PARECERES TECNICOS

sexta-feira, março 31, 2006

Código das Sociedades Comerciais - Alterações

O D.L. 76-A/2006, de 29/03 (DR I Série A n.º 63, Supl.), actualiza e flexibiliza os modelos de governo das sociedades anónimas, adopta medidas de simplificação e eliminação de actos e procedimentos notariais e registrais e aprova o novo regime jurídico da dissolução e da liquidação de entidades comerciais, republicando o Código das Sociedades Comerciais e o Código do Registo Comercial.

O artigo 1º daquele Diploma, enuncia algumas medidas relativas à simplificação e eliminação de actos e procedimentos notariais e registais, designadamente:
· Eliminação da obrigatoriedade das escrituras públicas relativas aos actos da vida das empresas, designadamente, as escrituras públicas para constituição de uma sociedade comercial, alteração do contrato ou dos estatutos das sociedades comerciais, aumento do capital social, alteração da sede ou objecto social, dissolução, fusão ou cisão das sociedades comerciais, com a excepção de situações nas quais seja exigida forma mais solene para a transmissão dos bens com que os sócios entram para a sociedade, nomeadamente aquando da transmissão de um bem imóvel (cfr. artigo 80º, n.º 2, alínea e) do Código do Notariado);
· Reformulação do regime e dos procedimentos do registo comercial, designadamente:
1. redução do número de actos sujeitos a registo;
2. prática de actos através do registo por depósito;
3. criação de um novo regime de registo de transmissão de quotas;
4. criação de condições para a plena utilização e aplicação dos sistemas informáticos, nomeadamente através da possibilidade de praticar actos de registo on-line, que, de acordo com o disposto no preâmbulo estará em funcionamento até ao final do ano de 2006, estipulando-se que o preço destes registos seja mais barato, bem como da criação do serviço da certidão permanente, a entrar em vigor no 2º semestre de 2006, através do qual se permite que as empresas possam ter um a certidão permanentemente disponível num sítio da Internet, assegurando-se que, enquanto essa certidão estiver on-line, nenhuma entidade pública possa exigir de quem aderiu a este serviço uma certidão em papel, pois ficará obrigada a consultar o site sempre que pretenda confirmar a informação que lhe foi declarada;
5. reformulação de actos e procedimentos internos;
6. simplificação do regime da fusão e cisão de sociedades, passando, relativamente à concretização de uma fusão ou cisão, a bastar dois registos na conservatória e duas publicações num sítio da Internet, a efectuar por via electrónica;
7. eliminação da obrigatoriedade de existência dos livros da escrituração mercantil de inventário, balanço, diário, razão e copiador e a eliminação da legalização dos livros de actas nas conservatórias do registo comercial (cfr. artigo 30º e 31º do Código Comercial);
8. alargamento das entidades que podem reconhecer assinaturas em documentos e autenticar e traduzir documentos, permitindo que tanto os notários comos os advogados, OS SOLICITADORES, as câmaras de comércio e indústria e as conservatórias possam fazê-lo (cfr. artigo 38º do D.L. 76-A/2006, de 29/03;
9. alteração do regime dos custos da prática de actos da vida das empresas, criando condições para a sua redução e permitindo, designadamente, que as taxas e emolumentos cobrados nas conservatórias do registo comercial se tornem mais claros e apreensíveis para o utente, passando a incluir, num valor único e fixo de registo, os montantes antes cobrados avulsamente, como os emolumentos pessoais, as certidões, as publicações e as inscrições subsequentes no ficheiro central de pessoas colectivas;
10. eliminação da competência territorial das conservatórias do registo comercial a partir de 1 de Janeiro de 2007, de acordo com o disposto no artigo 43º do Diploma em apreço, passando a ser possível, de acordo com o respectivo preâmbulo, que qualquer cidadão ou empresa possa praticar qualquer acto de registo comercial em qualquer conservatória do registo comercial do território nacional, independentemente da conservatória da sede da sociedade em causa.

