PARECERES TECNICOS

quarta-feira, julho 20, 2005

RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA PELO PAGAMENTO DO IVA






Oficio-Circulado 30079/2005, de 8 de Julho - DSIVAIVA-ARTº 72º-A DO CIVA -

RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA PELO PAGAMENTO DO IMPOSTO


1. Para os devidos efeitos, transcreve-se o despacho nº 14 839/2005 (2ª Série) do Senhor Ministro das Finanças, publicado no Diário da Republica (2ª Série), de 7 de Julho de 2005:


Tendo em vista o combate à fraude no IVA, a Lei nº 55-B/2004, de 30 de Dezembro, procedeu ao aditamento do artigo 72º-A ao Código do IVA, estabelecendo a responsabilidade solidária pelo pagamento do imposto sobre o valor acrescentado, de qualquer sujeito passivo que, em qualquer fase do circuito económico, tenha intervindo ou venha a intervir em transmissões de bens ou prestações de serviços, desde que se mostre em falta o pagamento de parte ou da totalidade do IVA devido em qualquer das transacções.
Esta medida destina-se a responsabilizar solidariamente qualquer sujeito passivo que, em fase das circunstâncias do negócio, tenha ou deva ter conhecimento que, em qualquer fase do circuito económico em que intervenha, o imposto não foi ou não será integralmente entregue nos cofres do Estado.
A exemplo do que acontece em outros estados membros da União Europeia, esta medida de responsabilidade solidária é de aplicação, numa primeira fase, apenas aos sujeitos passivos que realizem operações relacionadas com certos bens, nos quais a prática da fraude no IVA é reconhecida como um problema significativo.
Assim, nos termos do nº 2 do artigo 72º-A do Código do IVA, aprovado pelo Decreto-Lei nº 394-B/84, de 26 de Dezembro, determina-se o seguinte:
1 - A responsabilidade solidária pelo pagamento do imposto sobre o valor acrescentado a que se refere o artigo 72º-A do Código do IVA é aplicável nas transmissões em que estejam em causa os seguintes bens:
a) Computadores e qualquer outro equipamento, incluindo componentes, acessórios e software, fabricados ou adaptados para uso em conexão com computadores ou sistemas de computadores;
b) Telefones e qualquer outro equipamento, incluindo componentes e acessórios, fabricados ou adaptados para uso em conexão com telefones ou telecomunicações;
c) Veículos automóveis;
d) Desperdícios e sucatas.

2 - 0 presente despacho aplica-se às operações cuja exigibilidade do imposto sobre o valor acrescentado ocorra a partir da data da sua publicação.
16 de Junho de 2005. - 0 Ministro de Estado e das Finanças, Luís Manuel Moreira de Campos e Cunha.


2. Em anexo, transcreve-se o artigo 72º-A do Código do IVA, permitindo-nos chamar a atenção de que a responsabilidade solidária apenas se aplica no caso de o adquirente ser um sujeito passivo de imposto, mas independentemente do seu enquadramento em matéria de IVA, sendo, consequentemente abrangidos os sujeitos passivos do regime normal, dos regimes especiais de isenção e dos pequenos retalhistas, bem como os sujeitos passivos que exerçam exclusivamente operações isentas que não confiram o direito à dedução.
Com os melhores cumprimentos.
O DIRECTOR DE SERVIÇOS - (António Nunes dos Reis)


sexta-feira, julho 15, 2005

REGISTO PREDIAL - OMISSÃO DE INSCRIÇÕES HIPOTECÁRIAS





ACORDÃO DE 12-05-2005

TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


SUMÁRIO:
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I - A omissão das inscrições hipotecárias, ao serem elaboradas as novas fichas do registo predial, não dá lugar a que o credor hipotecário posterior que, assim, foi levado em erro quanto aos encargos do prédio, possa pedir uma rectificação do registo, para exclusão daquelas inscrições. II - O que se verifica é uma omissão material, que não se confunde com a discrepância entre o registo e a realidade. III - Neste caso o registo está em condições jurídicas de comprovar esta realidade, apesar da deficiência do suporte material dessa comprovação.

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Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I - A "A", SA moveu a presente acção especial de rectificação de registo contra o B e a Conservatória do Registo Predial de Borba, pedindo que seja ordenado o cancelamento das hipotecas C2 e C3, incidentes sobre o prédio em causa, a favor do B.O B contestou.Foi proferido despacho saneador absolvendo dos requeridos do pedido.Apelou a requerente, mas sem êxito.Recorre a mesma novamente, a qual, nas suas alegações de recurso, apresenta, em síntese, as seguintes conclusões:
1 O princípio da publicidade, expresso no artº 1º do CRP, implica que a transferência ou constituição de qualquer direito real deve revestir notariedade e ser acessível.
2 A recorrente, quando concedeu o empréstimo, confiou na certidão de teor da Conservatória do Registo Predial de Borba, segundo a qual não recaiam sobre o prédio quaisquer ónus, sendo esse facto condição essencial para constituir a hipoteca.
3 A dita Conservatória procurou remediar a omissão ocorrida na extratação das aludidas hipotecas, transcrevendo, posteriormente, as inscrições com a anotação de "inscrição prévia à C1", após a venda judicial e o respectivo registo a favor da recorrente.
4 Contudo, essa rectificação não é legalmente possível, uma vez que envolve prejuízo para a recorrente, que é um terceiro de boa fé que confiou no registo, pondo também em causa a segurança do tráfico jurídico.
5 Decidindo em contrário, o acórdão recorrido violou os artºs 1º e 124º (na redacção do DL 224/84 de 06.07, aplicável ao caso em apreço) do C. R. Predial.Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

II Nos termos do artº 713º nº 6 do C. P. Civil, consignam-se os factos dados por assentes pelas instâncias remetendo para o que consta de fls. 216 a 218.

IIIApreciandoFala e bem a recorrente do princípio da segurança do comércio jurídico que cumpre ao registo predial assegurar.Deste modo, o primeiro objectivo na reposição da regularidade do registo, tem de ser o de voltar a garantir essa segurança.Ora, perante as alternativas de assegurar o legítimo interesse da recorrente e o de reconduzir o registo à verdade material e jurídica que lhe subjaz, manifesto é que tem de se optar pela última hipótese, por ser a mais conforme com a referida segurança.Aliás, se fosse dada satisfação à requerente, poderia o primeiro credor hipotecário vir impugnar a decisão com argumentos idênticas aos que aquela invoca no presente recurso. Com reforçada razão. É que enquanto a CGD apenas foi levada em erro quanto à realidade, o dito credor veria distorcida a própria realidade em que confiou.Reforçando esta ideia, acresce que, como se assinalou na decisão em causa, existe um procedimento próprio a regular situações idênticas à dos autos e que é o previsto no artº 908º do C. P. Civil: a aquisição de prédio em processo executivo, cujos ónus se ignoravam, dá direito a pedir a anulação da venda e a indemnização a que haja lugar.Nem se poderá argumentar, como faz a recorrente invocando o artº 124º, que a rectificação do registo não pode prejudicar os direitos adquiridos a título oneroso por terceiros de boa fé. É que, em bom rigor, a rectificação do registo tem lugar quando há uma desconformidade dele com a realidade, mas aqui ocorreu somente uma correcção material e não jurídica daquilo que até já antes constava do registo. Este, se não fosse a irregularidade da omissão, que dificultava a sua percepção, estaria de acordo com essa realidade, ou seja, atestaria aquilo que lhe competiria atestar. Ao fazerem-se constar da nova ficha as inscrições hipotecárias que já figuravam na anterior folha, não houve qualquer rectificação.Na verdade, um facto encontra-se registado quando o registo está em condições jurídicas de o comprovar. O que não se confunde com o suporte material que permite essa comprovação.Isto sem prejuízo do interessado que incorre em erro por deficiências de tal suporte material, poder pedir uma reparação pelos prejuízos que as mesmas deficiências lhe vierem a causar. Termos em que improcede o recurso, nada havendo a censurar à decisão em apreço.

Pelo exposto, acordam em negar a revista e confirmam o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 12 de Maio de 2005
Bettencourt de FariaMoitinho de AlmeidaNoronha do Nascimento

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Compilado e editado por am


REVOGAÇÃO DO MANDATO





ACORDÃO DE 05-05-2005


TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA


SUMÁRIO:
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1. No caso de revogação pelo mandante do mandato, celebrado também no interesse do mandatário, é àquele que, se quiser libertar-se da obrigação de indemnizar, incumbe alegar e provar os factos que revelem a justa causa para a imediata ruptura do vínculo contratual.2. Se, em princípio, a revogação do mandato com justa causa afasta qualquer obrigação de indemnizar por parte do mandante, já a revogação desacompanhada dessa causa justa implica que o mandante, dada a equiparação do acto abusivo ao acto ilícito, deva indemnizar o mandatário pelos danos resultantes do exercício inadmissível da revogação unilateral, nos termos gerais ou, no mínimo, por força do disposto no art. 1172º, al. c), do Código Civil.
3. Sendo que tal entendimento serve também para os casos de revogação de mandato conferido aos órgãos das pessoas colectivas, não obstante a sua sujeição a regime especial (arts. 170º e 986º, nº 3, do Código Civil).
4. Não obstante o conceito de justa causa de revogação do mandato de interesse comum surgir no nosso direito como indeterminado, não facultando uma ideia precisa quanto ao seu conteúdo, pode considerar-se como justa causa qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual, e segundo a boa fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação contratual, todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim, qualquer conduta que possa fazer desaparecer pressupostos, pessoais ou reais, essenciais ao desenvolvimento da relação, designadamente qualquer conduta contrária ao dever de correcção e lealdade (ou ao dever de fidelidade na relação associativa).
5. A justa causa representa, em regra, uma violação dos deveres contratuais (e, portanto, um incumprimento): será aquela violação contratual que torna insuportável ou inexigível para a parte não inadimplente a continuação da relação contratual

