sentença inicialmente proferida neste processo – fls. 88 – entendeu-se já que considerando a “ ratio “ do artº 1380º do C. Civ. o direito de preferência aí estabelecido prevalece sobre o do artº 1555º do C. Civ. .E afigura-se que assim deva acontecer, porquanto os dois tipos de hierarquias que resultam das alíneas a) e b) do nº 2 do artº 1380º do C. Civ. afigura-se que apenas são aplicáveis quando a concorrência entre preferentes se verifica em relação a prédios simultaneamente confinantes com o prédio alienado e por isso simultaneamente concorrentes no exercício do direito de preferência, como resulta no nº 1 desse mesmo preceito .Por outras palavras, entende-se que a lei – nesse preceito da al. a) do nº 2 do artº 1380º do C. Civ. - apenas confere prioridade na atribuição do direito de preferência aos proprietários de terrenos onerados com uma servidão de passagem a favor de prédio encravado em relação a outros prédios sem esse ónus, desde que os prédios em concorrência sejam todos eles confinantes com o prédio objecto da preferência – nº 1 do artº 1380º - , isto é, ali apenas se faz ressaltar a existência de servidão de passagem para efeito de concurso entre proprietários de prédios simultaneamente confinantes com o prédio objecto da preferência, quando um destes possa estar onerado com esse encargo - neste sentido podem ver-se, p. ex., os Prof. Pires de Lima e A. Varela, in C. Civ. anotado, vol. III, edição de 1987, pg. 273 / 274 .Já quanto à preferência apenas resultante do referido encargo de servidão de passagem ( sem mais ), nos casos em que exista concorrência entre um proprietário de prédio dominado pelo encargo de passagem legal que não seja simultaneamente confinante com o prédio objecto da preferência e um proprietário de prédio confinante com o prédio vendido , este último tem prioridade sobre aquele - artºs 1380º, nº 1, e 1555º do C. Civ.É esta, afigura-se, a interpretação possível da conjugação do disposto nos citados preceitos .Com efeito, e tal como bem se acentua no Ac. da Rel. do Porto de 31/3/1981, in C. J. ano VI, tomo 2, pg. 96, “ a preferência fixada no nº 1 do artº 1380º do C. Civ. tem prioridade sobre a estabelecida no artº 1555º do mesmo código, porquanto a vantagem do emparcelamento de pequena propriedade , que está na base da preferência do artº 1380º do C. Civ. ... deve prevalecer e afastar a concorrência a concorrência dos proprietários dos prédios servientes que não sejam simultaneamente confinantes e servientes do prédio alienado ... “ . E quanto às razões de tal entendimento remetemo-nos para o que se escreve nesse acórdão, com o que concordamos, e ao que acrescentamos o seguinte : além das razões aí apontadas, afigura-se que o emparcelamento entre prédios confinantes, sendo um deles dominante em relação a outros prédios com relação a uma dada serventia de passagem existente nestes, poderá muito bem conduzir à extinção de tal encargo, por desnecessidade, já que o acesso e o amanho do prédio objecto do dito emparcelamento com outro prédio com acesso directo à via pública de certo vai tornar desnecessária a utilização da anterior serventia, libertando, assim, os prédio onerados com esta, conduzindo à sua extinção, por força do disposto no artº 1569º, nºs 2 e 3, do C. Civ. .Donde que, dessa forma, se lucra não só através da figura do emparcelamento que está subjacente ao direito de preferência do artº 1380º do C. Civ., como através da figura da extinção das servidões, por desnecessidade .No mesmo sentido se pronunciou esta Relação por acórdão de 10/07/2001, in Rec. Apelação nº 1619/2001, do qual foi relator o Ex.mº Juiz Desembargador Artur Dias, e no qual também foi defendida a posição do citado Ac. da Rel. do Porto .Donde a conclusão de que o facto de os R.R. serem donos de um prédio não confinante com o prédio objecto da preferência exercida nesta acção, sobre o qual se encontra constituída uma servidão de passagem a favor deste prédio, em nada colide ou afronta o direito de preferência da herança autora, na medida em que este direito é-lhe reconhecido ao abrigo do artº 1380º, nº 1, do C. Civ., o que prevalece sobre o direito de preferência dos R.R., apenas resultante do artº 1555º do mesmo código .Assim sendo, há que julgar a acção procedente, por provada, e bem assim a apelação deduzida, com a revogação da sentença ultimamente proferida .Espera que, finalmente, as partes tenham ficado convencidas sobre a prioridade dos seus direitos em relação ao prédio objecto do exercício do direito de preferência, depois de uma tão longa e árdua tarefa na busca de uma solução justa, o que se procurou conseguir através do que se deixa exposto, para que, assim, volte a reinar a paz entre elas, tendo havido todo o empenho quer do Tribunal ( através das suas diversas intervenções, como antes se deixou referido ) quer dos ilustres mandatários das partes nesse sentido .