RELATIVAMENTE À DISSOLUÇÃO E À LIQUIDAÇÃO DE ENTIDADES COMERCIAIS é aprovado o REGIME JURÍDICO DOS PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS DE DISSOLUÇÃO E DE LIQUIDAÇÃO DE ENTIDADES COMERCIAIS, no qual se promove:
1. a criação de um procedimento especial de extinção imediata de entidades comerciais, através da modalidade “dissolução e liquidação na hora”, que visa permitir que as sociedades comerciais se extingam e liquidem imediatamente, num atendimento presencial único, nas conservatórias do registo comercial, verificados determinados pressupostos;
2. a criação de procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de entidades comerciais da competência das conservatórias que consagra, designadamente, causas oficiosas de dissolução e liquidação por iniciativa do Estado, quando existam indicadores objectivos de que a entidade em causa não tem actividade efectiva embora permaneça juridicamente existente.

RELATIVAMENTE ÀS ALTERAÇÕES EFECTUADAS AOS MODELOS DE GOVERNO DAS SOCIEDADES ANÓNIMAS, REALÇA -SE A SEGUINTE:
· Possibilidade de a estrutura da administração e da fiscalização ser estruturada segundo uma de três modalidades (cfr. artigo 278º do C. S. Comerciais):
a) Conselho de Administração e conselho fiscal;
b) Conselho de Administração, compreendendo uma comissão de auditoria, e revisor oficial de contas;
c) Conselho de Administração executivo, conselho geral e de supervisão e revisor oficial de contas.

Assim, de acordo com o artigo 63ºdo referido Diploma, às sociedades constituídas ANTES DA DATA DE ENTRADA EM VIGOR DO PRESENTE DECRETO-LEI e que não procedam, no prazo de UM ANO a contar daquela data, à alteração dos respectivos estatutos em matéria de administração e fiscalização, aplicam-se as seguintes regras:
1. nas sociedades estruturadas segundo a modalidade de conselho de administração e conselho fiscal, é adoptada a modalidade de conselho de administração e conselho fiscal, nos termos estabelecidos pela redacção do presente o diploma;
2. nas sociedades estruturadas segundo a modalidade de direcção, conselho geral e revisor oficial de contas, é adoptada a modalidade de Conselho de administração executivo, conselho geral e de supervisão e revisor oficial de contas, nos termos estabelecidos no diploma em apreço.

O D. L. 76-A/2006, de 29/03:

A) ALTEROU:
1. Código das Sociedades Comerciais;
2. Código do Registo Comercial;
3. Código Comercial;
4. Regime dos Agrupamentos Complementares de Empresas;
5. Lei Orgânica dos Serviços dos Registos e do Notariado;
6. Regime Jurídico das Cooperativas de Ensino;
7. Regime Jurídico das "régies cooperativas" ou cooperativas de interesse público;
8. Regime do Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada;
9. Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola;
10. Regime das competências atribuídas aos notários nos processos de constituição de sociedades comerciais;
11. Regime Jurídico da Habitação Periódica;
12. Regime que permite a constituição e a manutenção de sociedades por quotas e anónimas unipessoais licenciadas para operar na Zona Franca da Madeira;
13. Código do Notariado;
14. Código Cooperativo;
15. Regime jurídico das sociedades desportivas;
16. Regime do acesso e exercício da actividade das agências de viagens e turismo;
17. Regime das condições de acesso e de exercício da actividade seguradora e resseguradora no território da Comunidade Europeia;
18. Regime do Registo Nacional de Pessoas Colectivas;
19. Lei das empresas municipais e regionais;
20. Regime dos Serviços da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado;
21. Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais;
22. Código de Procedimento e de Processo Tributário;
23. Regime jurídico das cooperativas de habitação e construção;
24. Regime jurídico das cooperativas de comercialização;
25. Lei Orgânica da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado;
26. Regulamento Emolumentar dos Registos e do Notariado;
27. Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;
28. Regime Jurídico das Sociedades Anónimas Europeias;
29. Regime especial de constituição imediata de sociedades.