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Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
"A" intentou, no Tribunal Cível de Lisboa, acção declarativa, sob a forma de processo comum ordinário, contra "B", pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de 14.978.348$00, correspondente ao capital em dívida (13.267.077$00) e aos juros de mora vencidos até à data da apresentação em juízo, no montante de 1.711.271$00, bem como os juros vincendos, à taxa legal de 10% ao ano, acrescida do imposto de selo que for devido pelos mesmos, sobre o capital em dívida, até integral e efectivo pagamento.
Alegou, para tanto, em síntese, que:
- em 27 de Julho de 1993, foi nomeado vogal do Conselho de Administração da ré;
- este cargo, para efeito de remuneração, era equiparado a subdirector geral da Função Pública;
- o mandato conferido ao autor tinha a duração de quatro anos, cessando em 27/07/97;
- porém, no dia 7 de Agosto de 1995, a ré exonerou o autor do cargo de vogal do Conselho de Administração, sem precedência de processo disciplinar e sem se basear em justa causa;
- à ré assistia o direito de revogar o mandato conferido ao autor, antes da data fixada para o respectivo termo (art. 1170°, n° 1, do Código Civil), mas, porque o mesmo era oneroso e foi revogado antes do decurso do respectivo prazo, a ré constituiu-se na obrigação de o indemnizar nos termos do disposto na alínea c) do art. 1172° do Código Civil;
- o autor auferia mensalmente a quantia de 326.480$00, com subsídio de férias e de Natal, e estava-lhe atribuído o uso e fruição de uma viatura automóvel, marca Toyota Carina E, cujo combustível, seguro e manutenção eram suportados pela ré e que para ele representava a vantagem económica anual correspondente a 1.125.000$00;
- a despesa média mensal de combustível era de 38.784$00, seguro de 21.262$00, manutenção de 9.269$00, valor de aquisição da viatura de 4.500.000$00;
- a ré pagava ainda mensalmente ao autor um complemento de telefone, no valor mensal de 9.641$00;
- o valor da indemnização a que o autor tem direito deve ser calculado em função da compensação que o mandato lhe deveria proporcionar, se não tivesse sido revogado antes da data fixada para o respectivo termo, importando tal compensação em 13.267.077$00.
Contestou a ré e deduziu reconvenção, pedindo que o autor seja condenado a pagar-lhe a quantia de 4.763.020$00, acrescida de juros de mora à taxa legal, então de 10%, desde a data em que se dever considerar notificado da reconvenção.
Alegou, essencialmente, que:
- à data da nomeação do autor, o prazo de mandato dos membros do Conselho de Administração era de 3 anos, uma vez que a alteração estatutária do prazo do mandato de 3 para 4 anos se verificou no decurso do exercício de funções pelo autor, pelo que o mandato conferido a este cessaria em 27/07/96;
- não é verdade que a cessação não se haja fundado em justa causa, pois o Conselho de Fundadores baseou a sua deliberação na constatação da incapacidade dos membros do Conselho de Administração para a prossecução dos objectivos da ré e para assegurar o desempenho do mandato, quer actualmente, quer face às estratégias novas necessárias para remédio das anomalias observadas;
- tratando-se de mandato destinado ao exercício de gestão de uma pessoa colectiva, a inadequação do mandatário, a sua incapacidade quanto à prossecução dos fins da Fundação, constitui uma justa causa de revogação, como se retira, com patente analogia, do disposto no art. 257°, n° 6, do Código das Sociedades Comerciais;
- a utilização da viatura e o custeio pela ré dos respectivos encargos (combustível, seguro, manutenção), bem como o pagamento de custos de telefone particular, só podem ser entendidas como prestações remuneratórias;
- ora, cabe ao Conselho de Fundadores da ré a competência, em exclusivo, para a fixação da remuneração dos membros do Conselho de Administração, nos termos dos arts. 9°, n° 1, e 10°, n° 4, do Estatuto da ré;
- nunca o Conselho de Fundadores deliberou atribuir ao autor prestações pecuniárias ou em espécie, para além do vencimento mensal fixo equivalente ao cargo de subdirector geral da Função Pública, designadamente a utilização de veículo para uso pessoal, o combustível, o seguro e a manutenção correspondentes, ou o pagamento de despesas do seu telefone particular;
- foi o próprio Conselho de Administração a que o autor pertenceu que, com o voto favorável deste, concedeu regalias aos seus membros;
- as deliberações e orientações tomadas pelo autor e demais membros do Conselho de Administração ampliaram, consequentemente, o valor da sua retribuição, à margem da intervenção do Conselho de Fundadores, contra deliberação expressa deste Conselho e sem competência para o efeito;
- são, ainda, deliberações nulas, não podendo produzir qualquer efeito quanto ao pretendido cálculo da indemnização peticionada;
- o autor, enquanto vogal, determinou a ré à realização de prestações remuneratórias que o beneficiaram, à revelia de qualquer deliberação do órgão competente em contrário da deliberação sobre a matéria por este tomada;
- o prejuízo sofrido pela ré afere-se pelo valor do ilegítimo benefício alcançado pelo autor, que foi de 4.763.020$00.
Houve réplica do autor, nomeadamente contestando a reconvenção.
Exarado despacho saneador, condensados e instruídos os autos, procedeu-se a julgamento, com decisão acerca da matéria quesitada, vindo, depois, a ser proferida sentença que:
a) julgou a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência, condenou a ré a pagar ao autor a quantia de 4.836.766$00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos até integral pagamento;
b) julgou a reconvenção improcedente, por não provada, absolvendo o reconvindo do pedido reconvencional.
Inconformada apelou a ré, interpondo o autor recurso subordinado, ambos sem êxito, já que o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 29 de Abril de 2004, decidiu pela improcedência dos recursos, confirmando a decisão recorrida.
Interpôs, então, a ré recurso de revista, pugnando pela revogação ou anulação do acórdão recorrido.
Em contra-alegações defendeu o recorrido a manutenção da decisão em crise.O Tribunal da Relação de Lisboa, pronunciando-se quanto à invocada nulidade do acórdão, nos termos dos arts. 668º, nº 4 e 744º do C.Proc.Civil, considerou não ocorrer aquela nulidade.
Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, corridos os vistos, cumpre decidir.Nas alegações do recurso formulou a recorrente as conclusões seguintes (sendo, em princípio, pelo seu teor que se delimitam as questões a apreciar - arts. 690º, nº 1 e 684º, nº 3, do C.Proc.Civil):
1. A justa causa não assume, na cessação do mandato, a configuração de facto impeditivo do direito à indemnização, sendo a sua inexistência, ao invés, um facto constitutivo (negativo), cuja arguição, caracterização e prova pertence a quem se arroga o direito, pelo que, entendendo o contrário, o acórdão violou o disposto nos arts. 342º e 344° do Código Civil.
2. Ainda que assim não se entendesse, os factos concretamente alegados pela recorrente e por ela demonstrados enquadram-se nas motivações expressas na deliberação de exoneração do Conselho de Fundadores, mormente quanto a não ter o recorrido perfil adequado a reequilibrar os fundos próprios da Fundação ou a diminuir a dependência de subsídios externos, como decorre das respostas dadas aos quesitos 13°, 14°, 15°, 18°, 19°, 20°, 21°, 22°, 23°, 24° e 25°.
3. Acresce, se assim também não se entendesse, que, face à verificação, constante da sentença, de que a recorrente é um instrumento para a concretização de determinadas políticas na área da sua actividade, erradamente a obediência a essas políticas, materializada na deliberação de cessação do mandato, assume a natureza de justa causa objectiva.
4. De modo que o acórdão recorrido, mantendo a condenação da recorrente no pagamento de indemnização por revogação do mandato sem justa causa, cometeu erro de julgamento com violação do disposto no art. 1172° do Código Civil.
5. A considerar-se a existência de justa causa, os juros de mora incidentes sobre a importância de indemnização devem ser calculados a partir da citação da apelada, sendo neste sentido que deve ser lida e compreendida a parte decisória da sentença quanto à acção.
6. Colocada ao Tribunal da Relação de Lisboa a questão do cômputo dos juros apenas a partir da citação, o acórdão recorrido omitiu completamente a apreciação da questão, pelo que se cometeu a nulidade prevista no art. 668°, n° 1, alínea d), do Código de Processo Civil (omissão de pronúncia).
7. Foi o próprio recorrido quem, para sustento da acção, alegou a utilização de viatura para fins pessoais, a vantagem económica que isso para si representava, o valor desta, os custos suportados pela recorrente quanto a combustível, seguro e manutenção da viatura, bem como o pagamento pela apelada do seu telefone domiciliário e respectiva quantia mensal, o que tudo a apelada aceitou, invocando, porém, que fora determinada abusiva e ilegitimamente a tais gastos.
8. Ficou demonstrado que o recorrido se atribuiu, enquanto membro do Conselho de Administração da recorrente, aqueles benefícios, expressamente assumidos como complementares do seu estatuto remuneratório, à revelia de qualquer deliberação nesse sentido do Conselho de Fundadores, a quem, nos termos estatutários, pertence a competência exclusiva para a fixação da retribuição dos membros do Conselho de Administração.
9. De sorte que, quanto à reconvenção, ficaram demonstrados o acto ilícito culposo, os prejuízos e a relação de causalidade adequada, o que necessariamente determinaria a condenação do recorrido no pedido reconvencional.
10. Mantendo a decisão absolutória da primeira instância, o acórdão recorrido cometeu novo erro de julgamento, com violação, designadamente do disposto nos arts. 483°, 562° e 564° do Código Civil.