X
Decisão :Face ao exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação deduzida, com a revogação da sentença recorrida, e julgar a acção procedente, por provada, condenando os R.R. a reconhecer à herança autora o direito de preferência na aquisição do prédio que foi objecto de compra e venda através da escritura identificada no ponto 1 supra, sendo os R.R. adquirentes substituídos nessa compra pela herança autora .Mais se condenam os 2ºs R.R. a largarem mão desse prédio, fazendo dele entrega imediata á herança autora .Adjudica-se aos R.R. H... e mulher o montante do depósito de fls. 20, com juros respectivos .Custas da acção e do recurso pelos R.R.

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ARRESTO

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Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
ARRESTO
25-01-2005

Sumario
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I – Para a alegação e comprovação do justo receio da perda de garantia patrimonial tem-se entendido, tanto no campo jurisprudencial como na doutrina, que não basta um receio subjectivo do credor, baseado em meras conjecturas, mas há-se esse receio assentar em factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação .II – Para o preenchimento da cláusula geral do justificado receio de perda de garantia patrimonial relevam a forma da actividade do devedor, a sua situação económica e financeira, a maior ou menor solvabilidade, a natureza do património, a dissipação ou extravio de bens, a ocorrência de procedimentos anómalos que revelem o propósito de não cumprir, o montante do crédito, a própria relação negocial estabelecida entre as partes .III – Uma deficiente alegação dos factos tendentes a comprovarem o justo receio de perda de garantia patrimonial não justifica o indeferimento liminar da providência, antes reclama o convite ao aperfeiçoamento da petição .

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Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra
I – RELATÓRIO
A requerente – A..., com sede no Parque Industrial Quinta do Chacão, Casais Novos, Alenquer - instaurou, no Tribunal Judicial da Comarca de Tomar, procedimento cautelar de arresto contra a requerida – B..., com sede em Carregueiros, Tomar.Alegou, em resumo:A requerente tem um crédito sobre a requerida de € 7.892,70, respeitante a capital e juros, referente à venda de determinados produtos que esta não pagou.Justificou o fundado receio no facto do legal representante da requeria ter emitido dois cheques para pagamento, os quais vieram devolvidos por falta de provisão, cujo propósito foi induzir a requerente em erro por mais algum tempo, na recusa reiterada em pagar a dívida, apesar de várias vezes interpelada, evitando qualquer contacto, o negócio da requerida se encontrar fechado, tendo uma situação económica muito débil.Pediu o arresto do estabelecimento comercial da requerida, sito na Rua 25 de Abril, nº9, Carregueiros, incluindo todos os móveis, nomeadamente, materiais, máquinas, produtos e quaisquer outros que ali se encontrem.Por despacho judicial foi indeferida liminarmente a providência, por ser manifestamente infundada, nos termos do art.234 A nº1 do CPC.Inconformada, a requerente agravou, formulando, em síntese, as seguintes conclusões:1º) - A agravante viu ilegítima e ilegalmente reduzidos os seus direitos processuais.2º) - Os factos alegados indicam com grande probabilidade a existência de um crédito e fundado receio de perda de garantia patrimonial.3º) - O despacho impugnado considerou o requerimento do arresto manifestamente infundado, mas a maioria da jurisprudência defende que só deve ter lugar quando a incoerência do requerimento seja patente, o que não é o caso.4º) - Para mais, o recurso a este procedimento cautelar foi ocasionado única e exclusivamente por uma situação de incumprimento da parte da agravada, que por poder tornar-se permanente revestia de carácter de extrema urgência.5º) - O indeferimento liminar pode a vir a ser particularmente gravoso para a agravante, já que pôs em causa o efeito útil, quer do procedimento cautelar, quer da acção principal.A agravada não contra-alegou e o M.mo Juiz manteve o despacho impugnado.