B) REVOGOU:
1. o artigo 1497º do do C.P.Civil
2. o Regulamento do Registo Comercial.

C) APROVOU:
o Regime Jurídico Dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e Liquidação de Entidades Comerciais.

D) ENTRA EM VIGOR no dia 30/06/2006.

E) PORÉM, a eliminação da competência territorial das conservatórias do registo comercial, ENTRA EM VIGOR APENAS no dia 01/07/2007.

Chama-se a especial atenção para o disposto no nº 1 do artigo 38º do referido Decreto-Lei, que alarga competências dos SOLICITADORES, designadamente que possam fazer RECONHECIMENTOS SIMPLES e com menções especiais, PRESENCIAIS e por semelhança, autenticar documentos particulares, certificar ou fazer e certificar, traduções de documentos nostermos previstos na lei Notarial.

TODAVIA, o nº 3 do referido artigo prevê que “os actos referidos no nº 1 apenas podem ser validamente praticados (….) mediante registo em sistema informático, cujo funcionamento, respectivos termos e custos associados são definidos por Portaria do Ministro da Justiça.”

Pela sua importância, recomenda-se que este Decrto-Lei seja lido na integra com especial atenção, designadamente, quanto à entrada em vigor das várias disposições, aos regimes transitórios e às disposições transitórias.

Editado por FR

segunda-feira, março 06, 2006

Obras urgentes por condómino - está o condomínio obrigado a pagá-las ?