Encontra-se fixada, em definitivo, a seguinte matéria de facto:
i) - em 27 de Julho de 1993, o autor foi nomeado vogal do Conselho de Administração da ré;
ii) - este cargo, para efeito de remuneração, era equiparado a subdirector geral da Função Pública;
iii) - em 7 de Agosto de 1995, a ré exonerou o autor do cargo de vogal do Conselho de Administração, sem precedência de processo disciplinar, conforme consta da acta de fls. 33 a 35, que se tem por reproduzida;
iv) - o autor auferia mensalmente a quantia de 326.480$00, com subsídio de férias e de Natal;
v) - o autor usava e fruía uma viatura automóvel marca Toyota Carina E;
vi) - o autor utilizou permanentemente essa viatura, com combustível, seguro e manutenção a cargo da ré;
vii) - a despesas média mensal de combustível era de 38.784$00, seguro de 21.262$00, manutenção de 9.269$00, valor de aquisição da viatura de 4.500.000$00;
viii) - a vantagem económica anual conferida pela utilização da viatura corresponde a 1.125.000$00;
ix) - a despesa de telefone particular, no valor mensal de 9.641$00, era custeada pela ré;
x) - no dia 27 de Julho de 1993, em reunião do Conselho de Fundadores da B, a que corresponde a acta n° 1/93 (certificada de fls. 186 a 192), foi deliberado aprovar uma proposta de revisão dos estatutos, que incluía, além do mais, a alteração do mandato dos membros do conselho de administração de três para quatro anos, o que foi executado por escritura pública de 14 de Março de 1994, certificada a fls. 192 e segs., cujo teor se dá aqui por reproduzido. Nessa mesma reunião foi deliberado proceder à "recomposição dos órgãos sociais" da Fundação, o que se traduziu, no que ao caso interessa, na nomeação do autor como vogal do Conselho de Administração, nos termos já especificados em i);
xi) - anteriormente à sua nomeação como vogal do Conselho de Administração da ré, o autor desempenhava funções no Programa Inforjovem, estando requisitado ao Banco C, SA, pelo Instituto Português da Juventude;
xii) - a nomeação do autor para o cargo de vogal do Conselho de Administração da ré foi feito por indicação do Instituto Português da Juventude, mantendo-se a requisição, referida em xi), ao Banco C;
xiii) - na escritura de 14 de Março de 1994, certificada a fls. 192 e segs., nada consta sobre a aplicação do novo prazo do mandato aos membros do Conselho de Administração então em exercício;
xiv) - na acta n° 8/96, relativa à reunião do Conselho de Fundadores da ré realizada em 26/07/96, fez-se constar o seguinte:
"Atendendo que, em 27 de Julho de 1993 (acta 1/93) este Conselho de Fundadores nomeou como membros do Conselho de Administração o Eng. D, Dr. Horácio Filipe e Sr. Agostinho Pinto pelo período temporal de três anos, ou seja, até 26 de Julho de 1996, nos termos do n° 2 do artigo 10º dos Estatutos da Fundação, sem a alteração que lhe foi introduzida pela alteração parcial dos Estatutos datada de 14 de Março de 1994, considerando que não existe qualquer deliberação deste Conselho ou norma de transição inserta preferencialmente no texto da escritura pública da alteração dos estatutos de 14 de Março de 1994, que permita alargar o mandato daqueles Administradores por aplicação da nova redacção do n°2 do artigo 10° dos Estatutos».
xv) - na acta n° 4/95, relativa à reunião do Conselho de Fundadores da ré realizada em 07/08/95, fez-se constar o seguinte:
"Atenta a necessidade de imprimir nova orientação estratégica à Fundação para a Divulgação das Tecnologias de Informação, numa óptica de reestruturação interna, orgânica e funcional, assente na racionalização e adequação da gestão a uma nova filosofia que permita: - Reequilibrar os fundos próprios da Fundação; - Diminuir a dependência de subsídios externos; - Aproveitar as sinergias internas dos vários programas que gere, de modo a rentabilizá-los, tornando-os mais atractivos para os seus destinatários; - Introduzir novos produtos e criar condições a alguns dos já existentes para que possam tornar-se competitivos; o Conselho de Fundadores deliberou, por unanimidade, fazer cessar o mandato do Conselho de Administração, por forma a garantir a adequação do perfil dos seus membros às novas orientações estratégicas a desenvolver pela Fundação e assegurar o exercício das respectivas funções. Nestes termos, ao abrigo da alínea a) do número um do artigo nono dos Estatutos, deliberou o Conselho de Fundadores exonerar os vogais do Conselho de Administração, Senhor A e Dr. E, com efeitos imediatos";
xvi) - o Conselho de Fundadores, na reunião a que respeita a acta n° 1/93, deliberou equiparar, para efeitos remuneratórios, os vogais do Conselho de Administração da ré, com funções executivas, a subdirector-geral da função pública;
xvii) - a uti1ização da viatura pelo autor e o custeio perla ré das despesas de combustível, de seguro e de manutenção, verificou-se desde Outubro de 1993 até 07/08/95;
xviii) - o custeio pela ré, a título de complemento, das despesas particulares de telefone do autor, verificou-se desde Fevereiro de 1995 até 07/08/95;
xix) - a única deliberação do Conselho de Fundadores sobre a remuneração dos membros do Conselho de Administração é a que consta da referida acta n° 1/93, cujo teor se dá aqui por reproduzido;
xx) - nunca o Conselho de Fundadores deliberou atribuir ao autor prestações pecuniárias ou em espécie, para além do vencimento mensal fixo equivalente ao cargo de subdirector geral da Função Pública;
xxi) - nunca o Conselho de Fundadores deliberou atribuir ao autor a utilização de veículo para uso pessoal, o combustível, o seguro e a manutenção correspondentes, a título de prestação retributiva em espécie, ou o pagamento de despesas do seu telefone particular, a título de prestação retributiva pecuniária complementar ou a outro qualquer;
xxii) - foi o próprio Conselho de Administração a que o autor pertenceu que, com o voto favorável do próprio autor, conferiu tais regalias aos seus membros;
xxiii) - logo em 08/09/93, o autor e os demais membros do Conselho de Administração, invocando expressamente "que não se encontravam definidas as condições complementares do estatuto remuneratório, normalmente associado ao desempenho de tais funções", deliberaram: c) Atribuir aos elementos do CA o uso e fruição de viaturas, as quais não deverão ultrapassar, em termos de custos, o montante de 4.500.000$00 para os dois vogais";
xxiv) - em 15/10/93, o autor e os demais membros do Conselho de Administração deliberaram: "c) - Para os vogais optou-se pela marca Toyota, modelo Carina E, tendo-se formalizado a adjudicação à empresa Transmotor, através do ofício com a referência 2208-93/CA";
xxv) - e em reunido de 12/04/95, o autor e os demais membros do Conselho de Administração deliberaram: "(..) equipar com telemóvel as três viaturas da Fundação atribuídas aos seus membros (..); mandar equipar com via verde as viaturas referidas (..) com vista a diminuir a carga administrativa que envolve o processo de reembolso das despesas de combustível; mandar adquirir para os seus membros um cartão de crédito duma gasolineira em nome da Fundação" - acta nº 14/95;
xxvi) - em 16/02/94, o autor e os demais membros do Conselho de Administração deliberaram: "mandar aplicar aos seus (do CA) membros, com efeito a partir do mês de Fevereiro de 1995, o estipulado no n° 5 do Despacho Ministerial n° 7/MTSS/87, de 30/01/87, cabendo a cada um deles o montante mensal de 9.641$00 (..) para participação nas despesas com telefone domiciliário";
xxvii) - após a cessação do mandato, manteve-se a requisição do autor pelo Instituto Português da Juventude, a qual cessou a partir do dia 3l de Agosto de 1995;
xxviii) - em data anterior a 22/08/95, o autor solicitou o término da sua requisição ao Banco C;
xxix) - em 22/08/95, o Instituto Português da Juventude comunicou ao Banco C que dava por finda a requisição do autor a partir de 31 de Agosto de 1995;
xxx) - o autor desempenhava funções na Direcção de Processamento do Banco C, ao qual foi requisitado;
xxxi) - em Agosto de 1995, o vencimento mensal a que o autor tinha direito no Banco C era de cerca de 126.400$00, a que acrescia 10.620$00 de diuturnidades;
xxxii) - o autor, aquando da requisição pelo Instituto Português da Juventude, optou pelo vencimento de origem no Banco C;
xxxiii) - o vencimento auferido pelo autor no Banco C, antes e depois da revogação do mandato, era o referido em xxxi);
xxxiv) - após a revogação do mandato, o autor passou a auferir o vencimento mensal de 137.020$00, pago pelo Banco C.
Aceite, não apenas por falta de impugnação mas ainda porque se entende conforme aos factos e ao direito, o entendimento das instâncias ao qualificarem a relação entre o autor e a ré (enquanto aquele exerceu as funções de vogal do Conselho de Administração desta) como contrato de prestação de serviço na modalidade de mandato (1), de interesse comum, cujo prazo era de três anos (entre 27 de Julho de 1993 e 27 de Julho de 1996) importa conhecer das questões suscitadas pela recorrente nas conclusões das alegações, que se equacionam:
I. Da nulidade do acórdão.
II. Da existência ou não de justa causa para a cessação do mandato por parte da ré, e consequências, nomeadamente quanto ao direito do autor à indemnização que lhe foi concedida e ao momento em que os juros de mora são devidos.
III. Da procedência ou improcedência da reconvenção.
Começa a recorrente por invocar a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia (art. 668º, nº 1, al. d), do C.Proc.Civil) já que se não pronunciou acerca da questão do cômputo dos juros de mora, que, no entender daquela, apenas seriam devidos a partir da citação.
Como é sabido, "a nulidade prevista na alínea d) do nº 1 (do art. 668º) está directamente relacionada com o comando que se contém no nº 2 do art. 660º, servindo de cominação ao seu desrespeito".(2)