II – FUNDAMENTAÇÃO
Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões, a única questão que importa decidir consiste em saber se o requerimento inicial do procedimento cautelar de arresto é manifestamente infundado, quanto ao requisito legal do justo receio da perda de garantia patrimonial, de forma a justificar o indeferimento liminar, nos termos do art.234-A nº1 do CPC.No despacho impugnado considerou-se que, não obstante se evidenciar o crédito da requerente e eventual ruptura financeira da requerida, não foram alegados factos concretos quanto ao receio fundado da perda de garantia patrimonial, limitando-se a requerente a afirmações genéricas, sem concretização factual.A manifesta improcedência do pedido que legitima o indeferimento liminar, aferida casuisticamente, corresponde no direito anterior à “ evidente improcedência da pretensão do autor “ ( art.474 nº1 c) do CPC ), o que contende com o próprio mérito da acção ( questão de fundo ) e já não de forma ( por ex., falta de pressupostos processuais ), como se extrai do argumento histórico, por o legislador haver substituído a “evidente inviabilidade” pela “evidente improcedência”.Ou seja, perante a exposição dos factos e razões de direito expostas ( art.467 nº1 d) do CPC ), incide, desde logo, uma pronúncia valorativa antecipatória sobre o mérito, quanto a saber se a pretensão formulada contem uma razoável probabilidade de êxito ou se está irremediavelmente condenada ao insucesso, embora no contexto da natureza e finalidade acção cautelar, com as características gerais da provisoriedade, instrumentalidade, “ sumário cognitio “, carácter urgente e estrutura simplificada.Como estatui o art.406 nº1 do CPC, o procedimento cautelar de arresto depende da verificação cumulativa de dois requisitos: (1) a probabilidade da existência do crédito e (2) o justo receio da perda da garantia patrimonial Para a alegação e comprovação do justo receio da perda de garantia patrimonial, tem-se entendido, tanto no plano jurisprudencial, como doutrinário, não bastar o receio subjectivo do credor, baseado em meras conjecturas, pois para ser justificado há-de assentar em factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação ( cf., Ac do STJ de 3/3/98, C.J. ano VI, tomo I, pág.116 ).No mesmo sentido, escreve ANTÓNIO GERALDES ( Temas da Reforma de Processo Civil, vol.4º, 2ª ed., pág.186 ), “ O justo receio da perda de garantia patrimonial está previsto no art. 406 nº1 do CPC, e no art. 619 do Código Civil pressupõe a alegação e prova, ainda que perfunctória, de um circunstancialismo fáctico que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito “.Deste modo, para o preenchimento da cláusula geral do “ justificado receio de perda de garantia patrimonial”, relevam, designadamente, a forma da actividade do devedor, a sua situação económica e financeira, a maior ou menor solvabilidade, a natureza do património, a dissipação ou extravio de bens, a ocorrência de procedimentos anómalos que revelem o propósito de não cumprir, o montante do crédito, a própria relação negocial estabelecida entre as partes.Como já anotou no relatório, o requerente alegou na petição inicial um conjunto de elementos atinentes ao “ justo receio “, designadamente, o facto do legal representante da requeria ter emitido os dois cheques para pagamento, os quais vieram devolvidos por falta de provisão, cujo propósito foi induzir a requerente em erro por mais algum tempo, na recusa reiterada em pagar a dívida, apesar de várias vezes interpelada e de lhe ser proposto o pagamento em prestações, o evitar qualquer contacto, a circunstância do negócio da requerida se encontrar fechado, tendo uma situação económica muito débil, e de ser conhecido nas redondezas do seu estabelecimento que a requerida deve tanto dinheiro que lhe será muito difícil pagar as suas dívidas para com os fornecedores.