IN Revista «O Advogado», II Série, n.º 21, Janeiro de 2006

Autor: Dr. Joel Timóteo Ramos Pereira, Juiz de Direito de Círculo


1. Caracterização do condomínio
1.1. As relações decorrentes da habitação urbana estão cada vez mais complexas, sendo frequentes as situações de divergência, incompatibilidade ou mesmo dissensão na gestão das coisas que pertencem em comum a vários titulares. É o que sucede com o condomínio, em que por via da sua própria especificidade muitos dos actos já são praticados por sociedades de gestão de condomínios. E trata-se de uma matéria com um relevo crescente. Segundo anunciou recentemente a DECO, a má gestão de condomínios está no topo das reclamações que são recebidas por aquela associação de defesa dos consumidores e, por outro lado, quinze a vinte por cento dos pedidos de esclarecimento ou de reclamações que todos os anos chegam à mesma entidade, prendem-se com questões do condomínio, sabendo que não há uma entidade à qual os condóminos possam recorrer, salvo aos Tribunais nos casos de litígio.
1.2. Sempre que um prédio se encontre dividido em fracções autónomas, ou seja, apartamentos ou andares como unidades independentes e isoladas, diz-se que está constituído em propriedade horizontal. Se, de igual modo, as fracções pertencerem a diferentes proprietários, existe um condomínio, designando-se por condómino o proprietário de cada fracção desse prédio.
1.3. Em cada prédio urbano constituído em propriedade horizontal há partes comuns, pertencentes em compropriedade a todos os condóminos (art.os 1420.º, n.º 1 e 1421.º do Código Civil) e partes pertencentes em exclusivo a cada um deles (as fracções autónomas). Relativamente às primeiras, torna-se necessária a sua gestão e conservação, razão por que a lei reconhece a existência de dois órgãos para o efeito, a saber, o administrador de condomínio, que é nomeado pela Assembleia de Condóminos (pode ser um dos comproprietário ou um terceiro), que uma função executiva, passível de remuneração e, a assembleia de condóminos, composta por todos os proprietários e à qual compete decidir sobre questões de fundo sobre a compropriedade, aprovar as contas e os orçamentos apresentados pelo administrador e fiscalizar, em geral, a actuação do administrador.
1.4. Juridicamente, o condomínio não tem personalidade jurídica, nem aliás é uma pessoa colectiva, apenas sendo a esta equiparado em termos do Registo Nacional de Pessoas Colectivas("entidade equiparada a pessoa colectiva"), mas a lei processual reconhece-lhe personalidade judiciária [art.º 6.º, al. e) do CPC], relativamente às acções que se insiram no âmbito dos poderes do administrador.
2. Obras urgentes
2.1. Precisamente quanto às partes comuns, dispõe o art.º 1427.º do Código Civil que "as reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício podem ser levadas a efeito, na falta ou impedimento do administrador, por iniciativa de qualquer dos condóminos". Tal sucede, designadamente, quando exista alguma zona comum que esteja em riscos de ruir, ocorram infiltrações nas fracções através de fissuras existentes nas partes comuns (v.g., parede exterior do prédio).
2.2. A lei não enuncia qualquer conceito de obras urgentes, decorrendo da natureza e da especificidade em concreto. Assim, haverá urgência quando a sua omissão ponha em risco ou perigo o direito de personalidade de algum dos condóminos ou habitante na fracção, designadamente a sua saúde ou integridade física. Assim ocorrerá, designadamente, quando exista uma infiltração que incida directamente sobre divisões de permanência por tempo elevado (v.g., quarto de dormir, cozinha, escritório de trabalho). Como referem Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, III, p. 437), "a urgência da reparação é o diapasão pelo qual se mede a legitimidade da intervenção do condómino não administrador...sendo em função do grau dessa urgência que inclusivamente se determinará a existência de impedimento do administrador".Ou seja, para uma reparação ser considerada urgente é necessário que o dano a evitar com a reparação seja premente ou eminente e que a reparação não se coadune com delongas temporais.
2.3. Porém, resulta do preceito que a intervenção directa na realização de tais obras urgentes pelos condóminos de per si, tem natureza excepcional. Ou seja, compete primeiramente ao administrador de condomínio efectuar tais obras, razão por que se impõe que primeiramente o(s) condómino(s) afectado(s) comunique o facto ao administrador de condomínio e/ou reclame a convocação de uma assembleia de condóminos para decisão sobre tal matéria. A este propósito, e embora não resulte expressamente do texto legal, refere Sandra Passinhas (A Assembleia de Condóminos e o Administrador da Propriedade Horizontal, 2000, p. 314), "resulta do regime da propriedade horizontal o dever de os condóminos comunicarem imediatamente ao administrador a necessidade de reparações urgentes".No mesmo sentido, Francisco Pardal e Dias da Fonseca (Da Propriedade Horizontal, p. 196) enunciam que "a prudência aconselha a efectivar a obra - reparação necessária - através da assembleia de condóminos ou do administrador, para evitar possíveis discussões sobre a qualificação de urgente e sobre a eventualidade de não poder exigir dos outros condóminos a parte respectiva, sem ser através da acção de enriquecimento sem causa".
2.4. Contudo, o condómino não precisa de qualquer autorização do administrador ou da assembleia de condóminos para realizar as obras urgentes. Basta que, tendo havido comunicação da sua parte, ocorra a falta (omissão) ou impedimento do administrador na sua efectivação (art.º 1427.º do Código Civil). A este propósito também se refere Rui Vieira Miller (A Propriedade Horizontal no Código Civil, p. 230), alvitrando que "não carece o condómino de se munir de autorização prévia dos restantes, do mesmo modo que dela também não precisaria o administrador, até porque a urgência de que elas se revistam pode não ser compatível com essa autorização".
2.5. Requisito essencial é, como já referido, a falta (omissão) ou impedimento do administrador na realização das obras. Tal pode decorrer da consideração por este que as obras não revestem carácter urgente (caso em que é recomendável convoque uma assembleia de condóminos), mas também pode resulta da falta de vontade, delonga irrazoável ou inabilidade do mesmo na resolução do problema suscitado. Estes últimos motivos podem, todavia, consubstanciar fundamento para a remoção do administrador do seu cargo, já que lhe está imposta a incumbência de realizar as reparações necessárias, nos termos do art.º 1436.º, al. f) do Código Civil.
3. Do reembolso
3.1. Verificando-se os requisitos para a reparação urgente por iniciativa do condómino, assiste a este o reembolso da quantia despendida da parte do condomínio (isto é, dos restantes comproprietários nas partes comuns). O custo é repartido por todos os condóminos na proporção do valor das suas fracções, nos termos do art.º 1424.º do Código Civil, devendo assim o condómino que tomou a iniciativa receber da administração de condomínio o valor comprovado das despesas que suportou, deduzido da proporção cuja responsabilidade lhe cabia de acordo com o valor da sua fracção.
3.2. Ainda que se venha a entender que as obras realizadas não tinham natureza urgente e que poderiam ter sido realizadas pela administração de condomínio ou noutro prazo, porque realizadas sobre partes comuns do edifício, assiste sempre ao condómino o direito ao reembolso do efectivamente despendido (desde que tenha sido adequado ao fim em causa), no âmbito das regras do enriquecimento sem causa (art.º 473.º do Código Civil), já que o entendimento implicaria o aumento de um património (do condomínio, que ficou beneficiado com as obras) e o correlativo empobrecimento de outro património (do condómino que tomou a iniciativa de as realizar e suportou as respectivas despesas), sem idónea causa justificativa dessa deslocação patrimonial.
3.3. Se porventura a administração de condomínio se recusar a proceder ao reembolso da parte devida ao condómino que tomou a iniciativa, embora a obrigação emergente para o a administração de condomínio não seja estruturalmente uma obrigação contratual, a jurisprudência já entendeu ser aplicável em caso de incumprimento as regras do regime geral das obrigações, designadamente assistindo ao condómino que tomou a iniciativa o direito de se recusar a proceder ao pagamento das prestações de condomínio, ao abrigo da excepção de não cumprimento contratual, nos termos do art.º 428.º do Código Civil (Cfr. Ac. RP, 01.04.1993, CJ, II, p. 201).3.4. Todavia, é nosso entendimento que interpelada a administração de condomínio, nos termos do art.º 805.º do Código Civil, para proceder ao pagamento do valor despendido (deduzido da proporção da responsabilidade do condómino) e aquela não o fazendo, em virtude da existência de créditos recíprocos, assistirá ao condómino que tomou a iniciativa de realizar as obras sobre as partes comuns, o direito de compensação de créditos, deixando assim de proceder ao pagamento das contribuições para o condomínio até se operar a efectiva e integral compensação, nos termos do art.º 848.º do Código Civil.