Norma que determina que "o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras".
Ora, no âmbito da apelação, a ora recorrente expressamente sustentou, nas conclusões das suas alegações de recurso (concretamente na conclusão 4ª) que "a considerar-se a existência de justa causa, os juros de mora incidentes sobre a importância da indemnização devem ser calculados a partir da citação da apelada, sendo neste sentido que deve ser lida e compreendida a parte decisória da sentença quanto à acção".
Todavia, como claramente se deduz do acórdão recorrido, não foi considerada a existência de justa causa para a revogação do mandato pela ré, razão pela qual, como é óbvio, ficou prejudicado o conhecimento da questão suscitada pela apelante, que apenas pugnava pela alteração do cômputo dos juros moratórios no caso de se reconhecer ter havido justa causa para aquela revogação.
Se houve ou não justa causa é questão que, suscitada na apelação, permanece neste recurso, mas que, a ter sido incorrectamente decidida, apenas traduz erro de julgamento, susceptível de impugnação através da via recursória, mas não constitui qualquer nulidade.
Por conseguinte, é inequívoca a falta de razoabilidade da pretensão da recorrente, porquanto o acórdão impugnado não enferma da nulidade que lhe é imputada, nem, aliás, de qualquer outra.
Defende a recorrente, em primeira linha, que a justa causa não assume, na cessação do mandato, a configuração de facto impeditivo do direito à indemnização, sendo a sua inexistência, ao invés, um facto constitutivo (negativo) cuja arguição, caracterização e prova pertence a quem se arroga o direito, pelo que, entendendo o contrário, o acórdão violou o disposto nos arts. 342º e 344° do Código Civil.
Fácil se revela, a nosso ver, demonstrar que tal afirmação não é razoável.
A livre revogabilidade do mandato, concedida a ambos os contraentes no art. 1170º, nº 1, do C.Civil, constitui excepção aos princípios gerais dos contratos, em pelo menos aparente contradição com o princípio da força vinculativa do contrato (pacta sunt servanda) e tal estatuição assenta no art. 406º do mesmo Código, do qual se infere que a revogação unilateral de um contrato só é admitida nos casos excepcionais previstos na lei.(3)
A livre revogabilidade sofre, no entanto, forte restrição ou limitação nas situações de mandato oneroso conferido também no interesse do mandatário, em que o contrato "não pode ser revogado pelo mandante sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa" (art. 1170º, nº 2).
Nestes casos, quer o acordo do interessado (mandatário) quer a ocorrência de justa causa, na falta daquele acordo, constituem pressupostos sem cuja verificação ao mandante se encontra vedada a revogação do mandato, isto é, em que este não goza do direito de proceder à respectiva revogação unilateral.
Com efeito, "pela própria impossibilidade de por si só produzir a imediata cessação do vínculo negocial, pode dizer-se que a declaração revogatória do mandante ganha realmente (apesar da sua feição) a natureza de uma proposta de distrate, pelo que o contrato poderá cessar, não por revogação do mandante, mas por acordo das partes. Diversos são, porém, os casos em que o mandante tem justa causa para a imediata ruptura do vínculo, casos esses que, no entanto, se reconduzem à resolução (…). Sendo certo que "no mandato in rem propriam, a que alude o nº 2 do art. 1170º, a existência duma justa causa, constitui um requisito constitutivo do direito de resolução". (4)
Ou, como também já se entendeu, apreciando a questão por ângulo inverso e no respeitante à destituição de gerente de uma sociedade, a justa causa configura-se como circunstância impeditiva do direito à indemnização pelo mandatário, pelo que o ónus da prova dos respectivos factos cabe ao mandante.(5)
Consequentemente, neste caso concreto, a desconformidade legal da revogação do mandato, que é pressuposto do direito à indemnização do mandatário nos termos do art. 1172º, nº 1, al. c), só é afastada se a justa causa, como vimos, requisito da revogação (ou resolução) pelo mandante, estiver demonstrada. Ora, como claramente resulta do nº 1 do art. 342º do C.Civil, é àquele que invoca um direito que compete fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
Donde, sempre seria à ré - que procedeu à revogação do mandato oneroso conferido também no interesse do mandatário - que incumbia alegar e provar a verificação de justa causa que tornaria justificada a revogação operada, sob pena de se ter a mesma como ilícita.
Importa, não obstante o exposto sobre o ónus da prova, analisar a matéria de facto e o direito aplicável, para averiguar se, no caso sub judice, demonstrou ou não a ré que teve justa causa para proceder à revogação do mandato do autor.
E isto porque o nº 2 do artigo 1170º do C.Civil ressalva do regime estabelecido - irrevogabilidade do mandato - a existência de justa causa. Situação que, in casu, e porque a revogação já operou de facto e de direito (não foi impugnada (6) releva, sobretudo, em termos de indemnização.
Na verdade, e se em princípio a revogação do mandato com justa causa afasta qualquer obrigação de indemnizar por parte do mandante, já a revogação desacompanhada dessa causa justa implica, sem dúvida, que o mandante, dada a equiparação do acto abusivo ao acto ilícito, deva indemnizar o mandatário pelos danos resultantes do exercício inadmissível da revogação unilateral (7) ou, no mínimo, por força do disposto no art. 1172º, al. c), do citado Código.(8)
Sendo que tal entendimento serve também para os casos de revogação de mandato conferido aos órgãos das pessoas colectivas, não obstante a sua sujeição a regime especial.(9) Na verdade, das disposições dos arts. 170º e 986º do C.Civil, sobretudo em face do nº 3 do último preceito, resulta que a designação de administradores feita em acto posterior à constituição pode ser revogada por deliberação da maioria dos sócios, sendo em tudo o mais aplicáveis à revogação as regras do mandato.
O que significa que "em hipóteses (como a do art. 896º, nº 3) em que a lei pretendeu dificultar a formação da vontade colectiva (aspecto interno) continuou, todavia, a tratar o tema como de revogação do mandato".(10)
Por isso se tem entendido - não constituindo a mesma fattispecie é em tudo similar - que o poder conferido aos sócios no nº 1 do art. 257º do Código das Sociedades Comerciais, de deliberar a todo o tempo destituir o gerente, apresentando-se no mesmo alinhamento do princípio da liberdade de revogação dos poderes de administração das sociedades civis e do princípio da liberdade de revogação dos contratos de prestação de serviço e mandato (arts. 986º, nº 3, 1156º e 1170º do Código Civil) não precisa da verificação de justa causa, salvo no caso previsto no nº 3 do citado art. 896º, em que essa causa justificada tem que estar presente.(11)
Em consequência, mesmo nestes casos, não deixa de se aplicar a norma do art. 1170º, nº 2, que estabelece a irrevogabilidade, com as consequências já acima descritas, do mandato de interesse comum do mandante e do mandatário, designadamente no que releva para efeitos do direito a indemnização.(12)
Vejamos, então.
Embora a nossa lei não contenha uma noção de justa causa de revogação (resolução) do mandato, considera o Prof. Raúl Ventura (13), relativamente à destituição do gerente de sociedade, que o "artigo 257º do CSC não define justa causa, mas aponta, exemplificativa e genericamente, como tal, a violação grave dos deveres do gerente e a sua incapacidade para o exercício normal das respectivas funções".
Assim, o conceito de justa causa apresenta-se como indeterminado, não facultando uma ideia precisa quanto ao seu conteúdo. Ora, como ensina Menezes Cordeiro (14), "os conceitos indeterminados põem em crise o método de subsunção: a sua aplicação nunca pode ser automática, antes requerendo decisões dinâmicas e criativas que facultem o seu preenchimento com valorações".
Conforme precisam Pires de Lima e Antunes Varela, não definindo a lei justa causa, deve o seu conteúdo ser, em princípio, "apreciado livremente pelo tribunal". Observam, a propósito, estes Autores que, "em Itália, é unanimemente reconhecida como causa justa não a causa subjectiva - a falta de confiança, superveniente, do mandante no mandatário - mas a causa objectiva, considerando-se como tal toda a circunstância que torne contrário aos interesses do mandante o prosseguimento da relação jurídica".(15)
"Será uma justa causa ou um fundamento importante qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual, e segundo a boa fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação contratual; todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim, qualquer conduta que possa fazer desaparecer pressupostos, pessoais ou reais, essenciais ao desenvolvimento da relação, designadamente qualquer conduta contrária ao dever de correcção e lealdade (ou ao dever de fidelidade na relação associativa). A justa causa representará, em regra, uma violação dos deveres contratuais (e, portanto, um incumprimento): será aquela violação contratual que torna insuportável ou inexigível para a parte não inadimplente a continuação da relação contratual". (16)
Temos, assim, como certo, que a deliberação que determinou a cessação de funções do administrador (revogação do mandato) há-de sempre encontrar raiz em algo que se reflicta, ponderosamente, no exercício concreto da gestão, para que possa preencher o conceito indefinido de justa causa. E não será excessivo concluir que pode elevar-se à qualidade de critério da existência de justa causa, neste domínio concreto, a verificação de um comportamento na actividade do administrador - ou a prática de actos por sua parte - que impossibilite a continuação da relação de confiança que o exercício do cargo pressupõe". (17)