É certo que, como bem se salientou no despacho recorrido, a requerente não desenvolveu factualmente cada um destes tópicos indiciadores, ficando-se por uma consideração genérica, carecendo de uma maior e consistente concretização, de forma a que, num juízo de valoração global, se possa afirmar, com relativa segurança, que uma pessoa normal colocada na posição do credor recearia objectivamente pela perda de garantia patrimonial do seu crédito.Mas em todo o caso, e salvo o devido respeito, tal situação não justifica, desde logo, o indeferimento liminar com fundamento na “evidente improcedência da pretensão”, antes reclama, por imposição dos princípios da economia processual, do inquisitório e cooperação ( arts.136, 137, 265 e 266 e 508 nº1 b) do CPC ) o convite ao aperfeiçoamento, visto tratar-se de uma petição deficiente.Por vezes é difícil definir com precisão os limites entre a “ inviabilidade “ e a deficiência, como já então sublinhava o Prof. CASTRO MENDES, sustentando ser de lançar mão do despacho de aperfeiçoamento quando a causa de pedir, embora inteligível, não é suficientemente concretizada como facto ( Direito Processual Civil III, pág.67 a 69 ).Também para efeitos do despacho de aperfeiçoamento no âmbito do art.508 nº1 b) e nº3 do CPC, o articulado é deficiente quando contenha insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto, ou seja, quando nele não se encontrem todos os factos principais ou a sua alegação seja ambígua ou obscura, designadamente por o autor ter feito apelo a conceitos excessivamente vagos.Ora, ainda que não expressamente previsto no art.234-A do CPC, o despacho de aperfeiçoamento da petição de procedimento cautelar decorre não só dos princípios da economia processual, inquisitório e cooperação, já referenciados, como do princípio geral da correcção, postulado no art.508 nº1 b), 2 e 3 do CPC, pois não obstante inserir-se na fase da condensação, tem como pressuposto que antes dela não haja qualquer intervenção do juiz, mas havendo-a, nada impede que essa correcção se faça numa fase anterior ( cf. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág.275 ).A este respeito, LOPES DO REGO ( Comentários ao Código de Processo Civil, 1999, pág.178 ) sem rejeitar a possibilidade de antecipação do despacho de aperfeiçoamento, é,, no entanto, menos categórico, ao defender o seu uso com alguma parcimónia, face ao princípio da concentração, apenas naqueles casos em que os vícios são susceptíveis de se repercutirem com gravidade nos demais articulados, não sendo previsível que possam ser sanados pela normal dialéctica das partes.Sucede, porém, estarmos no âmbito de um procedimento cautelar de arresto, que pode ser decidido sem audição prévia da requerida, em que o contraditório é exercido posteriormente ( art.388 do CPC ), não colhendo aqui o argumento da concentração, e sobretudo o princípio da economia processual justifica o convite ao aperfeiçoamento logo no despacho liminar, verificados que estejam os respectivos pressupostos.Em resumo, procede o agravo, impondo-se revogar o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro a convidar a requerente a aperfeiçoar a petição inicial, em conformidade com o exposto.
III – DECISÃO
1)
Julgam procedente o agravo e revogam o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro a convidar a requerente a aperfeiçoar a petição inicial, em conformidade com o exposto.
2)
Sem custas.
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COIMBRA, 25 de Janeiro de 2005.

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