quinta-feira, março 02, 2006

NRAU - LINHAS DE ORIENTAÇÃO DA NOVA LEI

1) O NOVO REGIME DO ARRENDAMENTO URBANO
O Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) assenta no contrato de arrendamento enquanto modalidade do contrato de locação dotado de especialidades. Assim sendo, a matéria regressa ao Código Civil, reocupando o lugar que tinha até à entrada em vigor do RAU.

As legítimas expectativas das partes que celebraram contratos de arrendamento antes da entrada em vigor do novo regime são salvaguardadas pelas normas constantes do regime transitório.

Do ponto de vista substantivo, o NRAU mantém os princípios da liberdade de funcionamento do mercado e da autonomia contratual, já vigentes para os contratos posteriores a 1990, mas assenta numa matriz moderna, que visa colocar o mercado de arrendamento português a par dos outros países europeus, sem esquecer as nossas particularidades.

Assumindo-se uma perspectiva simplificadora, a repartição tradicional em habitação, comércio ou indústria, exercício de profissão liberal ou outra aplicação lícita, é substituída pela bipartição entre arrendamento habitacional e não habitacional, sem deixar de se densificar as especificidades destes últimos arrendamentos.

O regime jurídico mantém a sua imperatividade em sede de cessação do contrato de arrendamento, mas abre-se a hipótese à resolução extrajudicial do contrato, com base em incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento.

