PARECERES TECNICOS

quarta-feira, novembro 30, 2005

AVALIAÇÃO DOS BENS IMOBILIÁRIOS

PARECER EMITIDO PELO: Gabinete de Estudos da Ordem dos Advogados e publicado no site da O.A.

Tal Gabinete pronunciou-se sobre o Livro Verde sobre o Crédito Hipotecário na União Europeia.


Livro Verde sobre o Crédito Hipotecário

PARECER

I – Preliminar

A nota que segue incidirá, naturalmente, sobre III Capítulo do Livro Verde intitulado “Questões Jurídicas”.DIREITO APLICÁVELParece sempre de aplaudir qualquer tentativa que se faça em ordem a aproximar os vários direitos nacionais dos países da União Europeia e a uniformizar, na medida do possível, os normativos aplicáveis às diversas situações sociais em cada um desses países.Por ser assim, como é, surgiria fácil a propensão para afirmar como desejável que a matéria do crédito hipotecário fosse regulada no seio da União por um regulamento comunitário abrangente, exaustivo e completo.Não parece, contudo, que um tal regulamento possa e deva ter a amplitude bastante para abarcar todos os aspectos desse crédito carecidos de disciplina jurídica, antes se entende como mais exequível a opção por uma regulamentação parcial atinente aos aspectos da contratação do crédito à habitação que se apresentam como desprovidos de disciplina adequada.Por outra parte, será interessante anotar que a linha de entendimento segundo a qual este crédito tem sido excluído da aplicação das normas europeias elaboradas e publicadas em tema de defesa dos consumidores tende a manter-se, ao que penso avisadamente.É que há realidades da presente regulamentação geral do crédito ao consumo que não serão respeitantes ao crédito hipotecário, pelo menos sem grave perturbação negocial.
Pense-se, nomeadamente, no designado direito ao arrependimento consistente na faculdade que a lei concede ao contraente consumidor de, em prazo determinado e sem contrapartida, se desvincular de um contrato por força da emissão duma declaração unilateral e imotivada.Julga-se que no crédito hipotecário a liberdade de decisão e a indispensável consecução do equilíbrio das prestações contratuais deve ser atingido com recurso a outros institutos.Postas as coisas neste pé e assumida a opção por um regulamento parcial, logo se impõem como justificando uma intervenção dessa ordem pontos vários, por exemplo a tutela dos deveres acessórios de informação pré-contratual, não só no que respeita à contratação do crédito, mormente no tocante ao respectivo preço, como também no particular dos imensos aspectos que poderemos incluir na designação geral da qualidade da habitação a adquirir.E se tais deveres, assim apenas enunciados, hão-de incidir sobre entidades distintas, num caso a entidade financiadora, noutro a promotora imobiliária ou o vendedor do imóvel, a disciplina jurídica a preparar e a publicar agregaria mais operacionalidade e eficácia se respeitasse, na mesma sede normativa, a ambas as áreas, uma vez que o negócio em causa, o negócio da aquisição de habitação, com recurso ao crédito, é, em regra objecto por parte do consumidor duma decisão contínua e complementada, por vezes até única, aproximada e sem delonga propiciadora da sempre desejável reflexão própria.Nesta perspectiva dir-se-á que esses falados deveres de informação pré-contratual hão-de ser concebidos com exigência, ultrapassando a simples comunicação física e mecânica das especificações técnicas do imóvel a adquirir e do crédito a obter e a entrega material das condições contratuais a outorgar e todas as cláusulas que integrarão as convenções a celebrar.
No fundo tratar-se-á de fixar também o dever de tudo informar a propósito, no cumprimento do dever geral da boa-fé que é indispensável para lograr na contratação um fundamentado e esclarecido exercício da autonomia privada.Um apontamento adjacente tem pertinência: a garantia da qualidade da obra é aspecto sempre merecedor de boa atenção. Além doutros pontos eventualmente interessantes, justificará ponderação o ponto de se saber se o actual regime da concessão da denominada licença de habitação será o mais adequado, numa perspectiva da boa e eficaz defesa dos consumidores.Não será de desprezar o ponto de vista dos que defendem que neste particular se deveria caminhar em ordem à consagração dum sistema e dum regime que, por sua índole especial intrínseca, desse maior ênfase e maior relevo à afirmação da responsabilidade profissional dos intervenientes no processo, mormente daqueles que produzem essa licença de habitação.Enfim nesta sede recolhe-se também o entendimento dos que advogam a muita vantagem que se retiraria da criação e do funcionamento de organismos não judiciais de resolução de conflitos, por exemplo órgãos de arbitragem institucional voluntária especializada, que contribuissem validamente para a solução célere e desburocratizada da litigiosidade ocorrida neste sector dos negócios imobiliários.
AVALIAÇÃO DOS BENS IMOBILIÁRIOS
Entende-se que a perseguição do estabelecimento de critérios uniformes ou semelhantes de avaliação geralmente aceites e tidos por claros, transparentes e credíveis é louvável.No entretanto, importaria ter em conta que, em regra, a avaliação é promovida e assegurada pela instituição de crédito mutuante; aliás é, de ordinário, causa e motivo dum custo a suportar pela cliente de crédito.Assim, do nosso ponto de vista tem inteiro cabimento que se vise assegurar que os deveres de informação pré-contratual inerentes a qualquer contratação válida e regular sejam reforçados e definidos no seu patamar mínimo em ordem a que cliente de crédito não só tenha o detalhe e a fundamentação do resultado apurado, mas também possa ter uma participação empenhada no próprio procedimento de avaliação prévia do imóvel a adquirir e a hipotecar.
PROCEDIMENTOS DE VENDA FORÇADA
Afigura-se imperioso que se atinja a indispensável qualidade dos procedimentos da venda forçada e judicial, na medida em que a introdução duma maior celeridade na obtenção de tal venda será sempre um factor de melhoria das condições do mercado do crédito hipotecário, mormente no que respeita ao preço do crédito em causa. É sabido que o arrastamento de situações de crédito bancário vencido e não liquidado, de situações de “crédito malparado”, é factor de deterioração do respectivo mercado e de encarecimento do preço do crédito.Com este objectivo fundado em mira da realização justamente célere da venda forçada judicial, não será estultícia apelar à reflexão acerca da ideia hoje maioritária da proibição do pacto comissório e acerca da possível distância a que tal pacto se situa do apelidado pacto marciano, quiçá, até, do pacto comissório, porém não inicial, mas antes intercalar.
Lisboa, 14 de Novembro de 2005
O Relator,
Carlos da Costa Picoito
O Presidente do Gabinete de Estudos,
Germano Marques da Silva