Não pode, pelo exposto, admitir-se como razoável a afirmação da recorrente de que o ter-se considerado na deliberação que determinou a cessação de funções do autor que este não tinha o perfil adequado a reequilibrar os fundos próprios da Fundação ou a diminuir a dependência de subsídios externos, bem como, face à verificação, constante da sentença, de que a recorrente é um instrumento para a concretização de determinadas políticas na área da sua actividade, erradamente a obediência a essas políticas, materializada na deliberação de cessação do mandato, assume a natureza de justa causa objectiva.
Já vimos em que consiste a objectividade da justa causa, e a conclusão a que chegamos não coincide, nem de longe, com a posição sustentada pela recorrente.
Aliás, como bem se explica na sentença confirmada pelo acórdão recorrido, "não obstante a ré defender nas suas alegações escritas que a instrução e julgamento da causa revelou factos concretamente integrantes dos fundamentos causais da exoneração, isso, salvo o devido respeito, não corresponde à realidade. Com efeito, aquilo que está demonstrado é que a ré, através do Conselho de Fundadores, invocou determinados motivos para proferir a deliberação de exoneração, mas não está provado que esses motivos sejam exactos e verdadeiros. Não é pelo facto de a ré afirmar a motivação que consta do excerto da deliberação reproduzido na alínea Q) que isso se pode dar como verdadeiro. Por exemplo, para o Tribunal poder chegar à conclusão de que era necessário reequilibrar os fundos próprios da Fundação, teria a ré de ter alegado factos que permitissem a conclusão de que a situação era de desequilíbrio dos fundos próprios. O mesmo se diga da afirmação sobre a necessidade de diminuir a dependência de subsídios externos, para o que era preciso, no mínimo, que estivesse factualmente demonstrado que existia uma dependência desses subsídios. Esses factos não foram alegados, nem foram sujeitos a actividade probatória, pelo que não podem aqui ser de alguma forma considerados. Aliás, não pode o Tribunal deixar de sublinhar que os argumentos constantes da aludida acta n° 4/95, relativa à reunião do Conselho de Fundadores da ré realizada em 07/08/95, são de natureza valorativa e programática, e não de natureza factual. Frases como necessidade de imprimir nova orientação estratégica, óptica de reestruturação interna, orgânica e funcional, racionalização e adequação da gestão a uma nova filosofia, aproveitar as sinergias internas, garantir a adequação do perfil dos seus membros às novas orientações estratégicas a desenvolver, podem ser ditas nas mais variadas circunstâncias e sob os mais variados pretextos, não tendo qualquer significado se não forem apoiadas em factos" (fls. 394 e 395).
Consequentemente, há que concluir que não tem a recorrente razão quando pretende ter havido justa causa que justificasse a licitude da revogação do mandato conferido ao autor.
E, por tal motivo, nada resta que não seja, quanto à parte em que se situou no âmbito da acção, conhecendo dos pedidos deduzidos na petição inicial, confirmar o acórdão recorrido.
Uma referência, apenas, quanto à condenação no pagamento de juros de mora contida no acórdão em crise.
É que, por não se haver considerado que ocorreu justa causa para a revogação do mandato, a questão do cômputo daqueles juros a partir da citação mantém-se prejudicada, não tendo este tribunal, como já não tinha o da Relação, que se pronunciar acerca dela.
No que concerne à reconvenção sustenta a recorrente que foi o próprio autor, enquanto membro do Conselho de Administração da recorrente, que se atribuiu os benefícios de fruição de viatura e telefone, com gastos suportados pela Fundação, expressamente assumidos como complementares do seu estatuto remuneratório, à revelia de qualquer deliberação nesse sentido do Conselho de Fundadores, a quem, nos termos estatutários, pertence a competência exclusiva para a fixação da retribuição dos membros do Conselho de Administração.
Desse modo, encontrar-se-ia demonstrado o acto ilícito culposo, os prejuízos e a relação de causalidade adequada, o que necessariamente deveria determinar a condenação do recorrido no pedido reconvencional.
Não tem razão, a nosso ver.
Fundamentou a recorrente o pedido reconvencional de indemnização na responsabilidade civil do autor por facto ilícito por ele praticado.
Nesta sede, dispõe o art. 483°, n° 1, do Código Civil, "aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação ".
Constituiria, pois, pressuposto necessário da responsabilidade do recorrido a ilicitude da sua actuação e, sequencialmente, a respectiva censurabilidade pela ordem jurídica.
Ora, a verdade é que quer a utilização da viatura e o custeio pela ré dos respectivos encargos (combustível, seguro, manutenção) quer o pagamento de custos de telefone particular, não podem ser entendidas como prestações remuneratórias.
Tais vantagens (aliás isso foi tido em conta no julgamento da acção, quando se não condenou a ré no pagamento ao autor do montante atinente à perda dessas regalias, como pedido, por se entender que as mesmas "não integram a remuneração, por não serem subsumíveis ao respectivo conceito, pelo que não são susceptíveis de indemnização nos termos do art. 1172º, al. c), do C.Civil") foram apenas destinadas a assegurar a actividade dos elementos do Conselho de Administração, enquanto ao serviço e no interesse pessoal da reconvinte.
Situação que perfeitamente se integra no disposto no art. 1167°, al. a), do C.Civil (directamente aplicável ao caso dos autos) segundo o qual o mandante é obrigado "a fornecer ao mandatário os meios necessários à execução do mandato, se outra coisa não for convencionada ". Ademais, a não serem colocados à disposição do reconvindo os meios necessários à execução do mandato, sempre recairia sobre a recorrente a obrigação de o indemnizar pelas despesas feitas (cfr. a alínea c) do citado preceito).
Ora, a utilização da viatura e o custeio pela ré dos respectivos encargos (combustível, seguro, manutenção), bem como o pagamento dos custos do telefone particular, constituem, na sua globalidade, meios necessários à execução do mandato: e isso nada tem que ver com a retribuição do mandatário (cfr. alínea b) do art. 1167°).
Acresce que se não demonstrou (tal é evidente) que as referidas vantagens ou regalias tivessem sido conferidas ou utilizadas para fins pessoais dos administradores (um dos quais o recorrido), situação que tornaria claramente abusivo obrigar o reconvindo a pagar os encargos com combustível, seguro e manutenção, bem como do telefone particular, quando os mesmos foram efectuados para assegurar a prossecução da actividade da ré. No fundo, estar-se-ia a condenar o autor a subsidiar as despesas com a actividade desta.
E, em derradeira análise, não sendo o custeio de tais despesas prestação remuneratória, a sua atribuição aos administradores inseria-se na competência própria do Conselho de Administração, conformemente ao disposto no artigo 11º dos Estatutos da recorrente, segundo o qual "compete ao Conselho de Administração praticar todos os actos necessários à prossecução dos fins da Fundação".
Em suma, não existiu qualquer ilicitude na actuação do Conselho de Administração, de que o autor fazia parte, pelo que se não encontra justificação para a pretensão indemnizatória formulada na reconvenção.
Também nesta parte, por conseguinte, improcede a pretensão da recorrente.
Pelo exposto, decide-se:a) - julgar improcedente o recurso de revista interposto pela ré/reconvinte "B";b) - confirmar o acórdão recorrido;c) - condenar a recorrente nas custas da revista
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Lisboa, 5 de Maio de 2005Araújo BarrosOliveira BarrosSalvador da Costa
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(1) Pode ver-se, por exemplo, em Rodrigues Bastos ("Dos Contratos em Especial segundo o Código Civil de 1966", vol. III, 1974, pag. 61) que "as relações jurídicas criadas pela instituição da gerência ou administração comercial, no tocante às relações entre a sociedade e o gerente ou administrador integram uma relação de mandato".(2) Rodrigues Bastos, "Notas ao Código de Processo Civil", vol. III, Lisboa, 1972, pag. 247. (3) Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, "Código Civil Anotado", vol. II, 3ª edição, Coimbra, 1986, pag. 729.(4) Manuel Januário da Costa Gomes, "O Contrato de Mandato", in Direito das Obrigações sob a orientação de António Menezes Cordeiro, 3º vol., Lisboa, 1991, pags. 382, 383 e 388.(5) Ac. STJ de 01/06/99, in BMJ nº 488, pag. 361 (relator Martins da Costa). (6) É ao mandatário, com efeito, que cabe escolher entre tornar eficaz a declaração de revogação - rectius aceitar a declaração de revogação - ou impor ao mandante a continuação da gestão (Manuel Januário da Costa Gomes, "Em Tema de Revogação do Mandato Civil", Coimbra, 1989, pag. 185). (7) Manuel Januário da Costa Gomes, "Em Tema de Revogação do Mandato Civil", Coimbra, 1989, pags. 216 e 217.(8) Ac. STJ de 09/01/2003, no Proc. 4134/02 da 7ª secção (relator Nascimento Costa). (9) Pires de Lima e Antunes Varela, "Código Civil Anotado", vol. II, 3ª edição, Coimbra, 1986, pag. 732. (10) Durval Ferreira, "Do Mandato Civil e Comercial", Vila Nova de Famalicão, 1967, pag. 223. (11) Ac. STJ de 23/06/92, in BMJ nº 418, pag. 793 (relator Rui Brito).(12) Ac. STJ de 20/01/99, in BMJ nº 483, pag. 176 (relator Garcia Marques).(13) "Sociedades por Quotas", vol. III, Coimbra, 1991, pags. 91 e 92. (14) "Manual de Direito de Trabalho", Coimbra, 1994, pág. 819.(15) "Código Civil Anotado", vol. II, 3ª edição, Coimbra, 1986, pag. 731. (16) João Baptista Machado, "Pressupostos da Resolução por Incumprimento", in Obras Dispersas, Braga, 1991, pags. 143 e 144. Cfr. Ac. STJ de 18/06/96, no Proc. 219/06 da 2ª secção (relator Herculano Namora).(17) Ac. STJ de 18/06/96, no Proc. 102/96 da 1ª secção (relator Cardona Ferreira).