As partes devem pautar-se pelo princípio da boa fé no cumprimento das suas obrigações, dando um sinal ao mercado de que o arrendatário deve primar pelo pontual cumprimento das obrigações, prevendo-se expressamente que é sempre inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora no pagamento da renda superior a três meses, ou de oposição pelo arrendatário à realização de obra ordenada por autoridade pública.

Manter-se-ão as normas jurídicas de protecção do direito à habitação, constitucionalmente consagrado (o já referido artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa), e as especificidades dos arrendamentos não habitacionais, designadamente o arrendamento comercial e para serviços.

2) A AGILIZAÇÃO PROCESSUAL
A almejada agilização da actual acção de despejo passa pela separação entre a fase declarativa e executiva, através da alteração de algumas normas do Código de Processo Civil (CPC).

Assim, pode intentar-se uma acção declarativa, sob a forma de processo comum, ordinário ou sumário, consoante o valor da causa, permitindo-se a cumulação de pedidos e a coligação, nos termos gerais da lei de processo.

No que respeita aos recursos, aproveita-se a presente iniciativa legislativa para dirimir uma dúvida doutrinária e jurisprudencial relativa à admissibilidade da interposição de recurso e à fixação do seu efeito, assegurando-se a possibilidade de recurso para a Relação, independentemente do valor da acção, e o efeito suspensivo do recurso de apelação.

A presente iniciativa legislativa não poderia deixar de ter em conta que, relativamente ao processo executivo em geral, a pendência processual no ano de 2000 ascendia a 394.843 execuções, e duplicou no ano de 2003 para 623.646 acções executivas.

Quanto às acções de despejo, no ano de 2003, a duração média das acções declarativas foi de 17 meses, e das acções executivas de 24 meses.

Assim, prevêem-se alterações à execução para entrega de coisa certa, tendo em vista esclarecer questões levantadas durante os 15 anos de vigência do RAU, cujas soluções já se encontram desfasadas relativamente ao actual regime processual civil, agilizar o próprio processo executivo e penalizar quem pretenda executar um despejo sem fundamento para tal.

Porém, prevê-se a suspensão da execução sempre que o executado se opuser à execução baseada em título executivo extrajudicial, se a execução colocar em risco de vida a pessoa que se encontra no local arrendado, por motivos de doença aguda, ou quando o arrendatário por razões sociais, pedir o diferimento da desocupação, designadamente no caso de resolução do contrato de arrendamento por não pagamento de rendas, se a falta do mesmo se dever a carência de meios do executado, nomeadamente por ser beneficiário de subsídio de desemprego ou de rendimento social de inserção, e quando o executado é portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%.

Tendo em vista aligeirar a pendência processual em fase declarativa, prevê-se a ampliação do número de títulos executivos de formação extrajudicial, possibilitando-se ao senhorio o recurso imediato à acção executiva, por exemplo, nos casos em que o contrato de arrendamento tenha cessado por revogação das partes, por caducidade por decurso do prazo ou por oposição à renovação.

De igual modo, nos casos de cessação por resolução com base em mora no pagamento da renda superior a três meses, ou devido a oposição pelo arrendatário à realização de obra ordenada por autoridade pública, se o senhorio proceder à notificação judicial do arrendatário, ou à sua notificação através de contacto pessoal pelo advogado ou solicitador de execução, e o arrendatário mantiver a sua conduta inadimplente, permite-se a formação de título executivo extrajudicial.

3) REGIME TRANSITÓRIO, ACTUALIZAÇÃO DAS RENDAS ANTIGAS, RENOVAÇÃO E REABILITAÇÃO URBANAS E PENALIZAÇÃO DOS PRÉDIOS DEVOLUTOS
O NRAU é aplicável a todos os contratos de arrendamento futuros, e ainda aos contratos antigos (ou seja, aos que tenham sido celebrados antes da sua entrada em vigor), salvaguardando-se alguns aspectos da denúncia daqueles contratos, os quais continuam a reger-se pelo RAU, tendo em vista assegurar a protecção da expectativa das partes aquando da sua celebração. Prevê-se um regime substantivo transitório relativo à transmissão dos contratos antigos.