publicado por AM



sexta-feira, novembro 11, 2005

Avaliação de impacte ambiental — Alteração


O Decreto-Lei n.º 197/2005, de 8 de Novembro (D.R. I Série A, n.º 214), procede à terceira alteração e à republicação do Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio, que aprova o REGIME JURÍDICO DA AVALIAÇÃO DE IMPACTE AMBIENTAL, transpondo parcialmente para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2003/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Maio, relativa à participação do público na elaboração de certos planos e programas relativos ao ambiente.
Das alterações efectuadas pelo citado diploma ao Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio, salientam-se as seguintes:
A primeira alteração efectuada pelo Decreto-Lei n.º 197/2005, de 8 de Novembro passa pela actualização terminológica das várias entidades que participam no procedimento de Avaliação de impacte ambiental (AIA) e, em consequência, a autoridade de AIA passa a ser responsável pela participação do público, substituindo o Instituto de Promoção Ambiental (IPAMB) nessa função.
Relativamente à participação do público e acesso à justiça é aditado o artigo 35º-A ao Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio, no qual se prevê que o público interessado bem como as Organizações Não Governamentais do Ambiente (ONGA) têm a faculdade de impugnar a legalidade de qualquer decisão, acto ou omissão no âmbito do procedimento de AIA.

Verifica-se, ainda, uma maior divulgação e disponibilização de informação ao público no âmbito do procedimento de AIA relativamente à sua publicitação (cfr. artigo 14º) e à respectiva decisão (cfr. artigo 17º), sendo alargado o âmbito de elementos de divulgação obrigatória (cfr artigo 23º e 26º).