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Compilado e editado por am


SIMULAÇÃO - ESCRITURAS PUBLICAS DE PARTILHAS






Acordão de 03-03-2005

TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

SUMÁRIO
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I. Integra matéria de facto, do foro exclusivo das instâncias, a indagação, a pesquisa e o apuramento da intenção dos contraentes ou outorgantes em determinado negócio jurídico, bem como a questão de saber se o declaratário conhecia a vontade real do declarante e qual a vontade deste. II. Para a existência de simulação, exige a lei três requisitos: divergência entre a vontade real e a vontade declarada; intuito de enganar ou iludir terceiros («animus decipiendi»), eacordo simulatório («pactum simulationis»).III. O negócio simulado (simulação absoluta) é nulo, operando a declaração de nulidade eficácia retroactiva (eficácia "ex-tunc").IV. Tal vício acarreta, por seu turno, a nulidade dos negócios jurídicos celebrados a jusante e relativos aos mesmos bens.


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Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. "A" e mulher B instauraram na Comarca de Setúbal acção ordinária contra os Réus C, D e mulher E, F e mulher G, H e mulher I, solicitando:
- fossem declaradas nulas e de nenhum efeito as escrituras públicas de partilhas referidas nos artigos 119, 129, 132 e 144 da p.i., bem como essas próprias escrituras e se mandassem cancelar todos e quaisquer registos que houvessem sido efectuados com base nas mesmas, designadamente as transmissões a favor da Ré C e as posteriores sobre os mesmos bens;
- fossem declaradas nulas e de nenhum efeito as doações tituladas pelas escrituras referidas nos artigos 269 a 312 da p.i. e bem assim essas próprias escrituras e se mandassem cancelar quaisquer registos que houvessem sido feitos ou viessem a ser feitos a favor dos donatários com base nessas escrituras e os registos posteriores sobre os mesmos bens;
- se assim não for entendido, se declarasse que J adquiriu por usucapião todos os bens referidos no art. 129, 139 e 149 da p.i., registando-se todos esses bens em nome dele ou dos seus herdeiros referidos no art. 29 da p.i., sem determinação de parte ou direito, e cancelando-se todos os registos de aquisição referidos nos pedidos anteriores.
Alegaram, em síntese que, quer o divórcio por mútuo consentimento decretado entre o pai do Autor, J e a Ré C por sentença de 13-12-84, transitada em julgado em 7-1-85, quer a celebração das escrituras de partilhas e de doação, datadas de 14-7-86, foram realizados de comum acordo entre o falecido J e a Ré C, apenas com o intuito de que o ora Autor A, também filho do dito J, nada recebesse por morte de seu pai, sendo certo que os ora RR filhos daqueles e demais família tinham conhecimento da celebração de tal divórcio e escrituras com essa intenção, sendo que tais escrituras de partilha e de doação, por simuladas, são nulas e de nenhum efeito.
2. Contestaram os RR, arguindo a ilegitimidade passiva das Rés E, G e I e impugnando a acção, alegando, em síntese, e além do mais, que:
- a Ré C sempre declarou o que a sua vontade determinou, isto é, declarou, consciente do seu acto, que queria divorciar-se e efectuou as partilhas com o seu ex-marido de forma a serem-lhe adjudicados todos os bens imóveis, até por alguns terem provindo da sua herança, tendo pago as devidas tornas;
- a Ré C nada tem a ver com o A., sendo certo que os seus (dela) filhos ficariam suficientemente salvaguardados com a sua meação e legítima, não sendo necessário simular quaisquer contratos;
- o A., na ânsia de agora reconhecer o pai, para receber a herança, pensa que tudo o que está construído nos referidos prédios lhe pertencia mas não uma vez que seus filhos já neles construíram e reconstruíram diversas obras, abriram furos de captação de água, no que despenderam diversos milhares de contos;
- a Ré C e o seu ex-marido estiveram de acordo em divorciar-se e, após o divórcio, naturalmente, acordaram efectuar a partilha dos bens do ex-casal e fizeram-no;
- na posse legítima e legal dos bens, a Ré C entendeu doá-los na quase totalidade aos seus filhos, direito este que ninguém pode pôr em causa;
- é falso que após o divórcio e as partilhas a Ré C tivesse continuado a viver em comunhão de mesa e habitação com o ex-marido;
- os filhos do casal nenhuma intervenção tiveram nos ditos divórcio e partilhas;
- após o divórcio e as partilhas, o falecido J nada mais teve a ver com os imóveis partilhados, não detendo a posse e fruição dos mesmos, nem se intitulava o respectivo dono.
Concluíram no sentido da procedência da excepção de ilegitimidade, bem como pela improcedência dos pedidos formulados pelos AA.
3. Replicaram os AA afirmando a legitimidade das RR E, G e I, pois que casadas em regime de comunhão de adquiridos e, nessa medida os RR, maridos das mesmas, não poderiam alienar os imóveis sem o seu consentimento.
Requereram ainda se ampliasse a causa de pedir e o pedido constante em ordem a abranger a escritura referida no art.º 15º da réplica e consequente registo a favor do donatário, o Réu H, e o que mais aí se solicita, designadamente o cancelamento do registo feito com base nessa escritura de doação, bem como dos posteriores sobre esse mesmo bem.
4. Por sentença de 29-4-03, o Mmo Juiz da Vara de Competência Mista de Setúbal julgou a acção procedente e, em consequência:
- declarou nulas as escrituras públicas de partilhas celebradas em 14-7-86, 20-11-92, 28-8- 96 entre J e a Ré C, ordenando o cancelamento dos registas prediais efectuados com base nas mesmas, designadamente as transmissões a favor da Ré C,;
- declarou nulas as escrituras públicas celebradas em 6-8-99 entre a Ré C e os RR. H, F e D, respectivamente, bem como a celebrada em 28-12-99 entre a Ré C e o Réu H, ordenando, em consequência, o cancelamento dos registos prediais efectuados com base nas mesmas a favor dos RR. donatários.
5. Inconformados com essa decisão, dela vieram apelar os RR D e mulher e H e mulher, mas o Tribunal da Relação de Évora, por acórdão de 3-6-04, negou provimento ao recurso.
6. De novo irresignados, agora com tal aresto, dele vieram os RR C e Outros recorrer de revista para este Supremo Tribunal, em cuja alegação formularam as seguintes conclusões:
1ª - Ao dar como provado que: Foi com o intuito de evitar que o A. pudesse vir a herdar os bens pertencentes a seu pai quando este falecesse, que o falecido J e C acordaram divorciar-se por mútuo consentimento e, mesmo depois do divórcio e das partilhas, o falecido J continuou a viver com a Ré C na mesma casa, comendo à mesma mesa e dormindo na mesma cama, até pouco tempo antes do falecimento daquele, não se conhecendo entre ambos quaisquer desentendimentos, comportando-se ambos como pessoas casadas entre si e que se dão bem, o tribunal só podia declarar que o divórcio por mútuo consentimento foi simulado e portanto nulo;
2ª- A nulidade é invocável a todo o tempo e portanto tem de declarar- se que o falecido J e a Ré C eram casados (art° 286° do C. Civil e 240° do C. Civil);
3ª- O cônjuge sobrevivo tem direito nos termos do n° 1 do artigo 2.139° do C. Civil, a uma quarta parte da herança deixada pelo "de cujus " e é a legítima do cônjuge, que reverterá a favor dos herdeiros da Ré;
4ª- A Ré C e o falecido J, quiseram celebrar o negócio jurídico de partilha dos bens comuns do casal e aderindo á tese do acórdão, com intuito de prejudicar terceiro, mas não houve vício de declaração de vontade, pois a vontade real do J era adjudicar como adjudicou os bens á C, recebendo tornas;
5 ª- A haver simulação, ela existe apenas quanto ao divórcio, porque quanto ás partilhas, ambos os outorgantes queriam o que declararam, isto é adjudicar os bens á C;
6ª- O negócio simulado é por definição falso e não querido nos seus efeitos. Ora, a Ré C e o falecido J, queriam os seus efeitos, isto é, quando outorgaram e assinaram as escrituras de partilha, queriam efectivamente que todos os bens ficassem a pertencerá Ré C, não podendo por isso falar-se em negócio simulado;
7ª- Poder-se-á quando muito falar-se num negócio dissimulado, isto é, os outorgantes quiseram doar os terrenos aos filhos do casal e não o fizeram directamente, para evitar que o A. recebesse a sua parte, mas através do divórcio simulado, mantendo-se válida a doação.
8ª - Por outro lado, a R. C,, com o falecimento do J, teria sempre direito a ¾ da herança, por força da sua meação, legítima e do testamento em que o J a instituiu herdeira;
9ª - Pelo que, mesmo que fosse entendido que haveria negócio simulado na outorga das escrituras de partilhas, corresponderia a este negócio uma doação em vida do J á C dispondo da quota indisponível, pelo que nesta parte, e só nesta, teria lugar á redução do negócio nulo parcialmente, nos termos do artigo 292° do C Civil;
10ª - O falecido J instituiu seus herdeiros a Ré C e os seus filhos, RR nesta acção por testamento outorgado em 1-6-67 no Cartório Notarial da Moita. Com a outorga deste testamento a Ré C teria direito a 3/4, três quartos da herança, considerando a sua meação, a quota disponível do falecido, e como herdeira legitimária, e cada um dos filhos do falecido J, teria direito a 1/16 avos;
11ª - Dos bens partilhados pelo falecido J e a Ré C há um prédio rústico, sito na Lagoinha ou Vale de Alecrim, inscrito na matriz sob o artigo 49°da Secção "T" e melhor identificado a fls. 5 da certidão predial, junta como documento 11, com a p. i., donde se alcança que este prédio não foi doado e continua a pertencer á Ré C, como aliás o A. confessa no artigo 12°da sua douta, réplica;
12°- Este prédio é de valor superior á legítima do A., pelo que, a confirmar-se o acórdão do Tribunal da Relação, sempre o A. poderia reclamar os seus direitos, sem necessidade de declarar a nulidade das escrituras públicas de partilha e de doação, devendo haver lugar à conversão dos negócios nos termos do artigo 293 ° do C. Civil ;
13ª - Pois, se a Ré e o falecido J tivessem previsto a invalidade dos negócios celebrados, teriam feito doações aos filhos do casal por conta da legítima de cada um deles;
14ª- Há impossibilidade legal de cumprimento do acórdão, pois na douta sentença diz-se: declara-se nulas as escrituras públicas de partilhas celebradas em 14/07/86, 20/11/92 28/06/96, entre J e C e ordena-se o cancelamento dos registos prediais que foram efectuados com base nos mesmos, designadamente as transmissões a favor da Ré C, e ainda se declaram nulas as escrituras públicas de doações celebradas em 6.8.99, entre a Ré C e os Réus H, F e D respectivamente e a celebrada em 18.12.99 entre a Ré K e o Réu H, bem como se ordena o cancelamento dos registos prediais que foram efectuados com base nas mesmas a favor dos RR donatários;
15ª - As escrituras não podem ser declaradas nulas, porque nas mesmas foram cumpridos todos os requisitos legais, nomeadamente os do artigo 46° do Código do Notariado, sendo que as nulidades dos actos notariais são as previstas no artigo 70 e 71 do Código do Notariado;
16ª- A sentença e o douto acórdão violaram os artigos 240º,241º, 286º 292º, 293º 2139 do Código Civil e art°s 46º,70º e 71º do Código do Notariado, devendo por isso ser revogados,
17ª- Deve ser mantido aos recorrentes o apoio judiciário concedido.
7. Contra-alegaram os AA sustentando a correcção do julgado pelas instâncias.
8. Colhidos os vistos legais, e nada obstando, cumpre apreciar.
9. Em matéria de facto relevante, remete-se para o elenco já fixado pela Relação ao abrigo do disposto no nº 6 do artº 713º do CPC, aplicável "ex-vi" do artº 726º, ambos do mesmo diploma.
Assim:
1º- Em 30-9-99 faleceu J, pai do A., nascido a 26-3-43 e dos R.R. D, nascido a 17-3-50, F, nascido a 3-7-58 e H, nascido a 19-8-65;
2º- J era divorciado da Ré C, não deixou testamento e, à data da sua morte, deixou como únicos herdeiros os seus quatro filhos: O Autor A e os R.R. D, F e H;
3º- O Autor A é filho de J e de M, com quem não chegou a casar,
4º- Em 4-1-48 J casou, no regime de comunhão geral de bens, com a Ré C;
5º- Desse casamento celebrado entre J e a Ré C nasceram os R.R. D, F e H;
6º- Há dezenas de anos que o falecido J e o A., não mantinham contactos entre si, nomeadamente não se falando, nem se visitando, nem tendo entre ambos relações de afecto;
7º- A Ré C e o A. nunca se falavam ou visitavam, ou pelo menos, há dezenas de anos que tal não acontecia ou acontece;
8º- O A. e os R.R., há muitos anos que não se falam ou se contactam, e quando falaram alguma vez foi sempre de forma, esporádica e ocasional, não havendo entre eles qualquer relação de afecto;
9º- O casamento celebrado entre o pai do A., J e a Ré C, foi dissolvido por divórcio por mútuo consentimento, decretado por sentença, proferida pelo T. Judicial de Setúbal de 13-12-84, transitada em julgado em 7-1-85;