Em relação aos contratos de arrendamento anteriores a 1990, e relativamente aos arrendamentos comerciais, anteriores a 1995, trata-se de uma reforma que visa permitir ao proprietário a valorização do seu património e ao inquilino viver numa habitação condigna.
A necessidade de actualização das rendas baixas, decorrente de um alargado consenso nas várias associações com interesses no sector, deve permitir a conjugação entre o direito à habitação, a renovação e reabilitação urbanas e a justa remuneração do investimento dos proprietários.

A conjugação de todos esses objectivos implica uma estreita articulação entre a actualização das rendas antigas no âmbito da actual reforma do arrendamento urbano e a reforma da tributação do património.

Assim, em alternativa a mecanismos especulativos, ou que têm por horizonte um potencial despejo, o mecanismo essencial de determinação do valor de correcção das rendas anteriores a 1990, e relativamente aos arrendamentos comerciais, rendas anteriores a 1995, é o das avaliações efectuadas no âmbito da reforma de tributação do património e o valor de mercado, sob o qual são tributadas os prédios em sede de Imposto Municipal de Imóveis (IMI).

A verdade de mercado deve corresponder à verdade fiscal. Se sempre que há uma nova transacção o prédio é reavaliado, não faz sentido que não se possa fazer o mesmo em termos de arrendamento urbano, seguindo-se aqui critérios objectivos e fórmulas seguras para determinar uma relação entre o valor de um prédio e a remuneração do capital determinante para a fixação de um valor justo de arrendamento.
Assim, os senhorios que queiram aumentar as suas rendas antigas, de acordo com o valor patrimonial do prédio, têm de pedir uma nova avaliação dos imóveis aos serviços de finanças competentes.

Tendo em vista adequar os critérios actualmente vigentes a algumas particularidades dos prédios antigos, cria-se o coeficiente de conservação, que traduz as condições de habitabilidade do locado, as quais condicionam a actualização da renda.

Tal como está a ser aplicado no IMI, deve existir um mecanismo de convergência gradual para a actualização, em que os aumentos são progressivos durante cinco ou dez anos.

O período-padrão é de cinco anos, relativamente aos contratos de arrendamento habitacional ou não habitacional, mas deve ser ajustado em função da idade e da situação sócio-económica de inquilinos e proprietários.

Assim, nos arrendamentos habitacionais, a actualização da renda é faseada ao longo de dez anos, se o arrendatário invocar um rendimento anual bruto corrigido inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais, ter idade superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%.

Relativamente aos arrendamentos não habitacionais, a actualização da renda é faseada ao longo de dez anos, quando existindo no locado um estabelecimento aberto ao público, o arrendatário seja uma microempresa ou uma pessoa singular, quando o arrendatário tenha adquirido o estabelecimento por trespasse ocorrido há menos de cinco anos, quando exista no locado um estabelecimento comercial aberto ao público situado em área crítica de recuperação e reconversão urbanística, ou ainda quando a actividade exercida no locado tenha sido classificada de interesse nacional ou municipal.

Prevê-se ainda a possibilidade de actualização da renda faseada ao longo de dois anos, se o senhorio invocar e provar que o arrendatário dispõe de um rendimento anual bruto corrigido superior a quinze retribuições mínimas nacionais anuais, ou quando o arrendatário não tenha no locado a sua residência permanente, habite ou não outra casa, própria ou alheia.

Em qualquer das situações, é socialmente protegido o arrendatário cujo agregado familiar receba um rendimento anual bruto corrigido inferior a três retribuições mínimas nacionais anuais, o qual tem direito a um subsídio de renda.

Em caso de diferendo entre as partes, prevêem-se mecanismos expeditos para a sua resolução, como seja a possibilidade de o arrendatário requerer outra avaliação do prédio ao serviço de finanças competente, dando disso conhecimento ao senhorio.