Em relação ao âmbito da alteração efectuada pelo Decreto-Lei n.º 197/2005, de 7 de Novembro, ao Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio, é de referir essencialmente, as alterações efectuadas nos n.ºs 3 e 4 do artigo 1º, em correlação com as efectuadas nos seus anexos n.ºs I e II e nos anexos n.ºs IV e V, agora aditados.

O anexo I do Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio - «Projectos abrangidos pela alínea a) do n.º 3 do Artigo 1º», determina quais os projectos a que a alínea em causa se refere como sujeitos a AIA, aditando a previsão de sujeição a AIA a qualquer alteração ou ampliação de projectos incluídos neste anexo, se tal alteração ou ampliação, em si mesma, corresponder aos limiares aí estabelecidos (cfr. n.º 21, do Anexo I).

No que diz respeito ao anexo II do Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio - «Projectos abrangidos pela alínea b) do n.º 3 e pelo n.º 4 do artigo 1º», este passa a considerar como sujeitos a AIA, os projectos relativos a locais para depósito de lamas (cfr n.º 11, alínea j), do anexo II), bem como qualquer alteração, modificação ou ampliação de projectos não incluídos no anexo I e incluídos no anexo II já autorizados e executados ou em execução que possam ter impactes negativos importantes no ambiente ou projectos do anexo I que se destinem exclusiva ou essencialmente a desenvolver e ensaiar novos métodos ou produtos e que não sejam utilizados durante mais de dois anos. (cfr. n.º 13 do anexo II).
O n.º 4 do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio, alterado pelo Decreto-Lei n.º 197/2005, de 7 de Novembro, estabelece a sujeição a AIA de determinados projectos para além dos elencados no anexo II do Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio, ainda que não abrangidos pelos limiares nele fixados, que sejam considerados, por decisão da entidade licenciadora ou competente para a autorização do projecto, susceptíveis de provocar impacte significativo no ambiente em função da sua localização, dimensão ou natureza, de acordo com os critérios estabelecidos no anexo V do Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio - «Critérios de selecção referidos nos n.ºs 4 e 5 do artigo 1º», agora aditado, e que vem estabelecer precisamente esses critérios de selecção. O Anexo IV do Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio - «Elementos a fornecer pelo proponente» vem por sua vez identificar expressamente todos os elementos a fornecer pelo proponente do projecto.
O Decreto-Lei n.º 197/2005, de 8 de Novembro,
ENTRA EM VIGOR NO DIA 13 DE NOVEMBRO DE 2005.

Editado por FR

terça-feira, novembro 08, 2005

IRC, IRS e EBF (Alterações)



O Decreto-Lei n.º 192/2005, de 7 de Novembro, (D.R. I Série A, n.º 213), veio introduzir alterações aos artigos 40º-A, 71º, 72º e 101º do CIRS, 80º, 81º, 90º e 112º do CIRC e 22º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, visando prevenir práticas de evasão em matéria de tributação dos lucros distribuídos.

As alterações introduzidas por aquele Decreto-Lei, «aos Códigos do IRS e do IRC e ao Estatuto dos Benefícios Fiscais visam prevenir práticas de evasão fiscal que são utilizadas para escapar, total ou parcialmente, à tributação dos lucros distribuídos por entidades residentes em território português», na medida em que tais «práticas são concretizadas de variadas formas, sendo a mais corrente a que consiste na mudança da titularidade de partes sociais, antes da distribuição dos dividendos, de entidades, não residentes ou residentes, sujeitas a uma tributação mais elevada, para entidades isentas de imposto ou sujeitas a um regime mais favorável, que de seguida procedem à revenda das partes sociais adquiridas.»

Das alterações ao CIRS, salientam-se as seguintes:

De acordo com a nova redacção do artigo 40º-A do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, os lucros devidos por pessoas colectivas sujeitas e não isentas de IRC ,bem como os rendimentos resultantes da partilha em consequência da liquidação dessas entidades que sejam qualificados como rendimentos de capitais são considerados em 50% do seu valor, mas apenas no caso de opção pelo englobamento.