10º- Em 14-7-86, foi celebrado no 251 Cartório Notarial de Setúbal, escritura pública de partilha extrajudicial dos bens comuns, a fls. 22 e segs., em que intervieram o falecido J e a Ré C, como 14 e 251 outorgantes respectivamente;
11º- Na referida escritura pública de partilhas, declarou-se serem adjudicados à Ré C, todos os bens imóveis pertencentes ao casal, todos eles situados no Concelho de Palmela e nesse documento discriminados:
12º- Por escritura pública celebrada no dia 20-11-92, no mesmo Cartório Notarial, o falecido J e a Ré C, procederam à rectificação da escritura de partilhas supra referida em 10 e 11, no sentido de que as verbas nos 4 e 5 constituíam um único prédio, e não dois prédios distintos, mantendo no resto a partilha tal como inicialmente havia sido efectuada, sendo a seguir tal prédio registado a favor de C pela inscrição G-2;
13º- Por escritura pública de 28-5-96, no 22 Cartório Notarial de Setúbal, o falecido J e a Ré C, declararam de novo proceder à partilha do prédio misto sito em Venda do Alcaide, freguesia de Pinhal Novo, inscrito na matriz rústica sob o Arte 2434, Secção G e a parte urbana então omissa na matriz mas pedida a sua inscrição em 6-11-95, descrito na C.R.P. de Palmela sob o N2 02925/211195 da freguesia de Palmela, tendo este prédio sido adjudicado à Ré C e a seguir registado a seu favor pela inscrição G-2 (tratando-se, pois do mesmo prédio já referido sob a verba N2 7 da escritura de 14-7-86);
14º- Em ambas as escrituras foi declarado que a Ré C deu tornas ao falecido J, respectivamente no valor de 240.480$00 e 200.000$00;
15º- Posteriormente, a Ré C acordou com os seus filhos, D e F e H, em doar-lhes alguns dos bens imóveis supra referidos;
16º- Assim, em 6-8-99, foi celebrado no 2º Cartório Notarial de Évora, escritura pública de doação, de fls. 85 a fls. 86 do Livro 60-F, em que intervieram a Ré C e o R. H, como 14 e 2e outorgantes, respectivamente, pela qual a primeira doou ao segundo o imóvel supra descrito soba - verba N4 1, em 11., tendo sido registado a favor do donatário pela inscrição G-3;
17º- Na mesma data, 6-8-99, no mesmo Cartório, foi celebrado escritura pública de doação, de fls. 89 a 90 do livro 60-F, em que intervieram a Ré C e o Réu F, como 1º e 2º Outorgantes, respectivamente, pela qual a primeira doou ao segundo o imóvel supra descrito sob a verba N4 6, em 11., tendo sido registado a favor do donatário pela inscrição G-2;
18º- E ainda em 6-8-99, no mesmo Cartório, foi celebrado escritura pública de doação, de fls. 87 a fls. 88 vº do Livro 60-F, em que intervieram a Ré C e o Réu D, como 19 e 29 outorgantes, respectivamente, pela qual a primeira doou ao segundo os imóveis supra descritos sob as verbas ngs 4 e 5, em 11., e igualmente supra referida em 12., tendo sido registado a favor do donatário pela inscrição G-3;
19º- Em 28-12-99, foi celebrado, no cartório Notarial de Reguengos de Monsaraz, escritura pública de doação, de fls. 51 a 52 do Livro 54 D, em que intervieram a Ré C e o Réu H como 12 e 29 outorgantes, respectivamente, pela qual a primeira doou ao segundo o imóvel supra descrito sob a verba ng 2, em 11., tendo sido registado a favor do donatário pela inscrição G-2;
20º- Foi com o intuito de evitar que o A. pudesse vir a herdar os bens pertencentes a seu pai, quando este falecesse, que o falecido J e a Ré C, acordaram em divorciar-se por mútuo consentimento e, posteriormente, celebrar escritura de partilhas, em que todos os bens do casal ficariam a pertencer à segunda;
21º- O acordo referido na resposta dada ao quesito anterior foi estabelecido com conhecimento dos Réus D, F e H;
22º- Ao celebrarem as escrituras de partilhas supra referidas em 10. a 13., o falecido J e a Ré C, não pretendiam aquilo que declararam;
23º- Mas apenas excluir o A. do direito de vir a herdar os bens pertencentes a seu pai;
24º- As aludidas escrituras de partilhas, foram celebradas com o intuito dos bens partilhados ficarem a pertencer, posterior e exclusivamente, aos Réus D, F e H, com exclusão do A;
25º- Os prédios partilhados entre o falecido J e a Ré C, eram e são no valor de muitas dezenas de milhares de contos;
26º- Mesmo depois do divórcio e das partilhas, o falecido J continuou a viver com a Ré C, na mesma casa;
27º Comendo à mesma mesa e dormindo na mesma cama, até pouco tempo antes do falecimento daquele;
28º- Não se conhecendo entre ambos quaisquer desentendimentos;
29º- Comportando-se ambos como pessoas casadas entre si e que se dão bem;
30º- O falecido J, mesmo após as escrituras de partilhas a que se alude em 10 a 13, continuou a habitar as casas e até data indeterminada mas anterior a 1990, continuou a cuidar da manutenção dos terrenos referidos em 11 da mesma matéria assente, como único dono dos mesmos, cultivando a terra, plantando árvores e colhendo os frutos;
31º- Em nome próprio e no seu próprio interesse;
32º- E sem oposição de quem quer que fosse, nomeadamente de qualquer dos Réus;
33º- O falecido J e o Réu F viviam no mesmo "monte", o qual tinha, pelo menos, duas casas de habitação, vivendo numa o falecido J e a Ré C e noutra o Réu F;
34º- Quanto ao prédio descrito na CRP de Palmela sob o n.02925/211195, a Ré C entregou-o ao Réu D para que este o explorasse;
35º- O Réu D mandou arranjar a casa, mandando-a rebocar e pintar as paredes exteriores e colocar portas;
36º- Por não ter possibilidades de cultivar a terra, o Réu D em 1990, cedeu-a ao irmão H para este a cultivar,
37º- O que este fez de parceria com um indivíduo de nome L, conhecido por..., os quais a cultivavam, e dividiam as despesas e a produção em partes iguais;
38º- Após a realização das obras na casa, o Réu D cultivou o terreno durante um ano, findo o qual, por falta de tempo e não ser rentável, cedeu-o para cultivar ao referido «...» situação que hoje se mantém;
39º- Quanto ao prédio descrito na CRP de Palmela sob o N4 2139/111088, é nele que existe o «monte» (a que se alude no ponto 33) e o mesmo tinha, pelo menos duas casas de habitação;
40º- Vivendo o Réu F da exploração deste prédio, cultivando e vendendo os produtos que ali obtém;
41º- Fazendo ali a criação de animais, galinhas, bois para engorda e ovelhas;
42º- No ano de 1993, o Réu F mandou abrir neste prédio um furo de água e instalou uma bomba, no que gastou 1.653.104$00;
43º- Reconstruiu uma casa das que constituem o "monte" e;
44º- Construiu um armazém;
45º- O Réu H cedeu o prédio descrito na CRP de Palmela sob o n.2 2138/111088 a um tal N para nele fazer pastoreio de ovelhas, o que hoje se mantém;
46º- O Réu H construiu uma moradia unifamiliar no prédio descrito na CRP de Palmela sob o n º5078/160594;
47. Construiu um muro à volta da propriedade e;
48. Tendo também feito a abertura de um furo para captação de água.
Direito aplicável.
10. Nunca é demais insistir que o STJ, na sua qualidade de tribunal de revista, só conhece, em princípio, de matéria de direito, limitando-se a aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido - artºs 26º da LOTJ99 aprovada pela L 3/99 de 13/1 e 722º, nºs 1 e 2 e 729º nº 1 do CPC.
Integra matéria de facto, do foro exclusivo das instâncias, a indagação, a pesquisa e o apuramento da intenção dos contraentes ou outorgantes em determinado negócio jurídico, bem como a questão de saber se o declaratário conhecia a vontade real do declarante e qual a vontade deste (artº 236º, nº 2) - conf. Ac STJ de 11-12-03, in Proc 2992/03 - 2ª Sec).
Para a existência de simulação, exige a lei três requisitos: divergência entre a vontade real e a vontade declarada;intuito de enganar ou iludir terceiros («animus decipiendi»), e acordo simulatório («pactum simulationis») - conf. artº 240º, nº 1, do C. Civil.
Ora, resulta do elenco da matéria de facto assente (pontos 20º a 24º) que os negócios jurídicos de partilhas extrajudiciais a que se reportam pontos 10º a 13º, outorgados entre o falecido J e Ré C, tiveram apenas o intuito de iludir e, ao fim e ao cabo, prejudicar ("animus nocendi") um terceiro, na circunstância o Autor A, (filho daquele e nascido fora do casamento com a Ré C), procurando ambos, dessa forma, afastá-lo do direito à herança dos bens pertencentes ao respectivo progenitor.
O negócio simulado (simulação absoluta) é nulo - artº 240º - operando a declaração de nulidade eficácia retroactiva (eficácia "ex-tunc") - conf. artº 289º, nº 1, ambos do C. Civil.
Na hipótese vertente, tal vício acarreta, por seu turno, a "nulidade dos negócios jurídicos celebrados a jusante" - para utilizar a terminologia adoptada pela Relação, rectius os negócios jurídicos de doação celebrados entre A. Ré C e os demais RR seus filhos, D, F e H e a que se alude nos pontos 16 a 19 da matéria de facto assente, tanto mais que estes, enquanto donatários, tinham conhecimento "ab initio" do acordo simulatório previamente estabelecido entre respectivos progenitores, com o intuito de prejudicar seu irmão consanguíneo (artº 291º nº 1 "a contrario" e n.º 3 do C. Civil).
No sentido de que, uma vez declarada a nulidade do negócio simulado, todos os negócios subsequentes e consequentes (do mesmo emergentes) cessarão a sua eficácia por mor do vício que inquinou o primeiro - conf o Ac do STJ de 25-3-03, in CJSTJ, 2003, Tomo I, pág 133).
De resto, o Autor A, filho do falecido J, à data da abertura da sucessão deste, ou seja, da sua morte (art. 2031º do C. Civil), era também seu herdeiro legitimário (artº 2157º do mesmo Código), qualidade esta que lhe conferia toda a legitimidade para arguir, como arguiu, a nulidade de tais negócios ao abrigo do disposto no art. 242º, nº 2, ainda do citado Código, podendo fazê-lo não só em vida como depois do decesso do autor da herança.
Os RR haviam suscitado perante as instâncias uma outra questão atinente à simulação pactuada entre o falecido J e a Ré C tendo por escopo o seu próprio divórcio por mútuo consentimento como preliminar da celebração das supra mencionadas partilhas de bens comuns.
Só que, como bem entendeu a Relação, trata-se de questão perfeitamente irrelevante face ao "thema decidendum", já que poderia existir acordo simulatório quanto à realização do divórcio e não existir simulação na partilha de bens comuns e vice-versa.
E, com efeito, dos factos provados emerge que, após o divórcio, J e C viveram em união de facto e se deram bem, e não propriamente que o seu divórcio houvesse sido simulado.
Simulado foi - sem qualquer dúvida, o ulterior e consequente negócio de partilhas, ele sim objecto da controvérsia jurídico-substantiva.
Suscitam agora os recorrentes "ex-novo" a questão da "conversão" dos negócios de partilhas e doação, olvidando não só que toda a defesa deve ser feita na contestação (artº 489, nº 1, do CPC), como ainda que os recursos se não destinam a criar decisões sobre matéria nova, mas sim a sindicar as decisões ex-professo já emitidas pelos tribunais de hierarquia inferior sobre questões submetidas já ex-ante ao respectivo escrutínio.
Contrapõem, outrossim, que o prédio que a recorrente C não doou é de valor superior à legítima, não tendo, por isso, os recorridos necessidade de pedir a nulidade das escrituras de partilhas e doações;todavia, para além de - como a Relação considerou - se não saber qual o valor real desse prédio e de cada um dos outros, e o valor total de todos, à data do óbito, tal alegação é de todo alheia à querela dos autos, pois que para pedir a nulidade por simulação bastaria ao recorrido possuir o "status" de herdeiro legitimário e o negócio ter sido celebrado com a intenção de o enganar / prejudicar terceiros: ademais, tal representaria igualmente uma questão nunca antes suscitada, pelo que vedada se encontraria agora a sua discussão em sede de recurso de revista.
Em causa na acção encontram-se não propriamente as nulidades ou as irregularidades formais de actos notariais, mas sim a validade/nulidade dos negócios jurídicos por esses actos titulados.
E isto sendo sabido que os negócios de celebração de partilhas e as doações de bens imóveis só por escritura pública podem ser celebrados constituindo assim verdadeiras formalidades "ad substantiam" - artº 80º, nºs 1 e nº 2 alínea j) do CNOT95.
O que não significa que se confundam frequentemente forma e o conteúdo nesse tipo de negócios formais, envolvendo bens imóveis.
Deste modo, quando no Tribunal da 1ª Instância se declararam "nulas as escrituras de partilhas e as de doação" foi no óbvio sentido de se declararem nulos os próprios negócios jurídicos de partilhas e de doações formalizados através de tais escrituras.
Trata-se de uma imprecisão terminológica, que por ser vulgar, não deixa de ser censurável, mas que de forma alguma contende com o fundo ou substância do decidido pelas instâncias.
11. Decisão;
Em face do exposto, decidem:
- negar a revista;
- confirmar, em consequência, o acórdão recorrido.
Custas pelos RR recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário já concedido.
Lisboa, 3 de Março de 2005.