São ainda constituídas pela presente Proposta de Lei as Comissões Arbitrais Municipais (CAM), compostas por representantes da Câmara Municipal, do serviço de finanças competente, dos proprietários e dos inquilinos.

As CAM asseguram três relevantíssimas finalidades: o acompanhamento da avaliação dos prédios arrendados, a coordenação da verificação dos coeficientes de conservação dos prédios e a arbitragem em matéria de responsabilidade pela realização de obras, valor das mesmas e respectivos efeitos no pagamento da renda.

Sendo a renovação, a reabilitação e a requalificação urbana um dos objectivos da presente reforma do arrendamento urbano, prevê-se ainda que, caso o senhorio não tome a iniciativa de actualizar a renda, o arrendatário pode, solicitar à Comissão Arbitral Municipal a determinação do coeficiente de conservação, e caso este coeficiente seja de classificação inferior a 3, o arrendatário pode intimar aquele à realização de obras. Se o senhorio não iniciar as obras no prazo de três meses pode o arrendatário realizar as obras, que são deduzidas na renda, dando disso conhecimento ao senhorio e à Comissão Arbitral Municipal, ou solicitar à Câmara Municipal a realização de obras coercivas.

Paralelamente, o Estado responsabiliza os proprietários que não asseguram qualquer função social ao seu património, permitindo a sua degradação, através da intimação à realização das obras necessárias à sua conservação, e penalização em sede fiscal dos proprietários que mantém os prédios devolutos.

Como bem se compreende, a reforma do arrendamento urbano depende da conjugação equilibrada e eficaz de todos os vectores supra expostos, ou seja, trata-se de uma reforma que se baseia numa estratégia concertada, com várias frentes, interdependentes, e que visam os mesmos objectivos: dinamizar, renovar e requalificar o mercado do arrendamento urbano.

Uma reforma legislativa que abrange objectivos da maior importância para o desenvolvimento económico de Portugal, como acima se explicitou, fica dependente de um Programa de Acção Legislativa, pedindo o Governo autorização à Assembleia da República para, no prazo de 120 dias, prever o Regime Jurídico das Obras Coercivas e a definição do conceito fiscal de prédio devoluto.

Ainda no prazo de 120 dias, e em complemento, o Governo deve aprovar os Decretos-Lei relativos à determinação do Rendimento Anual Bruto Corrigido, à determinação e verificação do Coeficiente de Conservação, à atribuição do Subsídio de Renda e aos Requisitos de celebração do contrato de arrendamento urbano.

Por último, no prazo de 180 dias, o Governo deve aprovar as iniciativas legislativas em relação ao Regime do Património Urbano do Estado e dos Arrendamentos por Entidades Públicas, bem como do regime das rendas aplicável, ao Regime de Intervenção dos Fundos de Investimento Imobiliário e dos Fundos de Pensões em Programas de Renovação e Requalificação Urbana, à criação do Observatório da Habitação e da Reabilitação Urbana, bem como da Base de dados da Habitação e ao Regime Jurídico da Utilização de Espaços em Centros Comerciais.

Estes são os objectivos e as metas de uma reforma que se pretende decidida, ousada, mas gradualista e acompanhada, o que levou o Governo, desde o início, a adoptar uma postura clara, e uma metodologia em sede de procedimento legislativo que assentou na relevância da ampla participação pública nas suas linhas de orientação, visando o maior consenso possível, numa matéria de extrema relevância social e económica.

O Novo Regime do Arrendamento Urbano depende pois do esforço conjunto de todos os representantes com interesses no sector, mas cabe ao Governo a apresentação desta proposta de lei à Assembleia da República, para que de um mercado estagnado, renasça o dinamismo e a vivência dos centros das cidades, através da sua renovação, reabilitação e requalificação urbana.

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RETIRADO DO PARECER 21/05, DO GABINETE DE ESTUDOS DA O.A.