Por outro lado, de acordo com a nova redacção do artigo 71º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, passam a estar sujeitos a retenção na fonte, a título definitivo, os rendimentos relativos a lucros de partes sociais, tendo-se também procedido à uniformização «das taxas de retenção na fonte sobre os lucros distribuídos quando os beneficiários sejam residentes ou sejam não residentes em território português.»

Finalmente, foi «eliminada a discriminação existente na tributação dos lucros distribuídos por entidades residentes e por entidades não residentes em território português a sujeitos passivos do IRS residentes, sendo, neste último caso, também tributados à taxa de 20%, quer seja por retenção na fonte, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 101.º do CIRS, ou tributação a uma taxa especial prevista no artigo 72.º do mesmo Código.»

Das alterações ao CIRC, salientam-se as seguintes:

De acordo com o novo n.º 11 do artigo 81º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, é criada para as entidades residentes que beneficiam de isenções subjectivas ou objectivas, totais ou parciais, mas, neste último caso, abrangendo os rendimentos de capitais, «uma tributação autónoma sobre os dividendos, calculada à taxa de 20%, na parte em que respeitam a partes sociais que não tenham permanecido na sua titularidade durante um período de um ano contado à data da colocação à disposição dos rendimentos», mas admitindo-se, porém, «que a tributação autónoma não seja aplicada no caso de o período de um ano não estar verificado à data da colocação à disposição dos dividendos, mas a titularidade das partes sociais venha a permanecer na mesma entidade durante o tempo necessário para perfazer o referido período ou, ainda, quando não beneficiarem da dispensa de retenção na fonte prevista no artigo 90.º do Código do IRC.»

São também eliminadas todas as excepções que estavam consagradas na alínea c) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, «relativamente ao cumprimento do requisito temporal por parte de entidades que beneficiam da dedução dos lucros distribuídos instituída pelo n.º 1 do artigo 46.º do mesmo Código.»

Relativamente ao Estatuto dos Benefícios Fiscais, a nova redacção do n.º 2 do artigo 22º, vem determinar a tributação, relativamente a rendimentos obtidos fora do território português, que não sejam mais-valias, autonomamente à taxa de 20%, os lucros distribuídos.

O Decreto-Lei n.º 192/2005, de 7/11, entra em vigor no próximo dia 1 de Janeiro de 2006.

Edição de FR



quarta-feira, novembro 02, 2005

ERRO MATERIAL


"Erro material" - em que consiste ?

1. Errare humanun est.
"Errar é humano", diz a máxima popular. O erro pode ser de diversas naturezas - inconsciente, por lapso de escrita, por negligência, mas também pode ser grosseiro, por falta de observância das regras mínimas de cuidado.No mundo do direito, o "erro material" é relativamente frequente e está previsto na lei o respectivo regime.

2. Em sede de direito substantivo, o art.º 249.º do Código Civil preceitua que "o simples erro de cálculo [lapsus calami] ou de escrita [lapsus linguae], revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita", concede o direito à rectificação desta. Este regime, previsto para os negócios jurídicos, é igualmente aplicável a actos jurídicos, nomeadamente a declarações de vontade não negociais produzidas no decurso de um processo judicial, atento o disposto no art.º 295.º do Código Civil, podendo, assim, ser objecto de rectificação a todo o tempo. Mas, para o efeito, é necessário que esse lapso resulte do contexto ou da forma como a declaração foi emitida. A jurisprudência já decidiu que "não pode ser havido como erro de escrita, susceptível de rectificação, a falta de indicação, na contestação, em impugnação de um artigo da petição inicial, se o lapso não for ostensivo e não resultar do contexto do artigo impugnatório em causa".