Ferreira de Almeida, Abílio Vasconcelos, Duarte Soares.

_________

COMPILADO E DITADO POR AM


quarta-feira, julho 13, 2005

De interesse prático…!







Extraído da “Súmula informativa da APDC”




RESERVA DE VOO SINÓNIMO DE ...
PARTIDA ADIADA!!!


Com o aproximar da quadra festiva do Natal, os consumidores aproveitam para viajar visitando os seus familiares nos destinos mais diversos ou apenas para “carregar baterias” para o ano que se avizinha.


Esta época é propícia a uma grande procura do transporte aéreo, nomeadamente no espaço da União Europeia, podendo-se verificar situações em que os passageiros vêem a sua partida adiada para os locais de destino devido a um excesso de reservas efectuadas, fenómeno este denominado por “overbooking” ou sobrereserva, o qual ocorreu com grande frequência no verão do corrente ano.


Ora, os passageiros que, apesar de terem um bilhete válido indicando uma reserva confirmada e cuja companhia aérea recuse o embarque por o mesmo se encontrar sobrelotado, têm direitos que não podem ser denegados. Existindo uma situação de “overbooking”, a companhia aérea deve oferecer ao passageiro uma escolha entre as seguintes opções:


-Reembolso, sem penalização, do preço do bilhete correspondente à parte da viagem não efectuada; ou

-Reencaminhamento numa data posterior da conveniência do passageiro.


O passageiro tem ainda direito a receber uma indemnização que varia consoante os quilómetros do país de partida ao país de destino ou do atraso das deslocações.

Assim, a transportadora área pagará uma indemnização de 150 para voos até 3 500kms e 300 para voos superiores a 3 500km, tendo em conta o destino previsto no bilhete.

As compensações reduzir-se-ão, porém, a 50% se a transportadora proporcionar o reencaminhamento até ao destino em outro voo, cuja hora de chegada não ultrapasse, para além da hora prevista inicialmente, duas horas em acaso de ligações até 3500km e quatro horas se o percurso for superior a um tal limite.

As indemnizações serão pagas de imediato após a sua reclamação.


Todavia, o valor desta indemnização também poderá estar limitada ao preço do bilhete e se o passageiro estiver de acordo, esta poder-lhe-á ser paga em títulos de viagem ou outros serviços.


Porém, e por forma a minorar os prejuízos sofridos pelos passageiros, cabe à transportadora área oferecer a título gratuito:


- uma chamada telefónica e/ou mensagem de telex/telefax para o local de destino;


- refeições e bebidas em proporção razoável ao tempo de espera;


- alojamento no caso do passageiro ficar retido por uma ou várias noites;


- transporte para o destino original, caso o passageiro aceite um voo de substituição com destino a um aeroporto alternativo.Se o passageiro aceitar viajar numa classe inferior àquela a que o bilhete corresponde, terá direito ao reembolso da diferença de preço. “