3. Por outro lado, no plano do direito processual, dispõe o art.º 666.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, ser lícito ao Juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades e esclarecer dúvidas existentes nas sentenças ou despachos (por referência ao n.º 3 do mesmo normativo).O erro material dá-se quando o Juiz ou o Advogado escreve coisa diversa do que queria escrever, quando o teor da sentença ou despacho não coincide com o que o Juiz tinha em mente exarar. Fora dos casos de lapso manifesto por erro material o discurso jurídico fundamentador de facto e de direito da decisão contém o sentido do enquadramento jurídico dado pelo Tribunal ao caso concreto, rege o princípio da intangibilidade da decisão judicial formulado no art.º 666.º n.º 1 CPC, ficando esgotado o poder jurisdicional do Juiz sobre a matéria da causa (logo, insusceptível de ser reformulado).Foi precisamente desta forma que o Prof. Alberto dos Reis, explicitou que "o princípio da intangibilidade da decisão judicial, formulado no art.º 666.º, pressupõe que a sentença ou despacho reproduz fielmente a vontade do juiz" (in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra, 1981, V, p. 130), pelo que "a inalterabilidade da decisão cessa quando a vontade expressa na sentença (ou no despacho) não é a que o juiz quis declarar".É, por conseguinte, a divergência entre o que foi escrito e aquilo que se queria ter escrito, mas que decorre do que demais consta em termos do respectivo contexto, que consubstancia o erro material.

4. Diferente, é o erro de julgamento. Como decidiu a Relação do Porto (Ac. 10.01.1995, CJ, I, p. 191), "quando não existe qualquer lapso ou erro involuntário que tenha conduzido o Juiz a escrever algo diferente do que queria, não há erro material. Quando muito, poderá haver erro de julgamento por o Juiz ter decidido mal, o que é completamente diferente. O artigo 249.º do Código Civil apenas abrange o erro manifesto, o erro ostensivo. Não havendo erro ostensivo, não haverá lugar a rectificação, mas eventualmente à anulação da declaração ou do acto".Na verdade, no erro de julgamento, o que se escreveu foi o que se quis escrever na altura, embora, posteriormente, se reconheça que estava mal escrito, por desconformidade com o direito ou com a realidade do facto ocorrido, e não por desencontro entre o pensamento e a actuação deste. Como também bem definiu Alberto dos Reis (ibidem), no erro de julgamento "p juiz disse o que queria dizer; mas decidiu mal, decidiu contra lei expressa ou contra os factos apurados. Está errado o julgamento. Ainda que o juiz, logo a seguir, se convença de que errou, não pode socorrer-se do art.º 667.º para emendar o erro".Sem prejuízo, mesmo nos casos de erro de julgamento - sempre passível de apreciação em sede de recurso, se este for admissível - é possível ao Juiz suprir [reparar] a sua decisão, no âmbito específico do recurso de agravo, nos termos do art.º 744.º, n.º 3 do CPC, mantendo contudo a parte agravada a faculdade de requerer a prossecução dos termos do recurso para apreciação pelo Tribunal Superior.

5. A rectificação de um erro material é passível de conhecimento oficioso. Enquanto tal, o despacho de rectificação integra-se no acto rectificado, do qual passa a fazer parte. Carecendo de autonomia, esse despacho não está sujeito a fundamentação própria e só o despacho rectificado a exige (cfr. Ac. STA, 18.10.84, BMJ, 344, p. 443). Na verdade, o erro de escrita é um erro não intencional cognoscível ou ostensivo, decorrendo da própria fundamentação da decisão que se considerou, independentemente da bondade da mesma.

6. Exclusão do princípio do "Juiz natural". Finalmente, importa considerar que a rectificação de um erro de escrita pode ser feita por outro Juiz que não aquele que proferiu a decisão. Assim o decidiu a Relação do Porto por recente acórdão, de 21.10.2004 (proc. 0434755, dgsi.pt), ali se fundamentando que "se a declaração vale tal como é querida, [...] nem [seria] necessário proceder-se à rectificação, dado que se percebia pelo teor do despacho aquilo que se pretendeu dizer. E sendo assim, naturalmente que, a haver rectificação, a mesma pode ser feito nos termos em que o foi, o que não equivale, de forma alguma, a nova declaração de incompetência. [O segundo Juiz que a subscreveu] limitou-se a dizer aquilo que o subscritor do despacho anterior quis dizer e, por lapso, não disse, sendo que a declaração vale de acordo com o que se quis dizer e não de acordo com o que se declarou por escrito".


IN “Revista «O Advogado», II Série, n.º 17, Setembro de 2005
Autoria - Dr. Joel Timóteo Ramos Pereira, Juiz de Direito de Círculo
Data Publicação - 24.Outubro.2005